𝑃𝑅𝐸𝑁𝑈́𝑁𝐶𝐼𝑂 | 𝑂 𝑝𝑟𝑒̂𝑚𝑖𝑜

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Faziam horas desde que Gwyneth tinha saído do ringue de treinamento e ela ainda sorria. Quando os Illyrianos haviam ido embora, Cassian e Azriel disseram que estavam liberadas, uma espécie de gratificação por terem conseguido vencer o bendito Percurso, então, as três tinham se reunido para comemorar, ainda imundas de terra e sangue seco, na biblioteca, se enchendo de bolo de chocolate. Ela poderia jurar que a Casa tinha lhe mandado um com chocolate extra.

Depois, quando fora para a biblioteca, tinha contado a notícia às outras sacerdotisas e elas tinham ficado extasiadas. Gwyn mal podia esperar para que elas mesmas sentissem a sensação de vencer o percurso.

Naquele momento, porém, estava deitada sobre lençóis e travesseiros na biblioteca, Nestha e Emerie dormindo próximas a ela. Tinha subido novamente à Casa do Vento depois do culto, e as três tinham passado a conversar sobre o treinamento, técnicas de lutas e estratégia militar e, é claro, sobre o livro que estavam lendo. Até que o cansaço do dia tinha lhes vencido e às feito dormir, pelo menos as outras duas. Em dias como aquele, a mente dela demorava para desligar, o que era péssimo porque isso lhe dava tempo para pensar. E não só em coisas boas.

Às vezes, quando a noite avançava e ela não conseguia dormir, independente de ter sido um bom dia ou não, as memórias invadiam sua mente, lhe causavam calafrios, ânsia. Traziam de volta a dor, a raiva e o medo. Além disso, ali, enquanto olhava para o teto de pedra da Casa do Vento, seus pensamentos voltavam para aquela mesma manhã, não para a satisfação de ter vencido o Percurso, mas a sensação pegajosa de olhares alheios e estranhos grudando sobre sua pele. Para aquele breve momento em que se sentiu indefesa.

Gwyn tentou clarear a mente e não se atreveu a fechar os olhos, temendo que ao fazer isso visse seu passado, ou que sua mente lhe levasse a cenários que não existiam, mas perturbam sua mente. Respirou fundo e se sentou entre os lençóis, sua cabeça se virou para a janela de vidro fechada que dava a vista para Velaris. Aquilo a fez ansiar pela sensação do vento. Então, antes que pensasse em algo a mais, levantou-se silenciosamente, pegando um lençol e o colocando sobre os ombros, e saiu da biblioteca sem fazer um ruído sequer. Suas amigas nem se mexeram.

Os corredores da casa estavam escuros, mas assim que deu alguns passos, uma luz tênue e alaranjada passou a surgir nas paredes, como se a Casa dissesse que a acompanhava. Gwyneth sorriu e tocou a pedra fria. Fora Nestha quem havia dado vida àquilo. Gwyn seguiu a passos lentos até a sala que era cercada por janelas abertas e sorriu sozinha quando sentiu o ar noturno.

Às vezes se indagava como tinha sido capaz de suportar dois anos sem sentir o vento, sem ouví-lo. E nem gostava de se perguntar isso porque lhe levava a questionar como conseguia permanecer sem ouvir o som mais belo daquele mundo: o som do mar. A canção da água. A melodia das ondas batendo contra os recheados ao pé do penhasco de Sangravah ou virando espuma na praia. E isso fazia seu coração se apertar insuportavelmente porque se perguntava como poderia desejar sentir e ouvir coisas que lhe traziam paz e alegria sem que sua irmã pudesse sentí-las e ouví-las também.

Talvez fosse aquilo que a mantesse ali, talvez a mantivesse para sempre entre o ringue e a biblioteca — o treinamento sendo o máximo que se permitisse viver para além dos livros e da semi escuridão na base da Montanha — porque não era justo que fosse viver em um mundo sem Catrin.

Gwyn se deixou sentar em um dos sofás, sentindo o peso que era respirar. Fechou seus olhos e irís azuis como as suas surgiram em sua mente, seguidos pela visão de uma pele imaculada e pálida como a lua e cabelos longos negros.

Eu sinto muito, Cat.

A imagem perfeita se desfez, sendo manchada por vermelho. Gotas rubras que haviam se formado na base do pescoço de sua gêmea e tinham se transformado em rios carmesim. Tanto sangue. Tanta dor... O toque invasivo em sua pele, o hálito contra seu rosto e...

𝐶𝑜𝑟𝑡𝑒 𝑑𝑒 𝑆𝑜𝑚𝑏𝑟𝑎𝑠 𝐸𝑠𝑡𝑒𝑙𝑎𝑟𝑒𝑠Onde histórias criam vida. Descubra agora