𝑆𝐸𝑇𝐸

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                           SETE


Wangji

Quinze anos atrás
Eu não conseguia parar de olhar.
A neve caía pesada e a menina nova estava lá fora de boca aberta, mostrando a língua e descalça, girando de olhos fechados. Ela ria quando flocos de neve caíam em sua boca.
Lily.
Lírio. Eu precisava encontrar essas flores para descobrir que cheiro tinham. Não que eu fosse idiota a ponto de pensar que Lily teria cheiro de lírios, mas sabia, de algum jeito, que o cheiro seria o melhor que já sentira.
Eu tinha uma terrível dor no peito enquanto a espiava pela janela. A razão lógica para isso era o queijo quente e a sopa de tomate que minha mãe tinha feito mais cedo para o almoço. Mas eu sabia que não era isso. Mesmo aos catorze anos, sabia como era a sensação de amar. Bem, não tinha conhecido essa sensação até uma hora antes, quando ouvi a campainha. Mas agora estava absolutamente certo disso.
Lily.
Lírio.
Lily do Wangji.
Até o som é bonito, não é?
Wangji e Lily.
Lily e Wangji.
Se tivermos filhos, talvez eles também tenham nomes de flores – Violet, Poppy, Ivy. Espera. Ivy não é uma flor. É uma erva daninha. Acho que é.
Tanto faz.
Não tem importância.
Cheguei mais perto da janela do escritório de meu pai, e meu hálito embaçou a vidraça. Levantei a mão e a limpei com o punho da blusa de moletom. O movimento atraiu a atenção de Lily lá embaixo. Ela parou de girar, uniu as mãos em torno dos olhos para protegê-los da neve e tentou me enxergar. Eu devia me abaixar para não ser visto, mas estava paralisado – completamente e totalmente hipnotizado por essa menina.
Ela gritou alguma coisa. Não consegui ouvir com a janela fechada. Por isso a destranquei e abri.
Tive que pigarrear para conseguir pronunciar as palavras.
— Você disse alguma coisa?
— Sim. Perguntei se você é algum tipo de espião esquisito.
Merda. Agora ela me acha esquisito. Primeiro eu praticamente fugi da sala quando minha mãe nos apresentou, e agora ela me pegou espiando como se fosse um stalker. Eu precisava ir com calma.
— Não — gritei. — Só estava olhando para ver se algum dedo seu vai ficar preto e cair do seu pé congelado. Não viu O dia depois de amanhã?
Ela balançou a cabeça.
— Nunca fui ao cinema.
Arregalei os olhos.
— Você nunca foi ao cinema?
— Não. Minha mãe não gosta de televisão e cinema. Ela acha que a TV faz a gente acreditar em coisas idiotas.
— Mas, se tivesse visto O dia depois de amanhã, você estaria de sapatos.
Ela sorriu e meu coração parou, literalmente, por um segundo. Tive a sensação de que ele deu uma cambalhota rápida no momento em que ela mostrou os dentes brancos. Massageei o local dessa sensação em meu peito, embora não sentisse dor.
Olhei para Lily outra vez e gritei:
— Ei, faz isso de novo?
— Isso o quê?
— Sorrir.
E lá estava... uma inconfundível batida pulada em meu peito.
Lily se virou e olhou em volta.
— Você ouviu isso?
— O quê?
— Sinos tocando?
Talvez nós dois estivéssemos imaginando coisas.
— Não. Nenhum sino.
Ela deu de ombros.
— Talvez seja o Papai Noel. Ouvi dizer que vocês, pessoas ricas, acreditam nisso até uns trinta anos porque ganham presentes todo ano.
De repente, a luz com detector de presença acendeu lá fora e ouvi a voz de minha mãe.
— Lily? O que está fazendo aí fora? Entre antes que fique resfriada.
— Sim, sra. Lan. Só estava olhando os flocos de neve. Nunca tinha visto neve antes.
— Minha nossa. Ok. Bom, entre e providenciarei roupas apropriadas para você. Qing tem um macacão e botas para neve que devem servir em você... e um chapéu.
Lily olhou para cima, para mim, e sorriu mais uma vez.
Meu coração se contraiu dentro do peito. De novo.
Droga... quem ia adivinhar que o amor podia ser tão doloroso?

Na manhã seguinte, não consegui encontrar Lily em lugar nenhum. Normalmente, minha mãe fazia as crianças novas pegarem o ônibus para a escola comigo no primeiro dia, e eu as levava à secretaria, onde ela já estaria matriculando todo mundo e conversando com o orientador.
Despejei cereal em uma tigela e peguei o leite na geladeira, mas, quando ia devolver o recipiente ao lugar dele, ouvi um barulho alto na porta que dava para a garagem. Enchi a boca de cereal, peguei a tigela e fui ver o que estava acontecendo.
Quando abri a porta, parei de mastigar.
— O que você está fazendo?
Lily me encarou com a testa franzida. Parecia honestamente confusa com minha pergunta.
— Pintando. O que parece que estou fazendo?
— Parece mais que se pintou.
Lily estava na frente de um cavalete, com braços e pernas cobertos por uma dúzia de cores diferentes de tinta. Ela vestia uma camiseta comprida que mal cobria a bunda. Meus olhos desceram até as pernas, que tinham menos tinta que a metade superior dela, mas eram longas e lisas. Nunca tinha visto uma garota com pernas tão compridas. Senti um impulso muito forte de pegá-la no colo e ver se ela conseguia cruzar os tornozelos atrás das minhas costas.
Não percebi há quanto tempo estava olhando, até ela falar novamente.
— Está pingando.
Meus olhos encontraram os dela.
— Hã?
Ela sorriu e projetou o queixo na direção da minha tigela de cereal. Eu a segurava torta, e o leite estava pingando nos meus sapatos.
— Merda. — Endireitei a tigela.
Lily deu risada. Como essa garota era linda. Cabelo comprido e preto, pele naturalmente bronzeada no auge do inverno e os maiores olhos castanhos que já tinha visto. E ela era alta – só alguns centímetros mais baixa que eu. Desde o verão do oitavo ano, quando cresci dez centímetros em poucos meses, a maioria das garotas não alcançava a altura dos meus ombros. Mas Lily alcançava. E eu tinha a sensação de que sua altura era perfeita – como se ela tivesse nascido para se destacar entre todas as outras garotas.
Balancei a cabeça e interrompi a reflexão.
— Minha mãe sabe que você está aqui pintando? O ônibus chega em uns quinze minutos.
Ela franziu o nariz.
— Ônibus?
— É, sabe... escola. São sete horas.
— Da manhã?
Agora eu que estava confuso.
— Sim, da manhã. Achou que ainda era noite?
— Sim. Acho que pintei a noite toda. Devo ter perdido a noção do tempo. — Ela deu de ombros. — Isso acontece às vezes.
Eu me aproximei e olhei para a tela.
— Você pintou isso?
— Sim. Não ficou tão bom.
Levantei as sobrancelhas. A pintura, uma espécie de abstração de um ramalhete de flores entrelaçadas, podia estar em um museu, na minha opinião.
— Hum... se isso não é bom, espero que não veja a porcaria que eu faço na aula de artes.
Ela sorriu. E, novamente, meu peito ficou apertado.
— Minha mãe me levou ao Havaí uma vez. As flores lá eram muito bonitas. É a única coisa que gosto de pintar. — Lily deu de ombros.
— Sou meio obcecada por isso. Dou nome a todas as pinturas. Esta se chama Leilani. Significa flor celestial e criança de Deus em havaiano. É um nome popular por lá. Minha avó era Willow. Minha mãe é Rose, e eu sou Lily. Todas temos nomes de flores e plantas. Um dia, quando eu tiver minha filha, talvez dê a ela o nome de Leilani.
Uau. Isso é muito maluco. Tive o mesmo pensamento sobre dar nomes de flores a filhas. Só que não pensei nas filhas de Lily, mas sim em nossas filhas.
— Leilani — repeti. — Bonito nome.
Lily fechou os olhos e respirou fundo.
— Lei-la-ni. É bonito, não é?
— Você também é bonita. — Não sabia de onde isso tinha saído. Bem, obviamente, sabia o que era. A verdade. Mas não esperava que saísse da minha boca.
Lily deixou o pincel no apoio do cavalete e limpou as mãos na camiseta. Depois se aproximou de mim e parou bem na minha frente – invadindo meu espaço. Cada fio de cabelo do meu corpo ficou em pé, e minhas mãos começaram imediatamente a suar. Qual é o meu problema? Eu já tinha ficado com garotas antes beijei um garoto há um mês, mas essa menina me deixava nervoso só por estar perto dela.
Lily se ergueu na ponta dos pés e beijou meu rosto.
— Acho que este deve ser o primeiro lar temporário onde gosto de morar.

É, acho que também vou gostar de Lily morando aqui.
(....)


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