𝑂𝐼𝑇𝑂

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                           OITO

Wuxian
— Ah, ótimo. Ainda não começou. — Uma mulher de tailleur cinza sentou-se na cadeira ao meu lado na mesa de reuniões. Ela parecia agitada.
— Ouvi dizer que ele é obcecado por pontualidade.
— Wangji ? — perguntei.
Ela franziu a testa.
— Sr. Lan, sim.
Ah, é verdade. Sr. Lan. Acho que ele era Wangji  quando era o cara com quem eu ia sair, mas agora voltava a ser sr. Lan.
— A assistente dele acabou de passar por aqui — falei. — Ele vai se atrasar uns minutos.
A mulher sorriu.
— Que bom. Minhas filhas telefonaram e tive que decidir uma disputa pela escova de cabelos. — Ela estendeu a mão.
— Ellen Passman. Sou gerente de contabilidade, no financeiro.
Apertei a mão dela.
—  Wei Wuxian. Trabalho na divisão de notícias da Broadcast.
— Ah, eu sei quem você é. Adoro seu programa.
Sorri.
— Obrigado.
— Estou muito empolgada com este novo comitê. Mas queria que tivessem avisado com um pouco mais de antecedência. É fim de mês, o momento mais agitado no meu departamento.
Eu estava curioso sobre a formação desse comitê desde a ligação de Wangji . Não conseguia ignorar um pensamento maluco, o de que ele havia inventado tudo enquanto falava comigo pelo telefone. Isso era ridículo, é claro, sem mencionar que era egocêntrico e arrogante, mas a ideia continuava me atormentando.
— Quando foi convidada? — perguntei.
— Hoje de manhã. E você?
— Há alguns dias. Recebeu a pauta dessa reunião ou algo do gênero?
— Não. Nada.
O ar na sala mudou e eu soube quem havia entrado antes mesmo de virar a cabeça.Lan Wangji   estava perto da porta com a VP da divisão de notícias, Lan Qing, chefe da minha chefe, que também era irmã dele. Ele examinou a sala, e seus olhos pararam em mim – como se tivessem encontrado o que procuravam, o que era loucura.
Era um olhar tão intenso que senti o impulso de me remexer na cadeira.
— Peço desculpas pelo atraso — ele disse. — Obrigado a todos por terem vindo. — E olhou para a irmã. — Tenho certeza de que todos vocês conhecem a Qing. Ela é vice-presidente da Broadcast Media.
As pessoas agradeceram o convite, mas eu fiquei quieto, observando tudo.
Havia algumas cadeiras vazias: a da ponta da mesa, outra perto dela, do lado em que eu estava, uma na minha frente e uma à minha esquerda. Sem falar nada, a irmã dele foi se sentar na cadeira mais próxima da outra, na ponta da mesa. Tive a sensação de que esse homem ocupava a posição de comando em todas as salas em que entrava.
Mas então ele me surpreendeu. Puxou a cadeira na ponta da mesa e disse:
— Qing.
A irmã dele parecia igualmente surpresa, mas trocou de lugar e ocupou a cadeira oferecida. Wangji  desabotoou o paletó e sentou-se na cadeira ao meu lado. Inclinou-se na minha direção e sussurrou:
— Bom te ver, Wuxian .
Assenti.
Ninguém ali parecia ter notado nada de estranho, nem que ele escolhera a cadeira ao meu lado, nem que a puxara para mais perto de mim do que estava antes e, felizmente, nem que minha cabeça rodava com o cheiro dele: limpo, mas com um toque masculino, amadeirado.
Durante a meia hora seguinte, tentei ignorar o homem sentado ao meu lado e não ficar me mexendo. Mas tinha que olhar para Qing enquanto ela falava, o que significava que o perfil de Wangji  estava diretamente em minha linha de visão. Também significava notar que sua pele era clara mas bronzeada, e que havia uma linha branca e fina na lateral da cabeça deixada pelos óculos escuros. Eu não teria imaginado que ele era o tipo que gostava de viver ao ar livre. Mas, pelo jeito, o homem passava muito tempo no sol. A pele era bronzeada, o cabelo estava penteado para trás e precisava de um corte, porque as pontas cobriam o começo do colarinho. Notei o começo daquela barba de fim de dia em seu rosto, embora fossem apenas dez horas da manhã. Talvez ele se barbeasse à noite ou tivesse tanta testosterona que a barba começava a crescer duas horas depois de ter sido cortada.
Minha intuição me dizia que a segunda opção era a correta.
Provavelmente sentindo meu olhar, Wangji  se virou e olhou para mim. Imediatamente, aquele olhar encontrou minha boca, e eu perdi a batalha contra o impulso de me mexer na cadeira. Fiz um esforço para olhar outra vez para Qing, mas notei o leve tremor na boca do homem ao meu lado, antes de ele se concentrar novamente na irmã.
— Acho que podemos agora recolher sugestões de pauta para a próxima reunião — disse Qing.
— Quero ouvir o que todos vocês têm a dizer sobre os problemas mais prementes para as mulheres e homens gays aqui na Lan Industries.
— Ótima ideia — Wangji  aprovou.
Algumas mulheres estavam mais entusiasmadas que outras. Uma delas mencionou a necessidade de uma sala de amamentação. Outra falou sobre misturar responsabilidades familiares e trabalho, e como horários flexíveis no escritório poderiam ser uma grande conquista para funcionários com filhos, homens e mulheres. Uma mulher mais velha defendeu salários iguais para as mulheres, um tópico que eu pretendia abordar, já que tinha experiência pessoal no assunto. Duas mulheres não quiseram falar, alegando que precisavam pensar um pouco no que sugerir, e então chegou minha vez. Eu me preparava para apoiar a sugestão da outra mulher sobre equidade de pagamento quando senti que Wangji  olhava para mim. No último segundo, decidi provocá-lo.
— Acho que precisamos abordar assédio sexual. Coisas como um chefe ou o chefe do chefe do chefe convidar um funcionário para almoçar.
Wangji  se manteve sério, mas notei a leve contração do músculo em sua mandíbula.
— Com toda certeza — disse Qing.
— Esse tipo de coisa não pode acontecer.
Wangji  pigarreou.
— Eu resolvo muitos assuntos de trabalho durante as refeições. Em parte, é uma necessidade, porque o dia é curto. Está dizendo que devemos pôr fim à prática de almoçar com outras pessoas?
Falei diretamente a ele:
— De jeito nenhum. Mas é um terreno perigoso, e muitas vezes é difícil  saber se o convite para almoçar é profissional ou se tem segundas intenções.
Wangji  me encarou por alguns instantes, depois assentiu.
— Muito bem. Que o tema seja acrescentado à pauta da próxima reunião. — Ele levantou-se de repente. — Acho que foi um bom começo. Minha assistente vai redigir a ata e agendar a próxima reunião.
Qing parecia tão confusa quanto a maioria das pessoas à mesa. Mas tive a sensação de que ela estava acostumada com a imprevisibilidade do irmão. Qing amenizou o impacto da atitude dele.
— Sim, agradecemos a todos por terem comparecido a essa primeira conversa, e estamos ansiosos para tratar das muitas necessidades singulares no local de trabalho. Acho que este comitê vai fazer coisas muito boas pela Lan Industries. Obrigada por seu tempo, pessoal.
Continuei sentado enquanto as pessoas se levantavam e ouvi uma conversa entre Wangji  e Qing.
— Você decidiu criar esse comitê, inventou uma pauta vazia três horas atrás e me obrigou a assumir a ponta da mesa de surpresa. —Qing balançou a cabeça. — Finalmente consigo fazer as coisas acontecerem, e você fica entediado. Por favor, não se interesse mais por nenhum comitê. — Ela recolheu os papéis diante dela na mesa e se virou para sair.
Levantei-me e me dirigi à porta. Mas senti Wangji  me seguir. Discretamente, ele segurou meu cotovelo e me puxou para a direita quando saímos da sala de reuniões.
— Podemos conversar por um momento? — sussurrou.
— É claro. Quer saber mais sobre o que eu penso a respeito de assédio sexual? — Sorri, arrogante.
Ele contraiu a mandíbula e continuei andando ao seu lado pelo corredor até o escritório dele. Quando chegamos, ele estendeu a mão para me convidar a entrar primeiro.
— Este sou eu sendo cavalheiro. Espero que não seja uma forma de assédio.
Enquanto eu dava uma olhada no lugar, Wangji  falou com a assistente da porta da sala. A sala era grande, o típico escritório de canto com janelas do teto ao chão cobrindo duas paredes, uma mesa de madeira escura e aparência masculina no centro, e uma área de estar separada em um lado do espaço. Um porta-retratos sobre um aparador chamou minha atenção – Wangji  e as duas irmãs com uma senhora, que presumi ser a mãe dele. Mas não perguntei nada quando ele entrou.
Wangji  apontou a área de estar.
— Por favor, sente-se.
Ele ocupou a cadeira à minha frente, soltou uma abotoadura e começou a dobrar a manga da camisa.
— Então... o chefe do chefe do seu chefe te convidar para sair é assédio sexual?
Meus olhos estavam cravados em seus antebraços musculosos. Pisquei algumas vezes e levantei a cabeça. Eu estava brincando quando disse isso na sala de reuniões, mas a expressão dele não era nada brincalhona.
— Foi só uma piada, queria te provocar.
— Então não se sentiu assediado quando o convidei para almoçar e discutir sua volta?
Na verdade, eu me referia ao convite feito antes de eu saber quem ele era. Mas Wangji  parecia realmente preocupado com a possibilidade de ter me incomodado. Senti que devia pôr fim à inquietação dele.
Balancei a cabeça.
— De maneira nenhuma. Assédio sexual é um avanço sexual indesejado. Você nunca tentou nenhuma aproximação depois de eu saber quem você era e, para ser bem honesto, a aproximação na cafeteria não foi inconveniente.
Seus ombros relaxaram visivelmente.
— Peço desculpas se o coloquei em uma posição delicada na cafeteria.
Fui franco.
— Tudo bem. Como eu disse, não foi inconveniente.
Wangji  parecia evitar me encarar. Ele assentiu e terminou de dobrar a outra manga antes de ficar em pé.
— Obrigado pela honestidade.
Também me levantei.
— Por nada.
Então houve um momento de desconforto entre nós. Tive plena consciência de como meu corpo gostava de estar perto do dele. O ar ficava carregado de eletricidade sempre que ele estava perto, e eu não acreditava que era o único a sentir essa mudança – provavelmente, não era a melhor coisa para pensar logo depois da reunião que tivemos.
— Ok... bem... vejo você na próxima reunião, acho.
Wangji  assentiu. Ele parecia querer que eu saísse tanto quanto eu queria sair... e eu não queria. Mesmo assim, dei alguns passos em direção à porta. Depois mudei de ideia. Se podia ser sincera, então seria.
— Posso perguntar uma coisa?
— O quê?
— Você criou o comitê  enquanto estava falando comigo pelo telefone? Ou isso já existia antes?
Wangji  levantou uma sobrancelha.
— Você é muito convencido, não é? O presidente de uma multinacional cria uma iniciativa só para ter a chance de passar mais tempo com você?
Senti o rosto esquentar. Sabia que a pergunta soava egocêntrica. Ri de nervoso.
— Acho que é um pouco insano.
Wangji  se aproximou de mim.
— Também seria muito impróprio, não seria?
Eu poderia jurar que havia um brilho de humor nos olhos dele. Caramba, minha imaginação estava vivendo um dia de glória. Eu precisava sair dali.
— Sim. Sim, acho que seria. — Balancei a cabeça.
— Preciso voltar ao trabalho.
De repente, tive um impulso de fugir e me dirigi à porta.
Quando estava quase saindo, Wangji  me chamou.
— Wuxian ?
Olhei para trás. Meu Deus, que homem lindo. O tipo de beleza que atrai o olhar quando passa e faz você tropeçar nos próprios pés... Basicamente, o tipo perigoso de que nós devem se manter longe, sobretudo com o sorrisinho de lado que ele exibia agora.
— Fico feliz por termos esclarecido que qualquer aproximação minha não foi inconveniente. Nos vemos por aí... logo.
Meu cérebro parecia estar falhando quando saí do escritório dele. Que diabo tinha acabado de acontecer? Admiti que não me incomodava com seus avanços, e ele admitiu... o quê?
Revivi a conversa mentalmente a caminho do elevador. Embora eu tivesse sido franco, Wangji  não admitiu nada. Na verdade, quando perguntei se ele havia criado o comitê só por minha causa, ele virou a pergunta contra mim. E não me deu uma resposta direta, deu?
(.....)

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