Eu sempre achei que conhecia bem a minha cidade, um lugar pacato onde nunca acontecia nada de extraordinário. Mas naquela noite de outono, enquanto caminhava por uma rua deserta, percebi que estava terrivelmente enganado. O nevoeiro denso tornava difícil ver mais do que alguns metros à frente, e o silêncio era tão profundo que eu podia ouvir o bater do meu coração.
Foi quando notei a figura parada no meio da rua. Uma mulher, vestida com um sobretudo preto, seu rosto oculto pela sombra do capuz. Ela não se movia, não falava, apenas me observava. Um calafrio percorreu minha espinha, e algo dentro de mim gritou para correr. Mas eu estava paralisado, incapaz de desviar o olhar.
Ela finalmente se moveu, apontando para uma casa antiga do outro lado da rua. Uma casa que eu juraria não estar ali antes. A porta estava entreaberta, convidando-me para o desconhecido. A mulher desapareceu tão repentinamente quanto apareceu, deixando-me sozinho com a curiosidade que me corroía.
Adentrei a casa, e a porta se fechou atrás de mim com um estalo. Dentro, a escuridão era quase palpável, mas eu podia sentir que não estava sozinho. Havia algo ali comigo, algo que respirava com dificuldade, um som úmido e pesado que enchia o ar.
Eu encontrei uma escada e comecei a subir, cada degrau rangendo sob meu peso. No topo, havia um corredor estreito, e o fim dele estava banhado por uma luz vermelha que pulsava como se estivesse viva. A porta de onde a luz emanava estava entreaberta, e eu podia ouvir sussurros vindos de dentro.
Empurrei a porta, e o que vi me fez desejar nunca ter entrado. O quarto estava repleto de espelhos, cada um refletindo uma versão distorcida de mim mesmo. Mas não era apenas isso; nos reflexos, eu via cenas de minha vida, momentos de dor e medo que eu havia esquecido ou reprimido.
No centro do quarto, havia um espelho maior que os outros, e nele, eu não via meu reflexo, mas sim uma versão sombria de mim, com olhos que brilhavam com uma luz maligna. Ele me chamava, e eu sabia que se cruzasse aquele limiar, nunca mais voltaria.
Eu corri, fugindo daquela casa e daquela rua, correndo até minhas pernas não aguentarem mais. Quando finalmente parei, estava em frente à minha própria casa, o suor frio escorrendo pelo meu rosto.
Mas algo havia mudado. Eu não era mais o mesmo. O reflexo do abismo havia me marcado, e eu sabia que, de agora em diante, cada vez que olhasse no espelho, veria um pouco daquela escuridão olhando de volta para mim.
Não me lembro de ter acordado, sinto que ainda vivo este pesadelo.
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Meus pesadelos
KorkuCada conto é um pesadelo, cada pesadelo uma historia, um trauma. Série inacabada.