𝑁𝑂𝑉𝐸

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                      NOVE

Wangji
— Um comitê ? Sério?
Suspirei quando minha irmã Qing entrou no meu escritório.
— Já falamos sobre isso depois da reunião, lembra?
— Eu ainda não encerrei essa discussão.
— É claro que não — resmunguei.
— Por que criou esse comitê? Deve haver uma razão.
Arrumei os papéis em cima da mesa.
— É uma iniciativa na qual penso há muito tempo. Acho que já falei sobre isso.
— Há quanto tempo?
— Quanto tempo o quê?
— Há quanto tempo está pensando nessa iniciativa?
— Muito tempo. — Juntei os papéis em uma pilha no centro da mesa e a endireitei. Minha irmã continuava em silêncio, esperando que eu a encarasse. Respirei fundo e levantei a cabeça para olhar nos olhos dela.
Ela estudou meu rosto antes de voltar a falar.
— Por que não acredito em você?
Revirei os olhos.
— Porque é uma narcisista que odeia os homens.
— É verdade. Mas não é por isso.
Eu conhecia todos os tons da minha irmã. Tinha o furioso, quando ela achava que eu era um babaca e estava começando a perder a paciência, e tinha o carinhoso e atento, que ela usava quando discutia assuntos como nossos pais. O mais comum era o tom sarcástico, que eu geralmente merecia. Mas esse tom de agora? Esse era o tom do cão farejador, de quando ela cravava os dentes em cada palavra que eu dizia para procurar significados subjacentes. Ela sabia que eu estava mentindo sobre meu interesse no comitê, e queria saber qual era o verdadeiro motivo para eu ter feito o que fiz.
Abri a gaveta e peguei uma pasta. Joguei-a em cima da mesa e disse:
— Tenho uma reunião em cinco minutos, vai brincar de detetive no seu escritório. Se encontrar mais pistas, peça para sua assistente mandar um memorando para a minha.
Minha irmã olhou para mim de cara feia.
— Você é um babaca, sabia?
Meus lábios se distenderam em um sorriso sincero.
— Também te amo, mana.
Qing revirou os olhos.
— Não esquece o evento beneficente do One World Broadcasting na sexta à noite. Vai levar Jooyung?
— Não estamos mais juntos. — E alertei a mim mesmo que precisava comunicar isso a ele.
— Ah. Quem vai levar?
— Não preciso levar alguém a todos os eventos.
— Mas sempre leva... — Ela se dirigiu à porta. — Ah, quase esqueci. A mulher que você recomendou para substituir Bickman, a Madeline Newton, foi aprovada na nossa verificação de antecedentes. Fiz uma entrevista com ela depois que nosso diretor a aprovou. Estamos de acordo, ela se encaixa bem na vaga. Vou fazer a oferta no fim da semana. Mas podemos convidá-la para o evento beneficente se você quiser. Bickman sempre comparecia, e temos um lugar vago em nossa mesa.
— Sim, boa ideia.
Qing se virou para sair.
— Espera — pedi. — Se não há um chefe de departamento, quem é convidado para esse tipo de coisa?
Ela deu de ombros.
— Ninguém. Ou quem faz as funções de chefe de departamento, às vezes.
— Pensando bem, vamos adiar em uma ou duas semanas a oferta da vaga para Madeline. — Inventei uma mentira. Era tão plausível que, quando a contei, me perguntei se não podia ser verdade. — Ouvi dizer que ela se candidatou a uma vaga na Eastern Broadcasting. Quero ver se ela vai aceitar esse outro emprego se não fizermos a oferta imediatamente. Vamos ver até onde vai sua lealdade e o que está disposta a arriscar para continuar conosco.
Minha irmã parecia surpresa, mas acreditou na história.
— Ah. Ok — disse. — Boa ideia. Vou segurar a oferta e não vou convidá-la para o evento beneficente porque isso daria a entender que ela vai ficar com a vaga. Vou ver se o chefe interino se interessa em comparecer.
Boa, Qing. Foi você quem teve a ideia de convidar Wuxian .
Acenei para ela como se não desse a mínima importância para a possibilidade de a chefe interina do departamento comparecer ao evento usando um vestido sexy.
— Tudo bem. Faça como achar melhor.
Qing se virou para sair, e eu a chamei novamente.
— Ah, e como o tópico do assédio sexual foi abordado na nossa reunião do comitê, gostaria de ler nosso regulamento, me informar sobre como lidamos com isso. E também quero conhecer todas as diretrizes que adotamos sobre relacionamentos no local de trabalho.
Talvez eu tivesse ido longe demais. Minha irmã reagiu, chocada.
— Sério? Você quer ler o nosso regulamento ?
— Quero.
— Bom, acho que tem uma primeira vez para tudo. É claro que temos uma diretriz para assédio sexual. Mas não adotamos nenhuma política corporativa proibindo relacionamentos e namoro no escritório. Oitenta por cento das pessoas já testemunharam ou estiveram envolvidas em um relacionamento no escritório. Quem somos nós para dizer a pessoas que trabalham noventa horas por semana que elas não podem namorar um colega de trabalho?
Cocei o queixo.
— Então o que Wei Wuxian mencionou em nossa reunião, um chefe convidar uma subordinada ou subordinado para sair, é admissível?
— Bom, aí a coisa fica complicada. Não é ilegal ou proibido pelas regras da empresa um supervisor convidar uma subordinada para sair. Mas assédio sexual é ilegal, é crime previsto no Código Civil, e as leis do nosso estado e da empresa também preveem punição para isso, e nossa política corporativa proíbe a criação de um ambiente de trabalho hostil com base no sexo ou sexualidade da pessoa. Um supervisor e uma subordinada ou subordinado tornan-se amigos, um interpreta mal os sinais do outro, e de repente um convite recusado cria um ambiente de trabalho complicado.
Assenti.
— É bom saber. Obrigado.
Depois que Qing saiu, encostei na cadeira e olhei pela janela. Nunca tinha mergulhado minha caneta na tinta da empresa. Na verdade, nunca me envolvera com ninguém da área. Gostava de manter meus assuntos privados assim, privados. Mas lá estava eu pesquisando políticas e procedimentos, pronto para reescrever as normas, se precisasse, só para manter viva minha fantasia de transar com Wei Wuxian  .
Merda. Passei a mão na cabeça.
Pensar nisso podia me meter em uma tremenda encrenca. Mas, como disse minha irmã, as leis estaduais e federais tratavam apenas de avanços indesejados. E Wuxian  tinha deixado claro que minha investida – antes de ela saber quem eu era – não foi inconveniente. Agora, eu só precisava convencer meu funcionário a receber bem novas investidas, por exemplo, dizer a ele que eu não conseguia parar de pensar naquela boca safada no meu pau.

Dois dias depois, consegui me concentrar no que era importante e trabalhar – trabalho que não envolvia Wei  Wuxian  . Tinha acabado de encerrar uma reunião virtual com nossos advogados em Londres quando Millie bateu à porta do meu escritório e entrou.
— Lamento interromper, mas tem visita para você.
Olhei para o relógio.
— A reunião com Jim Hanson não é só daqui a uma hora?
— Não é ele. É Jooyung.
Joguei a caneta em cima da mesa e encostei na cadeira com um suspiro. Devia ter respondido à mensagem dele mais cedo. Melhor ainda, devia ter levado Joo para jantar e terminado tudo. A última coisa que eu queria era uma cena no escritório.
Millie viu minha cara.
— Eu disse a ele que você estava em reunião. Posso dizer que vai demorar, se quiser.
Pensei seriamente em aceitar a sugestão, mas gostava de coisas inacabadas ainda menos do que de confrontos, então era melhor resolver isso de uma vez.
Fiz que não com a cabeça.
— Tudo bem. Só preciso de um minuto para limpar a mesa.
Millie assentiu e, alguns minutos depois, trouxe ele à minha sala. Jooyung usava um terno que caia muito bem em seu corpo . Fiquei atrás da mesa para evitar um cumprimento íntimo.
— Estava começando a pensar que estava me evitando.
Sorri.
— Ando ocupado, só isso. — Apontei a cadeira do outro lado da mesa.
— O que faz aqui?
Jooyung era um homem bonito. Modelo profissional, sabia exatamente como realçar seus belos traços. Com pernas longas,corpo másculo e olhos de cores diferentes – um azul, o outro castanho –, ele chamava a atenção por onde passava. Mas, quando ele sentou-se e, muito lenta e deliberadamente, cruzou as pernas torneadas, eu e meu pau não ficamos muito excitados.
— Tenho que ir a Paris no fim de semana e vou passar duas semanas fora. Achei que podíamos nos encontrar antes disso. Estou livre na quinta-feira à noite.
Quinta-feira à noite era a data do evento beneficente.
— Tenho um compromisso de trabalho na quinta à noite.
Ele fez biquinho.
— Eu trabalho na sexta, mas quem sabe um jantar mais tarde?
Eu não era o tipo de homem que ignorava encontros e recusava convites para terminar relações. Preferia ser direto e, no fim, homens e  mulheres também preferiam que fosse assim. Mas, às vezes, quando acontecia,  se ressentiam por serem dispensados.
Eu me inclinei para a frente.
— Você é uma pessoa maravilhosa, Joo. Mas estamos em frequências diferentes, e acho melhor pararmos por aqui.
O biquinho sedutor deu lugar a uma expressão furiosa.
— O quê?
— Fui bem honesto quando começamos a sair uns meses atrás. Não estou interessado em um relacionamento, não agora. As coisas eram casuais no começo, mas acho que não estamos mais interessados na mesma coisa.
Ele ergueu a voz.
— Então só queria transar comigo?
Eu achava que explicar que não queria um relacionamento antes de sairmos pela primeira vez fosse suficiente para esclarecer que o que teríamos seria apenas físico, com um pouco de convivência. Mas, pelo jeito, eu teria que soletrar no futuro.
— Por favor, fale baixo. Eu fui claro sobre minhas intenções desde o início.
Os olhos dele se encheram de lágrimas. Merda. Eu devia ter aceitado a oferta de Millie para fingir que continuava em reunião. Devia ter feito isso em local público, onde teria uma rota de fuga.
— Mas eu pensei que tivéssemos evoluído para algo mais...
E aí estava o problema. Algumas pessoas dizem se contentar com algo casual, mas não se contentam. Acham que podem mudar o que quero e depois ficam furiosas comigo por querer exatamente o que eu disse que queria desde o início.
— Lamento se entendeu mal.
Aparentemente, eu não devia ter dito isso.
Todo o seu rosto se contorceu.
— Eu não entendi mal. Você me iludiu.
Eu não tinha iludido ninguém. Mas sabia quando era melhor não discutir.
— Lamento se fiz isso.
Seu rosto suavizou-se e ele fungou.
— Tudo bem. Podemos manter tudo como era quando começamos. Sem compromisso.
Eu poderia ter encerrado essa história com mais facilidade se concordasse com isso e a evitasse no futuro. Mas aceitar o “sem compromisso” era manter uma porta aberta entre nós. E eu não queria mais nada com ela.
— Acho melhor pararmos com tudo agora.
Ele arregalou os olhos. Não estava acostumado com rejeição.
— Mas...
— Lamento, Joo.
Ele se recuperou passando de aborrecido e chocado a furioso outra vez. E se levantou de repente.
Também fiquei em pé.
Ele me surpreendeu alisando o terno. Tudo indicava que ia sair sem causar uma cena, afinal. Pensando que o assunto estava encerrado, cometi o erro de sair de trás da mesa para acompanhá-lo até a porta.
Aparentemente, sua compostura era só o olho do furacão. Assim que me aproximei, a fúria voltou.
— Você me usou.
— Lamento que ache isso.
Ele subiu o tom novamente.
— Seu apartamento é tão sem graça quanto você. A única coisa interessante em você é seu pau.
Já chega. Coloquei a mão atrás de suas costas, tomando o cuidado para não o tocar, mas guiá-lo até a porta.
Ela praticamente cuspiu em mim.
— Não me toque.
Retirei a mão e levantei as duas.
— Só queria acompanhá-lo até a porta.
Ela recuou e me deu um tapa no rosto. O impacto foi tão inesperado e forte que conseguiu mover minha cabeça.
— Eu saio sozinho.
Fiquei onde estava até ele abrir a porta, sair e batê-la com força. Fazia muito tempo que eu não levava uma bofetada.  Muito tempo. Mas agora eu era mais esperto e me manteria afastado.

(......)

𝑻𝑶𝑻𝑨𝑳𝑴𝑬𝑵𝑻𝑬 𝑰𝑵𝑨𝑫𝑬𝑸𝑼𝑨𝑫𝑶Onde histórias criam vida. Descubra agora