capítulo 22

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Rebecca

Passei aquela noite na casa de Freen, e sua mãe fez um curativo em minhas feridas, mas o que nenhuma de nós sabia era que feridas reais não podiam ser curadas com álcool e pomadas. Os golpes reais não atingiram o meu rosto, atingiram o meu coração. Um após o outro, sem descanso. Quando pensei que poderia me levantar, outro golpe da vida caiu sobre mim. Então, continuava sem parar, sem cessar, e eu estava começando a ficar cansada. E talvez eles tivessem razão e eu não deveria ter nascido, por isso a vida me dava um golpe atrás do outro, tentando me eliminar, tentando me fazer perceber que não fui feita para viver aquela vida, que eu era um imprevisto do destino e um obstáculo na vida das pessoas e que o destino estava tentando tirar de seu caminho.

Quando abri a porta da casa, um cheiro profundo de bechamel e queijo gratinado chegou ao meu nariz, minhas entranhas roncaram. Caminhei até a cozinha e lá estava todo mundo conversando, a bandeja estava vazia com restos de molho de tomate e queijo na mesa e alguns restos de macarrão no metal. Todos se viraram para me olhar, mas meu olhar se perdeu naquela bandeja.

- Nós não sabíamos se você viria. - minha mãe se desculpou e eu tentei piscar, mas minhas pálpebras se contraíram um pouco.

- Não importa. - minha voz soou abafada, triste, se eles estivessem prestando atenção, mas assim que eu falei as palavras eles se viraram.

Eu tinha voltado após entregar a matrícula para os exames de graduação em março, mas não ousei contar aos meus pais, então eu fiquei quieta, como tudo que devia ter guardado naquela casa.

Ao passar pelo espelho, olhei para mim mesma por um momento. Passei meus dedos pelas minhas bochechas machucadas, pelo meu pescoço, e debaixo de todo aquele emaranhado de dor física estava eu. Aquela que chamavam de gorda e inútil, aquela cujo próprio pai lhe negava comida porque ela era gorda, e não, eu não queria comer. Mesmo que minhas entranhas roncassem assim, mesmo que meu estômago doesse e uma queimação incandescente subisse pela minha garganta, eu não podia.

Escutei três batidas fortes na minha porta.

- Rebecca? - virei-me rapidamente quando ouvi, era Chris.

- O que você quer? - eu respondi sem mais delongas, colocando rapidamente meus desenhos na mochila e chutei para debaixo da cama.

Quando Chris abriu a porta eu estava sentada na beira da cama, olhando para minha mão enfaixada ainda se recuperando daquele chute que Luís me endossou.

- Eu trouxe algo para você comer. - ele trazia um prato com sobras de macarrão, tomate e queijo.

- Eu não quero jantar, Chris. - eu bufei me levantando para fugir dele virando para o outro lado da cama.

- Rebecca, eu...

- Você o que? - eu dei de ombros, braços cruzados, inclinando a cabeça para olhar para ele prestes a chorar. - Você vai se desculpar comigo de novo? Depois de rir de mim, fazer mil merdas na minha vida, esfregar na minha cara que você tinha coisas que eu não tinha, depois de continuar sendo amigo do cara que está me batendo todo esse mês, você vem me dizer 'desculpa'? - deixei escapar uma risada enquanto balançava a cabeça, enxugando minhas lágrimas com as duas mãos. - Eu odeio essa família. Eu te odeio, e isso é muito triste, porque eu não tenho um lugar no mundo ao qual pertencer.

- O que está acontecendo aqui? - meu pai bateu a porta com autoridade, e então eu fiquei com medo.

- Nada. - eu respondi negando, voltando-me para a janela. Eu não queria fazer contato visual.

- Como nada? Ei, você, olhe para mim quando falo com você. - eu não queria olhar para ele, porque ele ia acabar gritando comigo de qualquer maneira. Virei minha cabeça lentamente, e ele se aproximou de mim com uma carranca.

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