𝑇𝑅𝐼𝑁𝑇𝐴 𝐸 𝑈𝑀

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                  TRINTA E UM



Wangji
Eu não era de me preocupar.
No geral, também não era do tipo nervoso. Mas olhei o relógio pela décima vez em uma hora e continuei no convés da popa do Leilani, atento à rampa do píer e esperando por algum sinal de Wuxian. Na verdade, a neblina agora era tão densa que eu não conseguia mais ver a rampa da entrada do píer, nem o estacionamento. Tinha ligado para o celular de Wuxian quinze minutos antes e deixado um recado. Mas não queria mandar uma mensagem porque ele poderia se distrair. Depois de mais meia hora sem nenhum sinal dele, comecei a andar de um lado para o outro e liguei de novo. E, de novo, a ligação caiu na caixa postal.
— Oi. Sou eu. — Olhei para o relógio e bufei. — Nós nos despedimos às nove e são dez e meia. Não me lembro de você ter dito que ia passar em mais algum lugar, só na sua casa. Devia ter chegado aqui há uma hora. Liga para mim, quero saber se está tudo bem. — Desliguei e saí do barco para ir esperar no estacionamento.
A caminhada pelo píer até a rampa foi enervante de tão silenciosa. Não tinha ninguém ali, e, com a neblina baixa, a ansiedade que me consumia se transformou em alguma coisa mais parecida com um presságio.
Onde ele se meteu?
Ele podia ter dormido. Mas não me pareceu que ele pretendesse ficar em casa por tempo suficiente para isso. Wuxian disse que ia pegar a pasta com o trabalho que tinha deixado em cima da mesa. Ele podia ter parado em alguma loja, mas poucas estavam abertas às onze da noite. No fim, acabei mandando uma mensagem.
Esperei a notificação que confirmava o recebimento, mas ela não veio. Inquieto, corri de volta ao barco, escrevi um bilhete para ele me ligar se chegasse antes de eu voltar e peguei a chave do carro em cima da bancada.
Na estrada, percorri o trajeto que ele teria feito entre a casa dele e a minha. Não sabia o que estava procurando, mas esperava não encontrar. As ruas estavam desertas para uma noite de sábado. Aparentemente, todas as pessoas espertas estavam em casa. Quanto mais eu me esforçava para enxergar a pista, mais surtava. Mas não ter notícias já é uma boa notícia. Na melhor das hipóteses, ele sentou-se para tirar os sapatos ao chegar em casa e pegou no sono.
Sim. Provavelmente foi isso que aconteceu.
Conforme fui avançando sem ver o carro dele, comecei a me sentir um pouco aliviado.
Até fazer uma curva e dar de cara com luzes piscando lá na frente.
Meu coração disparou. Pisei no acelerador, embora não conseguisse enxergar mais que cinco ou seis metros adiante. Tinha acontecido alguma coisa. Apesar da neblina, vi que havia mais de uma dezena de luzes piscando em alturas diferentes, como acontece quando a polícia e os bombeiros respondem a um chamado de acidente.
— Não é ele. Definitivamente, não é ele. — Comecei a falar sozinho. Seja razoável. — Ele deve ter ficado preso no trânsito do outro lado. Algum idiota estava correndo com essa neblina e atravessou a faixa amarela. Caramba... quantos carros de resgate.
Quando me aproximei das luzes, reduzi a velocidade ao ver refletores e o que parecia ser um agente acenando com uma lanterna de segurança. Um policial vestido com capa de chuva estava parado na pista, e parei para falar com ele. Um carro dos bombeiros me impedia de ver o que estava acontecendo.
Abri a janela do carro e ele se abaixou para falar comigo.
— Acidente. A estrada vai ficar interditada por uma ou duas horas até conseguirmos remover tudo da pista e o guincho chegar.
— Meu namorado devia ter chegado em casa há uma hora, e ela não está atendendo o celular. Sabe que tipo de carro se envolveu no acidente? Se tem alguém ferido?
O oficial franziu a testa.
— É um carro só. O motorista foi levada de ambulância para o County Hospital. Como é o nome dele?
— Wei Wuxian .
O oficial se levantou e aproximou um rádio da boca.
— Connors aqui. Tem o nome do rapaz que acabaram de levar na ambulância?
Meu coração disparou enquanto eu esperava pela resposta.
Depois de um tempo, um chiado antecedeu o som de uma voz.
— A vítima é aquele rapaz do jornal. Wei Wuxian .
Senti a náusea.
— Ele está bem?
O policial se abaixou e apontou a lanterna para o meu carro. Devia estar olhando para um fantasma porque senti que meu rosto perdia a cor. Seus olhos percorreram meu rosto, e ele franziu a testa de novo.
— Eu não devia dar nenhuma informação sobre vítimas. Mas não quero que sofra um acidente dirigindo a cem por hora com essa neblina. Ele estava no carro, mas está consciente e falando. Acho que não é nada grave, talvez uns pontos e um ou dois ossos quebrados.
Suspirei.
— Obrigado. Posso fazer o retorno aqui?
O oficial bateu de leve no teto do carro.
— É claro. Dirija com cuidado. Essa neblina é um perigo.


— Senhor, eu disse há cinco minutos que vai poder entrar assim que os médicos terminarem de examiná-lo.
— Um homem acabou de entrar lá.
A enfermeira na recepção balançou a cabeça.
— Ele trabalha aqui. Por favor, sente-se. Eu chamo assim que o senhor puder entrar.
Sentei-me e apoiei a cabeça nas mãos, mantendo os cotovelos sobre os joelhos. Quem eles avisaram sobre a presença de Wuxian em um pronto-socorro? O pai dela estava preso, a mãe, morta, e a tia havia se mudado para a Flórida. E se ela precisasse de cirurgia? Quem tomaria essa decisão? Eu devia ter pegado o número do celular de Langjiao  para o caso de uma emergência. Talvez ela fosse o contato principal.
Consegui ficar sentado por três minutos antes de me levantar e começar a andar de um lado para o outro. Fiz questão de me manter no campo de visão da enfermeira, assim ela não me esqueceria ali. Quando nossos olhares se encontraram, ela suspirou irritada, balançou a cabeça e olhou para o outro lado. Eu não me importava se a estava irritando. Só me importava em garantir que ela não se esquecesse da minha presença.
Mais ou menos meia hora depois da minha chegada, outra enfermeira abriu a porta.
— Família de Wei Wuxian .
Caminhei até a porta, e a mulher olhou para mim.
— É da família?
Não precisei nem pensar antes de mentir.
— Sim.
— Qual é o grau de parentesco?
Pensei que eles podiam ter perguntado o estado civil quando ele chegou e não queria contradizer Wuxian.
— Irmão. Sou irmão dela.
A enfermeira assentiu e puxou a porta para me deixar entrar.
— Por aqui. Ele está no leito quatro. Os médicos acabaram de examiná-lo.
Eu a segui até um canto da sala ampla, e a enfermeira abriu uma cortina.
— Sr. Wwi, seu irmão está aqui.
Wuxian ficou confuso por um segundo, depois sorriu e assentiu. Estava pálido, com um curativo de um lado da cabeça. Mas inteiro.
Cheguei perto da cama, segurei a mão dele e me abaixei para beijar sua testa.
— Jesus Cristo. Quase me matou de susto. O que aconteceu? Dói alguma coisa? Você está bem?
A enfermeira fechou a cortina ao sair.
— Tudo bem. — Ele apontou para o curativo em sua cabeça. — Só uns pontos falsos aqui. Acho que bati a cabeça em algum lugar. — Ele levantou o braço esquerdo e gemeu. — Eles acham que posso ter fraturado a ulna. Estou esperando para fazer uma radiografia.
— O que eles ficaram fazendo até agora se ainda nem providenciaram uma radiografia?
Wuxian sorriu.
— Uma enfermeira esteve aqui agora há pouco e disse que alguém muito ansioso queria me ver. Percebi que sua presença na sala de espera não era motivo de muita euforia. Eles fizeram exames de laboratório e me examinaram. Mas eu estou bem, de verdade.
Passei a mão na cabeça.
— Tem certeza? County não é o melhor hospital. Posso te levar para o Memorial.
— Está tudo bem. Eles foram ótimos até agora.
— O que aconteceu?
Ele balançou a cabeça.
— Eu estava dirigindo, a visibilidade estava péssima por causa da neblina, e eu acendia e apagava o farol alto, e na última vez que acendi dei de cara com um veado praticamente na frente do carro. Pisei no freio, mas a pista estava molhada e escorregadia, e perdi o controle. Lembra que nas aulas da autoescola eles ensinam a virar o volante para dentro de uma derrapagem em vez de tentar sair dela?
— Sim.
— Então, eu não lembrei. Só reagi. Na verdade, só me lembrei disso quando cheguei aqui.
Afastei o cabelo do rosto dele.
— Você agiu por instinto. É normal.
Wuxian suspirou.
— Acho que dei perda total no carro.
— Quem se importa com o carro? — Comecei a apalpar seu corpo.
— Tem mais algum lugar doendo?
Ele riu.
— Não, dr. Lan. Estou bem.
A enfermeira voltou alguns minutos depois. Ela olhou para mim.
— Vou pedir para voltar à sala de espera por alguns minutos.
— Vão fazer a radiografia?
— Ainda não. O médico quer fazer mais um exame, e ele quer conversar com seu irmão.
Fiquei preocupado.
— Por quê? Algum problema?
A enfermeira olhou para Wuxian.
— Nenhum. É que o hospital sempre mantém os visitantes na sala de espera durante os exames.
Wuxian sorriu.
— Está tudo bem, Wangji. — Ele olhou para a enfermeira. — Ele pode voltar depois que o médico terminar?
A enfermeira assentiu.
— É claro que sim.
Eu me inclinei e beijei a testa de Wuxian.
— Volto logo.
Contrariado, voltei para a sala de espera.
Sentei-me, encostei na cadeira e passei as mãos no rosto. Por que não impedi que ele saísse dirigindo da porcaria do restaurante? A culpa era toda minha. Não sei o que teria feito se houvesse acontecido alguma coisa com ele. Pensar nisso fazia meu corpo se contorcer por dentro. Wuxian não sabia o que ele significava para mim. Caramba, não sei nem se eu sabia antes dessa noite. Mas, agora que ele estava bem, eu faria de tudo para demonstrar o que sentia daqui para a frente.
Sabia bem que, às vezes, a vida muda em um piscar de olhos.

(.....)

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