Ser cristã nos dias de hoje é igual em Todo Mundo Odeia o Chris: assim como Chris é o único negro em Corleone, eu sou a única da escola que não fala palavrão e não apoia as atitudes da Anitta, então acabo sendo alvo de uma alta dose de bullying na sala de aula. Mas esse não é o maior dos meus problemas.
Morar no interior deveria ser aquele clichê que todo mundo fala: ter um sítio, ordenhar vacas e viver da sua plantação de vegetais. Entretanto, essa é uma situação que não se aplica a mim, que não sei nem trocar uma lâmpada, o que significa que estou muito abaixo de alguém que administraria a própria fazenda.
Muito pelo contrário. Eu e minha mãe moramos numa casa de dois cômodos, gastamos mais da metade da renda no aluguel e não temos condição para pagar internet, levando nós duas a pedir o wi-fi do vizinho emprestado nas situações mais urgentes. E, como se não bastasse tudo isso, tenho que chegar na escola de tempo integral e aguentar comentários ruins sobre minhas roupas.
Ninguém merece...
E tudo começou quando as garotas da minha turma — até então minhas amigas — conversavam sobre o último videoclipe da Anitta e naturalmente me envolveram no assunto.
— Estão falando dela porque aqui ela usou um biquíni de fita isolante — uma delas, Joyce, falou para mim enquanto dedilhava o celular —, mas ela se veste como quiser, né? E isso não ofusca nem um pouco o valor dela.
— Eu acho que ofusca — foi o que respondi. E até hoje me pergunto: por quê?
Agora que me recordo desse triste episódio, sei que fui imprudente, desmiolada e que poderia ter dito qualquer outra coisa que não fosse isso, ou só ter mantido meu bico fechado e minha opinião em segredo, mas a questão é que falei com ingenuidade e inocência. E eu não tinha a menor noção do barraco que uma simples frase iria causar.
Admito. Admito que, depois daquilo, tudo que mais desejei foi voltar no tempo, mas, por saber que esse desejo não seria realizado e tudo que eu tinha era o trágico presente, a única coisa que pude fazer foi suportar as consequências das minhas ações.
Joyce e sua amiga Angela obviamente se enfureceram diante das minhas palavras, contradizendo e também questionando minha resposta, e eu expliquei: falei que, expondo o corpo, a Anitta abria brechas para objetificarem ela e que a Bíblia ensinava a mulher a se vestir com decência. Mas não adiantou.
Já era tarde demais, porque a palavra "Bíblia" automaticamente parecia ter ativado uma espécie de Incrível Hulk dentro de Joyce, que se enfurecia mais a cada palavra minha. E eu, como uma jovem ingênua de quatorze anos, obviamente não sabia como me defender contra um monstro no seu ápice de fúria.
Ao decorrer da discussão, as garotas começaram a ter certeza de que eu era cristã, apontando sinais como minha saia longa e meu comportamento, até decidirem usar suas armas mais pesadas na batalha onde nem eu sabia que tinha entrado:
— Vem cá. Como é que você tem fé em um deus que permite terremotos e tantos feminicídios no mundo, hein?
Alguém avisa a ela que o céu não é aqui? Foi o que pensei na hora, angustiada com tudo. Mas eu precisava manter a calma e explicar.
— Se Deus interferisse em tudo, seria como se a gente já estivesse no céu, então a gente não teria pelo que lutar pra alcançar salvação. E nós temos livre-arbítrio, o que significa que as pessoas escolhem se fazem ou não o mal, então infelizmente os homicídios continuam — falei, e foi a gota d'água.
Desde então, Joyce e Angela começaram a me odiar de jeito que fizeram todas as outras garotas da sala me odiarem também, e o que deveria ser uma rotina tranquila de estudante passou a ser uma vida de bullying e estresse absolutamente todo dia.
Sabendo que, na Bíblia, no evangelho de João, Jesus diz "no mundo tereis aflições", eu então me acostumei com a ideia de que, na vida, eu encontraria muitas Joyces e que deveria saber lidar com elas, evitando ser descuidada novamente, mas, com o tempo, a coisa foi ficando tão tensa que eu já não sabia mais o que pensar.
Indiretas sobre minhas roupas, empurrões na fila do lanche e piadinhas durante toda a aula. Isso é o que ganho até hoje por ter falado aquilo — sem falar que nem sei mais o que é fazer um trabalho em dupla —, então me acostumei a chegar em casa e parecer radiante o suficiente para mamãe achar que tive um ótimo dia de aula. Mas hoje não funcionou.
— Tá tudo bem, Lis? Como foi na escola? — mamãe pergunta preocupada quando eu chego, e não sei como responder.
São cinco e vinte da tarde. Na escola, enquanto eu fazia o dever e a professora não estava na sala, Joyce pegou meu caderno e, quando tentei pegar de volta, ela jogou pela janela do segundo andar, fazendo eu descer para recuperá-lo, que tinha caído numa poça d'água, e agora estou pensando em como finjo para mamãe que isso não aconteceu, mas está difícil.
— Foi... foi tranquilo.
— Que bom então, filha. Você lembra do Fred, amigo da mamãe, viúvo, que é de cidade grande? Ele disse que tá aqui em Aurora.
— Legal. Acho que ele gosta de você, mamãe.
Mamãe cora e põe o cabelo longo, que é liso e castanho claro — aliás, o meu é igualzinho ao dela —, para trás da orelha:
— Você acha? Não! Eu acho que ele não se apaixonaria por uma mulher humilde como a sua mãe.
— Isso não é verdade. Eu vou tomar banho, tá?
Após tomar banho e pôr minha roupa mais confortável, vou para o quarto, fecho a porta, me ajoelho na frente da cama com os cotovelos no colchão, junto as mãos e fecho os olhos.
— Senhor Deus...
Já que não tenho amigas e nem dinheiro para terapia, Deus é o único que sempre está disposto a escutar meus desabafos sem me julgar ou me interromper, então agradeço pelo dia, pela saúde e pela minha mãe, mas não demoro a tocar no assunto de Joyce e começo a chorar.
Então digo: me arrependo. Me arrependo de ter falado aquilo para Joyce. Se eu não tivesse dito nada, talvez ainda teria duas amigas, e, mesmo que não tenham a mesma fé que eu, seriam minhas companheiras, e eu poderia ter seus números de telefone, e faríamos o dever juntas.
Mas aconteceu o que aconteceu, e eu sei que Deus pode fazer eu e mamãe pagarmos as contas e irmos morar fora de Aurora, mas Ele não fez. E eu quero saber: por quê? Não que eu mereça — boa parte foi consequência do que eu disse —, mas Ele fez Davi derrotar Golias e também protegeu Moisés desde pequeno, tudo isso porque tinha propósito para eles. Então por que não me ajuda?
— O Senhor não tem nenhum propósito pra mim? — pergunto.
Porque, se Ele quiser, eu posso ensinar a Verdade aos outros, mudar a vida das pessoas e fazer coisas extraordinárias em Seu nome, se assim for ordenado, mas, enquanto eu não tiver ajuda e estiver na mesma escola que Joyce e Angela, vou continuar sofrendo e deixando meus cadernos caírem em poças d'água. Então imploro, imploro bastante e finalizo com "amém", agradecendo a Deus por me ouvir e indo ajudar mamãe no jantar.
Só que, em vez de encontrar mamãe cortando as verduras, encontro a cozinha vazia e fico me perguntando onde ela está, até mamãe entrar pela porta da frente, fechá-la atrás de si e sorrir como se tivesse ganhado na loteria:
— Você não vai acreditar no que aconteceu.
— O que houve, mamãe?
— Nós vamos pra Fortaleza!
— O quê?
Nota da autora: oiiii, pessoaaalll!! Eita, o que vai acontecer na vida da Lana Lis a partir de agora, hein?! Se vc tá curioso pra saber, fica acompanhando os capítulos! 😉💕
ATENÇÃO! Os capítulos serão atualizados SÁBADO, SEGUNDA e QUARTA, às 14:00 horas, hein! Então fiquem ligadinhos nas datas e horários porque vai ter coisa boa!🥳
E aí, gostaram do capítulo de hoje?! Se sim, comentem bastante pra eu saber o que vcs estão achando, hein! 😉
E, por favorzinho 🙏🏻, toquem na estrelinha aqui embaixo pra eu saber quando vcs gostarem do capítulo e também porque ajuda muito!Beijão e até segunda! 😘♥️
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Abençoada Lana Lis
RomanceLana Lis passa dificuldades financeiras e é importunada pelas colegas da escola desde muito tempo por causa da sua religião, mas tudo muda quando um viúvo rico pede sua mãe em casamento e decide tirar as duas do interior. Agora na cidade grande, alé...