𝑃𝑅𝐸𝑁𝑈́𝑁𝐶𝐼𝑂 | 𝐴 𝑗𝑜́𝑖𝑎

211 31 156
                                    

Estava frio. O vento parecia querer cortar os picos das montanhas que cercavam Velaris, soprando a neve que parecia inesgotável para longe. Dois dias depois do Solstício e o inverno parecia anunciar seu ápice.

Uma lufada forte vinda do norte trouxe alguns flocos na direção do ringue e Gwyn sorriu, ao mesmo tempo que estremecia, vendo os pequenos pedaços de neve se perderem no ar. Fazia meses que tinha subido até ali, mas parte do mundo e pequenos detalhes dele ainda pareciam algo completamente novo e impossível... A sacerdotisa balançou levemente a cabeça e encarou a fita branca que balançava no tronco.

Ela admirava aquela coisa na mesma medida que a estava odiando no momento. Admirava porque a simples fita, apenas um pedaço de seda branca, não cedia ao corte de uma lâmina extremamente afiada, odiava, exatamente pelo menos motivo: porque era sua lâmina que não conseguia cortar.

Mas, a cada dia, crescia uma certeza dentro dela de que logo conseguiria. Poderia parecer loucura, mas ela sentia, a cada vez que sua espada deslizava pelo tecido e ele não cedia, mas parecia ondular como em provocação e pedir para que fizesse aquilo de novo. Como se forçasse o seu limite e dissesse: De novo.

"Tente cortar a fita novamente", a voz grave soou bem no fundo da sua mente e instintivamente ela ergueu a espada.

Com um movimento, desceu a arma na direção da fita, fora um corte limpo, preciso, mas a tira branca apenas ondulou ao vento. Intacta.

"De novo", era a voz de Azriel.

A noite do Solstício de Inverno passou como um flash de luz em sua mente, o momento em que tinha ouvido ele se aproximar, o sentido se aproximar. As sombras. Olhares se encontrando. A conversa. A correção que ele tinha feito.

"Você está girando a lâmina uma fração à medida que ela se aproxima do chão...", encarou sua própria espada, forçando o pulso na posição correta, mas não passou disso, porque...

A gargalhada de Azriel encheu seus ouvidos, uma lembrança se sobrepondo à outra e... A sacerdotisa se esforçou para não levar a mão à lateral do pescoço ou ao centro do peito, onde o pingente pesava levemente desde a noite anterior.

Queria saber o porquê, apenas... entender a razão, porque, por mais que tivesse tentando encontrar uma, desde o exato momento em que Clotho tinha lhe entregado a jóia, não conseguia. Então, faria a única coisa que poderia lhe tirar essa dúvida: perguntaria diretamente a ele.

Naquele instante, sentiu-se mal, iria parecer que o estava encurralando. E, meio o que era o que faria e não queria fazer aquilo, mas... Queria entender o motivo. E não queria fazer isso depois que suas amigas vissem o colar, não queria ficar sem saber o que dizer se, por acaso, elas perguntassem sobre a corrente de ouro em seu pescoço.

Por isso, mesmo que se sentisse meio estranha por ter se esgueirando pela casa de Nestha, sem que ela a visse, para subir até o ringue, ali estava ela. E, talvez, parecesse loucura ir até ali e esperar que o Illyriano aparecesse, mas tinha certeza que ele iria aparecer. Mais cedo ou mais tarde, e, se fosse mais tarde, ela não tinha pressa. Não é como se ela fosse realmente dormir.

Além disso, sua certeza não era infundada. Com todo aquele tempo de treinamento, Gwyn o havia observado. Havia aprendido que ele era meio controlador com padrões e ordem, as coisas deveriam estar de uma forma específica para que o agradassem. Conseguia até diferenciar os dias em que era ele que arrumava o ringue e quando era Cass. Não que Cassian fosse desleixado, ele deixa tudo em seu devido lugar, o guerreiro apenas não era metódico e não parecia ter o mesmo toque que o irmão. Talvez fosse por isso que, por mais fútil que fosse, Az parecia ficar irritado quando Cassian misturava as adagas, nunca o tinha ouvido reclamar ou sequer resmungar, mas para ela ficava claro na linha do maxilar dele.

𝐶𝑜𝑟𝑡𝑒 𝑑𝑒 𝑆𝑜𝑚𝑏𝑟𝑎𝑠 𝐸𝑠𝑡𝑒𝑙𝑎𝑟𝑒𝑠Onde histórias criam vida. Descubra agora