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             QUINZE


Wuxian
Eu estava muito nervoso.
O barco de Wangji  ficava a vinte minutos de carro, mas eu queria pegar alguma coisa para levar, então saí uma hora antes do meu apartamento. A parada na loja de bebidas consumiu só alguns minutos e eu acabei chegando à marina quase meia hora antes do horário combinado. Dei meu nome ao funcionário na cabine de entrada e ele apontou a direção que eu devia tomar. Vi toda a extensão do longo deque que se estendia até onde o barco de Wangji  estava ancorado. Havia muito movimento e cadeiras ocupadas por pessoas que, sentadas no deque, conversavam com os vizinhos.
Parecia ser uma comunidade amigável, e por isso comecei a me perguntar por que Wangji  não trazia para cá as pessoas com quem saía. O barco era impressionante e o cenário era perfeito para um romance. Disse a mim mesmo que investigaria melhor essa história de vetar romances no barco e virei o espelho retrovisor para verificar meu rosto. Quando o devolvi à posição de sempre, vi Wangji  na parte de trás do barco. Ele usava roupas casuais – short, camisa de manga curta e óculos de sol. Quando ele passou uma perna por cima da viga da popa, vi que estava descalço.
Um homem mais velho se aproximou dele para conversar e tive a oportunidade de observá-lo fora do ambiente profissional. Caramba, ele era sexy. Sempre tive uma queda por homens em ternos de bom caimento. O jeito como os vestiam conferia um ar de poder, mas agora percebia que o terno não tinha nada a ver com o ar que Lan Wangji   exalava. Ele conversava casualmente com aquele senhor, mas havia alguma coisa em sua postura – nos pés afastados, nos ombros largos e relaxados, nos braços cruzados. O homem exalava confiança mesmo estando descalço. Em alguns casos, a roupa fazia o homem. No caso de Wangji , ele fazia a roupa.
Fiquei observando por mais alguns minutos enquanto ele terminava a conversa com o homem. Depois, ele ajustou algumas cordas e foi buscar duas escadas portáteis que deixou no convés. Quando ele entrou novamente na cabine, respirei fundo e saí do carro.
O barco de Wangji  era o penúltimo do píer, provavelmente depois de outros trinta. Eu tinha passado por uns dez quando ele saiu da cabine novamente. Wangji  me viu imediatamente e ficou ali parado, esperando que eu me aproximasse. Prestei atenção a cada passo que dava. E o nervosismo que eu tinha conseguido controlar no carro voltou com força total. Mas não o deixei perceber meu estresse. Endireitei as costas e conferi mais cadência aos passos, pois eu sabia que que ansioso do jeito que estava poderia tropeçar.
— Oi. — Parei ao lado do barco, e Wangji  estendeu a mão para eu poder embarcar pela escada que ele havia providenciado.
— Ah, isso torna tudo mais fácil.
Wangji  não soltou minha mão depois que embarquei.
— Tive que limpar a escada, estava cheia de pó. Eu nunca uso.
— Eu podia ter subido a bordo como no outro dia. Não precisava ter tido esse trabalho. Desculpe, cheguei um pouco antes da hora. Não sabia quanto tempo ia demorar e queria parar no caminho para comprar isto aqui. — Entreguei a ele a garrafa de vinho.
— Obrigado. Já estava me perguntando quanto tempo ia passar sentada dentro do carro me espiando.
Arregalei os olhos. Merda. Ele tinha me visto.
— Não estava espiando, não como está insinuando. Só cheguei cedo e não quis ser inconveniente.
Ele abaixou os óculos de sol para eu poder ver seus olhos.
— Que pena. Pode me espiar sempre que quiser. É justo, considerando que não consigo parar de olhar para você nessa roupa.
Eu tinha trocado de roupa três vezes antes de escolher o short branco e a camisa azul-marinho com decote em V. O decote mostrava mais pele do que era costume para mim, mas minha amiga me convencera a usá-lo. Agora eu estava feliz por ter ouvido o conselho dela.
— Vem. Vou te mostrar o barco e abrir o vinho.
Segui Wangji  para dentro da cabine. Na outra noite ficamos do lado de fora com o avô dele, então era a primeira vez que eu via o interior do lugar onde ele morava. Entramos pela grande sala de estar. O sofá acompanhava o perímetro da sala e havia duas cadeiras, um aparador e uma televisão de tela grande. Devia ter o mesmo tamanho da sala que eu dividia com Langjiao.
— É fácil esquecer que estamos em um barco, não é?
Ele apontou para as janelas panorâmicas.
— Elas têm duas persianas que podem ser fechadas. Uma bloqueia a entrada do sol e mantém o ambiente fresco, mas ainda é possível ver o exterior através delas, e a outra é uma blecaute. Não dá para saber se é dia ou noite quando estão fechadas, muito menos onde você está.
Segui Wangji  até a cozinha e me surpreendi ao ver que era quase tão grande quanto a sala.
— Não sei por quê, mas esperava um espaço menor, muito diferente disso.
— A cozinha era pequena. Aqui tinha um quarto, mas eliminei a parede e abri o espaço. Gosto de cozinhar.
— Você cozinha?
— Por que a surpresa?
— Não sei. Acho que é... doméstico demais. Pensei que fosse o tipo que frequenta restaurantes e pede comida.
— Minha mãe era italiana e preparava uma refeição completa todas as noites. Quando eu era criança, a cozinha era o centro da casa. Sempre havia crianças chegando e saindo, e ela cozinhava para reunir todo mundo pelo menos uma vez por dia.
— Que legal.
— Hoje eu comprei comida quando estava voltando para casa, mas não porque não sei cozinhar. Estava atrasado, e você não queria um encontro, então pensei que não era necessária uma refeição completa.
Wangji  me mostrou o restante do barco: um quarto pequeno na parte de baixo, que ele transformou em escritório, um quarto de hóspedes, dois banheiros e um dormitório enorme.
— É enorme — falei quando ele abriu a porta.
— Esse é o tipo de coisa que gosto de ouvir aqui dentro. — Ele piscou.
Entrei e olhei em volta. O quarto tinha revestimento de madeira escura e uma cama king-size com uma colcha de plush azul-marinho. Uma das paredes estava coberta de fotos em preto e branco de barcos velejando, todas em molduras pretas e foscas. Cheguei mais perto e olhei algumas delas.
— São lindas. Você que tirou as fotos?
— Não. Esses são modelos diferentes que meu avô construiu ao longo dos anos. As fotos são de protótipos navegando pela primeira vez.
Apontei para um no centro da coleção.
— É este barco onde estamos?
Wangji  parou atrás de mim, tão perto que eu sentia o calor emanando de seu corpo.
— Isso. Foi tirada em 1965.
— Que loucura. Não consigo superar quanto este barco é antigo. Se me dissesse que ele só tem um ano, eu acreditaria.
— É isso que as pessoas adoram nos modelos dele. Todos têm essa qualidade atemporal.
Olhei para a foto com mais atenção.
— Ainda não tem nome no casco.
— As amostras para as feiras náuticas e os protótipos nunca eram batizados. Dá azar mudar o nome de um barco. É o primeiro proprietário que escolhe o nome dela.
Virei-me e, de repente, o quarto enorme pareceu muito menor. Wangji  não recuou.
— Dela? Os barcos sempre têm nomes femininos?
Ele assentiu.
— Meu avô dizia que os navegantes do passado eram quase sempre homens, e muitas vezes dedicavam suas embarcações às deusas que os protegiam em mares agitados. — Wangji  afastou o cabelo de cima dos meus ombros. — Mas eu acho que os nomes femininos têm a ver com o quanto é difícil manter.
— Difícil manter, é? Bom, você mora em um barco, então não deve se importar com isso, não é?
Seus olhos encontraram minha boca e ele sorriu.
— Aparentemente, difícil é meu tipo. Tudo que é fácil fica chato.
Pensei que ele ia me beijar e eu teria deixado, mas ele só olhou dentro dos meus olhos.
— Vem. Eu te prometi uma bebida e um pôr do sol.
Fomos para a parte da frente do barco, e Wangji  levou uma bandeja com petiscos que tinha comprado no mercado italiano. Era comida suficiente para três refeições.
— Você sempre compra comida para dez pessoas? Estou percebendo um padrão aqui, entre o almoço do outro dia e tudo isso.
— O padrão é garantir que você seja bem cuidado, e não desperdiçar.
Sorri.
— Sempre trata seus encontros assim, com toda essa complacência?
— Levando em conta que você é o primeira que se senta no meu barco para ver o pôr do sol, eu teria que dizer que não.
Inclinei a cabeça.
— Qual é sua história afinal? Outro dia você disse que não tem um relacionamento há sete anos. É porque trabalha demais?
Wangji  pensou um pouco.
— Em parte, sim. Trabalho muito. Diferente da sua opinião inicial sobre mim, quando deduziu que eu era um mimado nascido em berço de ouro que nunca trabalhava, passo de dez a doze horas por dia no escritório durante a semana, e metade do dia no sábado.
— Eu nunca vou me livrar daquele e-mail, não é?
Ele balançou a cabeça.
— É pouco provável.
Suspirei.
— Tudo bem, sr. Workaholic. Vamos retomar o assunto. Perguntei se não tem um relacionamento há sete anos porque é muito ocupado, e sua resposta foi “em parte, sim”. E a outra parte? Por algum motivo, sinto que está deixando de fora uma parte importante da história.
Wangji  olhou para mim por alguns segundos, depois se virou para pegar a taça de vinho.
— Já fui casado. Estou divorciado há sete anos.
— Deve ter se casado muito novo. Ou é mais velho do que parece?
Ele assentiu.
Alguns minutos atrás ele parecia relaxado, mas agora sua postura tinha mudado completamente. A mandíbula ficou tensa, ele evitava fazer contato visual e seus movimentos eram rígidos, como se todos os músculos do corpo tivessem se contraído ao mesmo tempo.
— Tenho vinte e nove anos. Casei aos vinte e um.
Embora Wangji  estivesse completamente desconfortável falando sobre esse assunto, insisti um pouco mais.
— Então foi casado só durante um ano?
Ele bebeu todo o vinho.
— Um pouco menos que isso.
— Eram namorados no ensino médio ou algo assim?
— Mais ou menos. Lily era uma das crianças que meus pais acolheram. Na verdade, ela foi e voltou várias vezes durante anos.
Embora respondesse às minhas perguntas, ele não oferecia muita informação, na verdade. Bebi um pouco do vinho.
— Posso perguntar o que aconteceu? Vocês foram se distanciando?
Wangji  ficou quieto por um momento, depois me encarou.
— Não, ela acabou com a minha vida.
Tudo bem, então. Ele falou com um tom tão duro que me pegou desprevenido. Eu não sabia como responder. Mas Wangji  resolveu isso por mim.
— Por que não falamos sobre você? Estou tentando progredir de uns drinques para um encontro de verdade. Desenterrar essas merdas sobre minha ex-esposa não é o melhor jeito de fazer isso acontecer.
— O que quer saber?
— Não sei. Aquele jogo que fizemos no carro quando estávamos voltando do evento beneficente funcionou bem. Conta alguma coisa que eu não sei.
O clima tinha mudado e Wangji  estava certo. Não precisávamos tirar todos os nossos esqueletos do armário na primeira vez que passávamos um tempo juntos. Então falei uma coisa que talvez servisse para recuperar a atmosfera divertida de antes.
— Adoro sotaques. Quando eu era criança, cada vez que ouvia um sotaque novo, eu o estudava até conseguir reproduzir com perfeição. Na verdade, ainda faço isso de vez em quando.
Wangji  parecia achar a revelação engraçada.
— Faz o australiano.
Imitei o sotaque australiano, ele riu e me pediu para imitar o britânico.
— Isso é muito bom — ele aprovou, rindo.
— Sua vez. Conta alguma coisa sobre você que eu não sei.
Ele olhou para os meus lábios.
— Quero devorar sua boca.
Engoli em seco.
— Eu já sabia disso.
Wangji  continuou olhando para minha boca, e eu fiquei inquieto. Mas ele não se aproximava para o bendito do beijo. O jeito como olhava para mim me deixava a dois segundos de tomar a iniciativa. Mas, de repente, ele olhou por cima do meu ombro.
— Quando isso aconteceu?
Demorei uns segundos para me recuperar.
— O quê?
Ele levantou o queixo para indicar a direção.
— Aquilo.
Olhei para trás. O céu tinha se tingido do mais incrível tom de laranja com notas profundas de roxo.
— Meu Deus. Que coisa linda.
Virei-me de frente para aquele cenário fascinante. Wangji  ficou atrás de mim. Em silêncio, vimos o céu se colorir em torno do sol poente. Ele descansou uma das mãos na minha cintura e apoiou a cabeça em cima da minha.
— Sei que disse que não traz encontros aqui, mas faz isso sempre? Apreciar esse cenário, quero dizer.
— Na verdade, sim. Faço questão de garantir alguns minutos todos os dias para ver o sol se pondo ou nascendo. Corro na praia de manhã e vejo quando ele nasce ou, se meu dia começa muito cedo, volto para cá antes que ele se ponha.
Apoiei a cabeça no peito de Wangji .
— Gostei de saber isso.
Ele me puxou para mais perto.
— Que bom. E eu gosto disto aqui.
Depois desse momento, o tempo passou depressa. Conversamos durante horas, e, antes que eu percebesse, era quase meia-noite.
Bocejei.
— Está cansado?
— Sim. Eu me levanto às três e meia.
— Quer que eu te leve para casa? Posso ir te buscar de manhã para vir buscar seu carro.
Sorri.
— Não. Ainda estou bem para dirigir. Mas acho melhor ir embora.
Wangji  assentiu.
— Eu te acompanho até o carro.
Ele me ajudou a desembarcar, e as letras douradas do nome do barco refletindo a iluminação do píer chamaram minha atenção. Leilani May.
— O nome é uma homenagem a alguém?
Wangji  desviou o olhar.
— Não.
Para um empresário, ele não mentia muito bem. Mas a noite tinha sido tão agradável que não quis arruiná-la insistindo no assunto.
Andamos pelo píer de mãos dadas e, quando chegamos perto do meu carro, Wangji  segurou minha outra mão também. Ele entrelaçou os dedos nos meus.
— E aí, passei no teste? Tenho direito a um encontro de verdade?
Dei risada.
— Talvez.
— Ótimo, então não preciso mais ter um comportamento exemplar.
Wangji  soltou minhas mãos e segurou meu rosto. Ele me fez dar alguns passos e, quando percebi, estava encostado no carro com os lábios dele nos meus. Deixei escapar um suspiro e ele aproveitou a oportunidade para penetrar minha boca com a língua. Foi um beijo firme, mas suave ao mesmo tempo. Ele inclinou minha cabeça e gemeu quando aprofundou o beijo. O som desesperado me excitou quase tanto quanto sentir seu corpo pressionando o meu, e meus braços envolveram seu corpo. Quando enterrei as unhas em suas costas, ele agarrou minha bunda e me tirou do chão. Enlacei sua cintura com minhas pernas e ele se esfregou em mim. Consegui sentir sua ereção através das roupas esfregando na minha.
Quando o beijo finalmente chegou ao fim, tive que fazer um esforço para recuperar o fôlego.
— Uau.
Já tinha sido beijado antes, beijos incríveis, inclusive, mas ninguém jamais tinha me atordoado com um beijo. Minha cabeça estava até meio confusa.
Ele sorriu e usou o polegar para limpar meu lábio inferior.
— Passei a noite toda querendo isso, muito.
Dei um sorriso meio bobo.
— Que bom que esperou até estarmos no estacionamento. Caso contrário, eu não teria saído de lá.
Wangji  fingiu bater a cabeça no meu carro.
— Porra. Precisava me contar isso?
Ri baixinho.
— Obrigado por ter dividido comigo seu pôr do sol. Foi uma noite maravilhosa.
— O nascer do sol é ainda melhor. Pode passar a noite aqui e confirmar de manhã.
Sorri.
— Talvez outro dia.

Precisei de toda minha força de vontade para me afastar de Wangji . Eu o provocava, mas estava tão excitada que tive realmente sorte por ele ter esperado até agora para me beijar desse jeito. Beijei Wangji  mais uma vez e abri a porta do carro. Ele ficou me observando enquanto eu prendia o cinto de segurança e ligava o motor.
Quando engatei a marcha para sair de ré, abri a janela.
— Boa noite, Wangji .
— Jantar em breve?

Sorri.
— Talvez. Se tivesse me contado quem o nome do barco homenageia, minha resposta teria sido sim.
(....)

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