𝑇𝑅𝐼𝑁𝑇𝐴

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                  TRINTA


Wuxian
A semana seguinte foi uma maravilha. Wangji  e eu ficamos trancados no apartamento dele por um dia e meio, e no domingo inauguramos cada superfície que encontrávamos. Na manhã de segunda-feira, ele teve que ir a uma reunião fora da cidade e recebi um buquê de flores gigantesco no escritório. Ele ocupou metade da minha mesa. Na terça-feira, ele foi encontrar o encanador na minha casa e eu pude trabalhar até tarde. Na quarta, almoçamos no escritório dele e trancamos a porta para uma rapidinha. Quinta e sexta dormimos na minha casa.
No sábado de manhã, ele foi para o escritório e eu fiquei esperando Langjiao no meu apartamento. Ela havia voltado da lua de mel no começo da semana e se mudado oficialmente para a casa de Mingjue, mas ainda precisava pegar algumas caixas que ficaram em casa. Levaríamos essas coisas para a Legião da Boa Vontade hoje, depois de almoçarmos.
Praticamente corri até ela quando a vi entrar. Provavelmente esse era o período mais longo que eu passava sem vê-la desde que éramos crianças.
— Querido, cheguei! — ela gritou.
Ficamos abraçados por muito tempo e, quando recuei, eu balancei a cabeça.
— Olha só para você. Bronzeada e relaxada. E parece muito... casada. — Sorri.
— Senti saudade de você. Kauai é incrível, mas teria sido melhor se você também estivesse lá. Você teria amado o passeio de helicóptero. Ming vomitou no saquinho durante o voo.
Dei risada.
— Aposto que seu marido ia adorar a notícia: “Vou levar duas malas e o Wuxian”.
— Temos que voltar. Férias de casal. Quem sabe Maui na próxima vez?
— Ótima ideia. No fim de semana passado, perguntei ao Wangji  quando foi a última vez que ele tirou férias, e ele disse que foi há oito anos.
— Sério? Por quê?
Dei de ombros.
— Ele é obcecado por trabalho, e não tinha ninguém na vida dele para insistir nisso, acho.
Langjiao abriu a geladeira, pegou o suco de laranja e olhou para a embalagem.
— Com polpa? Isso é meu, está aqui há semanas e venceu? Você não gosta de suco com polpa.
— Wangji  gosta.
Ela sorriu.
— O que me faz pensar que vocês passaram muito tempo juntos enquanto eu estava fora ou não estaria mantendo na geladeira coisas de que ele gosta.
Sentei-me à mesa da cozinha.
— Sim. Passamos muito tempo juntos. E tem sido ótimo, na verdade.
— A última vez que vi vocês dois juntos, no brunch do casamento, fiquei em dúvida se encontraria um casal feliz quando voltasse. Porque ele não quer filhos.
Langjiao pegou dois copos no armário e encheu com suco de laranja antes de se dirigir ao outro armário, onde mantínhamos as bebidas alcoólicas, e pegar uma garrafa de vodca. Ela serviu uma dose em cada copo e mexeu a mistura com o dedo antes de empurrar um copo sobre a mesa na minha direção.
— Você pode suportar polpa por mim.
Eu preferia suco coado, mas bebia com polpa se fosse a única opção disponível. Mas não era essa a questão. Empurrei o copo de volta para ela.
— Bebe os dois. Eu vou dirigir.
— Nenhum de nós vai dirigir. Mingjue me deixou aqui a caminho da academia. Ele vai voltar depois do treino e vai pôr as caixas no carro. — Ela sorriu. — Disse para eu aproveitar o dia com você enquanto ele leva as doações e vai ao supermercado.
Balancei a cabeça.
— Não sei como enganou esse homem tão bom para se casar com ele. Mas você se deu bem, garota.
Já que nenhum de nós teria que dirigir, por que não aproveitar? Peguei o copo de suco de laranja e me levantei para brindar com minha amiga.
— Aos homens bons, para variar.
Langjiao bebeu metade do copo e limpou a boca com o dorso da mão.
— Agora me conta tudo. Como foram as coisas depois do brunch?

Convenceu o cara de que ter filhos não é o fim do mundo?
Franzi a testa.
— Na verdade, não. Ele não mudou de ideia. Não sei se vai mudar. E, honestamente, ele tem motivos para não querer ter filhos, motivos que eu entendo... Bom, acho que entendo.
— E se o relacionamento ficar sério, como vai ser? Você desiste do sonho de ter uma família?
Balancei a cabeça.
— Não sei. Não estou preparado para tomar a decisão de me afastar dele. Mas também não me sinto prontao para decidir não ter uma família. Portanto, resolvi adiar a decisão... e esperar que aconteça alguma coisa naturalmente.
Langjiao comprimiu os lábios.
— Só vejo três coisas que podem acontecer naturalmente. — Ela levantou a mão para contar, começando pelo indicador.
— Um, vocês se separam e não há decisão a tomar. — Dedo médio.
— Dois, ele muda de ideia. — E o anelar. — Três, você aceita que não vai ter filhos. — Ela balançou a cabeça.
— Acabou de dizer que não acredita que ele vai mudar de ideia. Portanto, restam a separação ou você se conformar com uma vida diferente da que quer ter. Não acho que apostar em uma separação seja um jeito saudável de estar em um relacionamento, e a última opção é uma tremenda concessão. Tem certeza de que ia querer essa vida?
Meus ombros caíram. Langjiao estava absolutamente certa, mas evitar o problema era o único jeito de ficar feliz, e fazia muito tempo que eu não queria tanto alguém na minha vida.
Suspirei.
— Sei que provavelmente enterrar a cabeça na areia só vai tornar tudo pior no futuro. Mas... sou louco por ele, Langjiao. Não quero desistir.Mas também não quero ter que deixar meu sonho de adotar se perder.
Langjiao me encarou por um longo instante e, de repente, ficou em pé.
— Primeiro de janeiro.
— O que tem?
— É o dia em que você vai tomar a decisão. Assim tem alguns meses para curtir o cara e pensar sobre tudo isso. No dia primeiro de janeiro, vamos nos sentar a esta mesa e não vamos nos levantar até que você tome uma decisão com a qual consiga viver.
Forcei um sorriso.
— Bom plano. — Mas eu sabia que era idiota. Mais quatro meses só me fariam ficar ainda mais apaixonado por Lan Wangji , especialmente por aquele lado que ele me mostrara nas últimas semanas. Mas minha cabeça era perfeitamente capaz de convencer o coração de que ela estava no controle. Por isso concordei com o plano.
— Chega, não vamos mais falar sobre isso — eu disse a Langjiao . — Vamos terminar de arrumar suas coisas, assim seu marido pode levar tudo. Quero mandar algumas coisas do meu armário também.
— Ok. Vamos fazer alguma coisa hoje à noite? Nós quatro? Podemos jantar naquele restaurante italiano novo no centro.
— Vou falar com o Wangji . Ele está trabalhando, mas disse que passa por aqui mais tarde. Tenho certeza de que ele vai topar.
Levantei-me para começar a separar as coisas, e Langjiao afagou meu braço.
— Mais uma coisa e depois não toco mais nesse assunto. Prometo.
— Tudo bem.
— Vai com calma. Sei que gosta dele, mas vai com calma. Não entregue seu coração completamente, não tão completamente que não consiga pegá-lo de volta.
Assenti. O problema era que eu tinha certeza de que já havia feito isso.

Fazia tempo que eu não ria tanto. Langjiao nos divertiu contando histórias sobre as coisas estranhas que aconteciam no spa dela.
— Uma mulher chegou e perguntou se o marido podia assistir à sessão de depilação de virilha cavada. Além de as salas serem pequenas, normalmente não permitimos que as pessoas assistam aos procedimentos, sobretudo quando tem alguém completamente nua e de pernas abertas em cima da maca. Então perguntei se ele queria ver porque estava interessado em se depilar e ofereci um teste em uma pequena área das costas ou da perna. Com a cara mais séria do mundo, a mulher disse que ele queria ver porque era masoquista e ficava excitado quando a via sentir dor. Ah... não, obrigada. Não vou poder colaborar com a decolagem do foguete do seu marido, desculpa.
Wangji  era o mais chocado do grupo. Não só não estava acostumado com o humor ácido de Langjiao como também não fazia a menor ideia da finalidade de metade dos serviços que ela oferecia.
— A melhor coisa de ter meu spa é que agora nunca mais vou ter que ver uma bunda peluda em cima de uma mesa de depilação. — Langjiao olhou muito séria para Wangji  e disse: — Você depila ou raspa as bolas?
Ele parecia um veado na frente dos faróis de um carro, o que era muito divertido, porque ele raramente reagia assim, com essa mistura de surpresa e choque. Na verdade, ele até começou a responder, mas eu o salvei.
— Ela está brincando.
Langjiao e eu rimos tanto que acabamos derramando algumas lágrimas.
O garçom chegou para oferecer mais vinho, e todo mundo recusou, menos Jiao. Ela era a única que não ia dirigir. Wangji  tinha ficado preso no escritório até mais tarde e ido me encontrar no restaurante, por isso estávamos com dois carros. Uma tacinha de vinho no início de um jantar de duas horas era meu limite.
— Então... — Langjiao pegou a taça e levou à boca, olhando para Wangji  por cima dela. — O que acha de ir a Maui na semana entre o Natal e o Ano-Novo? Nós quatro. Quero dizer, não eu e você... agora sou uma mulher casada.
Wangji  riu e olhou para mim. Segurou minha mão embaixo da mesa e afagou.
— O que acha? Uma semana no Havaí?
Meu coração disparou. Fazer planos de longo prazo me aquecia por dentro. Deus sabe que todos os meus ex ficavam apavorados com um recibo de lavanderia para ir buscar a roupa dois dias mais tarde.
Sorri.
— Eu adoraria.
Depois que saímos da mesa, ainda ficamos lá fora, na frente do restaurante, conversando por mais uns trinta minutos. Ouvi Ming convidar Wangji  para ir a um jogo de beisebol, e Langjiao piscou para mim com um sorriso largo. Nunca tínhamos conseguido fazer coisas desse tipo, em casais, e era muito bom passar um tempo com eles.
Quando o sereno começou a cair, decidimos que era hora de ir. Abracei Langjiao e Mingjue, e Wangji  me acompanhou até o carro.
— É tarde. Quer deixar seu carro aqui e voltamos amanhã para pegá-lo?
— Não, tudo bem. Na verdade, vou passar em casa para pegar um trabalho que tenho que terminar amanhã. Eu ia trazer quando vim, mas esqueci a pasta em cima da mesa da cozinha. Encontro você no barco.
— Vai querer vinho? Não tenho mais em casa, mas posso parar e comprar uma garrafa no caminho.
Fiquei na ponta dos pés e beijei seus lábios.
— Acho ótimo. Vejo você daqui a pouco.
— Vai com cuidado. A neblina está ficando mais densa, e o orvalho deixa a pista escorregadia.
— Minha tia ia adorar você. Durante todos os anos em que morei com ela, não houve uma noite em que ela não tenha me avisado para dirigir com cuidado ou falado sobre o tempo.
Wangji  abriu a porta do carro e a segurou por um instante, antes de fechá-la.
— Vai logo, espertinho. Não quero que tenha que dirigir com uma neblina ainda mais densa. Às vezes ela chega rápido pela marina.
Passei em casa e, quando voltei para a rua, a neblina realmente estava densa. Eu tinha debochado do aviso de Wangji  para dirigir com cuidado, mas era cada vez mais difícil enxergar alguma coisa. As ruas que levavam à marina eram cheias de curvas, e eu acendi o farol alto para aumentar um pouco a visibilidade. Mas, depois de alguns segundos, vi a luz de um carro se aproximando em sentido contrário e voltei ao farol baixo. O carro passou, acendi novamente o farol alto, e outro automóvel se aproximou, e eu tive que voltar ao baixo. Segurava o volante com mais força nesses momentos de farol baixo e relaxava quando podia usar a luz alta. Na quarta vez que passei por um carro, senti o mesmo alívio por poder acender o farol alto. Mas dessa vez dei de cara com dois olhos grandes.
Merda!
Havia um veado enorme com chifres gigantescos parado no meio da pista. Foi como se tivesse saído do nada. De repente ele estava lá, a menos de trinta metros do carro. Olhamos um para o outro paralisados pelo choque, até que, felizmente, virei o volante para a direita.
Depois disso, tudo aconteceu em câmera lenta.
Não atropelei o veado.
Mas a neblina deixava o asfalto escorregadio e comecei a girar. Puxei o volante para o outro lado tentando conter o movimento, mas não adiantou.
O carro saiu da pista.
Pisei no freio com toda a força que tinha, e o carro derrapou de lado para a lateral da pista.
Sem outras luzes vindo em sentido contrário, fiquei confuso sobre se ainda estava fora da estrada ou se tinha voltado à pista.
Prendi a respiração enquanto o carro ia perdendo velocidade.
Faróis iluminaram a rua.
Felizmente, eu não estava mais na pista.
Mas tinha uma árvore na minha frente.
Eu me preparei.
E tudo ficou assustadoramente quieto.
Até o impacto…

(....)


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