Os detalhes em nós dois - Bônus

2.1K 165 247
                                    

"As coisas não são tão simples como eu gostaria que fossem, talvez por isso seja necessário escrever. Eu queria dizer em voz alta, mas certamente eu não lembraria de tudo que preciso, e também existem esses seus olhos me encarando que me fazem perder a linha de raciocínio várias vezes. Quatro anos atrás você me escreveu uma carta, hoje eu te escrevo a minha porque acho injusto deixar apenas você falar quando houve uma época em que eu precisei engolir todos os meus sentimentos e apenas aceitar o seu tchau tão repentino.

Me sentar naquele café, em 13 de julho de 2019, mudou o rumo da minha vida para sempre. Quando me apaixonei por você eu pensei que tinha encontrado o melhor dos sentimentos, mas, quando terminei de ler a sua carta, percebi que sentir a melhor das coisas também pode te trazer o pior dos sofrimentos. Lembro que larguei seu primo lá e saí, estava ventando frio e eu nem tinha um agasalho; talvez isso ilustre a forma como me senti: nua de um jeito ruim, sem nada para me cobrir. Vulnerável. Carlos, o que você deixou comigo foi uma grande confusão, e quando pensava em você, tudo era apenas uma enorme confusão e nada mais. Tudo que eu achava que era certo se perdeu e minhas certezas viraram dúvidas que, por noites e noites – incontáveis noites –, fizeram meu coração queimar. Pode ter certeza de que se houvesse uma face para um coração partido o meu rosto estamparia o interior de diversas caixas torácicas mundo afora, porque você me partiu em um milhão de pedacinhos.

Foi muito significativo ouvir sua versão e saber o que você sentiu quando voltou para casa, e mesmo que seja um pouco doloroso, tento compreender seu comportamento. Eu digo compreender e não entender, então veja que isso não significa que eu não me afete com suas atitudes. Sua aparente felicidade – mesmo que você me diga que não estava se sentindo assim – fez eu me sentir pequenininha, como se tivesse sido uma vítima de palavras bonitas. Foi aí que entrou a confusão: como alguém que chorou quando me viu já tem outra pessoa do lado? Como alguém que me escreveu uma carta tão linda já está assim, tão animado? Suas atitudes de lá dueleram com suas atitudes daqui, e eu ficava me perguntando centenas de coisas mais, perdida dentro de outras centenas de possíveis respostas. Você me deu algumas e sua história é até coerente, mas nunca vou me esquecer de como me senti – talvez nem deva, por precaução.

Alguma vez você já sentiu um peso enquanto respirava, como se você estivesse deitado e houvesse uma caixa cheia de coisas em cima do peito? Porque eu me senti assim por muitos e muitos dias enquanto tentava te esquecer. Às vezes beirava o insuportável e eu me perguntava se aquilo nunca passaria. Foi a primeira vez que sofri de verdade por uma pessoa, e durante esse momento eu prometi para mim mesma que seria a única. Talvez tenha sido, porque o término com Erik doeu, mas apenas me ralou. Foi como um arranhão daquele que é forte o suficiente para deixar uma marca na pele e você se lembrar para sempre, mas não fundo o bastante para demandar de cuidados por muito tempo. Você foi daqueles machucados que a gente faz quando cai de bicicleta em uma estrada de terra: a poeira fica grudada e você chora pra entrar no banho porque precisa limpar e isso faz doer; nesse caso, o corte era meu coração ferido e você os grãos de areia – eu não queria me lavar porque isso significava te mandar embora de uma vez. Carlos, eu acho que nunca quis que isso acontecesse. Limpar meu machucado doeu, mas talvez eu tenha deixado um grão de areia de propósito porque queria que um pedacinho seu ficasse comigo..."

Sainz está sentado no chão do meu quarto lendo uma carta não terminada que comecei a escrever na madrugada de 26 de dezembro, quando ele veio aqui. Hoje é 13 de fevereiro, estamos juntos há quase dois meses – sim, juntos, pois depois daquela noite não houve um dia em que eu não tenha visto Carlos Sainz, não houve um dia em que eu tenha ficado sem beijá-lo nem sem sentir seu abraço gostoso.

Os dias com ele têm sido bons e lindos, mas não perfeitos: como disse alguma vez, esquecer tudo ainda vai levar um tempo, porque sua volta à minha vida representa não apenas o afago da sua presença como também o amargor de uma mágoa má curada. Junto de Sainz vem alegria e dor, duas pessoas em uma só que preciso aprender a fundir. É como se esse momento representasse o que eu teria vivido se já naquela época Carlos tivesse permanecido na minha vida, minha confiança nele foi abalada e repercute no agora porque quatro anos atrás eu não tinha o que fazer com isso. Fico receosa quando ele passa muito tempo no celular ou quando sai sozinho e de vez em quando duvido do que me diz, por exemplo, e não tenho nenhum orgulho de me sentir dessa forma. Nunca mexi no seu telefone nem tentei proibi-lo de fazer algo, mas meu peito dá sim uma enroscada quando esse tipo de coisa acontece e tento não ser reativa quando as lembranças daquela época me tomam de maneira intensa. Passar por isso é doloroso, no entanto, estamos juntos, e quando digo juntos, é em tudo: Carlos está me ajuda com meus sentimentos confusos, sei que posso ser transparente e dividir com ele o que ainda existe de ruim; não estou sozinha e posso contar com sua mão segurando a minha. "Vou colar os caquinhos do coração que quebrei, e os pedaços que não conseguir encontrar eu preencho com meu amor por você", foi o que ele disse baixinho abraçado comigo, depois de uma crise de choro que veio enquanto conversávamos sobre nosso passado. Sei que falar sobre o que aconteceu há tanto tempo pode parecer repetitivo e sinalizar o fracasso de uma relação, mas as coisas entre nós nunca se encaixaram num padrão, além do mais, ou tratamos desse assunto agora ou ele um dia causará nossa separação.

Pelo telefone | Carlos SainzOnde histórias criam vida. Descubra agora