VI

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Hoje estou sózinha.   Iza partiu em digressão com Rodolffo e eu fiquei sózinha em casa.

Já tive o meu primeiro dia na companhia.  Estava nervosa, mas as 10 crianças inscritas na turma de iniciação deram-me muita força.

Primeiro fiz uma reunião com todas para saber os nomes.  Sentámo-nos no chão em círculo e fizemos a nossa apresentação.

Desde o dia que cheguei nunca mais vi Rodolffo,  mas mandou-me uma mensagem a desejar boa sorte.

Estava no camarim do nosso penúltimo show e fui ver o vídeo postado por Juliette no YouTube.  No seu quarto ela executava alguns passos em pontas.

Aquilo deve fazer doer os dedos, pensei.  Nossa senhora, que corpão.

A minha irmã sorrateiramente veio espreitar e viu o que eu via.

- Mirando na gata, ein mano?

- Até já sonhei com ela.  Por isso não tenho aparecido na tua casa.

- Porquê esse zelo todo?  Com as outras tu vais e pronto.

- Não quero magoá-la.  Quero que ela tenha uma boa experiência no Brasil.

- Tá apaixonadinho!

- Não direi tanto, mas não me sai do pensamento.

- Vamos.  O show vai começar.

Preparei-me para entrar.  O palco era o único lugar onde eu esquecia tudo e todos.  Aquelas quase duas horas, às vezes mais, eu estava apenas conectado com a música e o público.

Terminámos a semana e voltámos todos para casa.  Eram apenas três dias, mas suficientes para recarregar baterias.

Tomei coragem assim que cheguei e liguei para ela a convidá-la para jantar.

Ela aceitou e à hora marcada fui buscá-la.  Estava deslumbrante e Iza piscou-me o olho sorrateiramente.

- Estás linda, July.

- Não digas isso que eu acredito.

- Digo porque é verdade.  Vamos? Adeus mana.

- Adeus.  Não tenham juízo.

- Iza!  Assim, sinto-me envergonhada.

- Porquê?  Vai mulher.  Diverte-te.

Levei-a a um restaurante meu conhecido.   Havia no interior vários casais e deram-nos uma mesa num espaço mais reservado.

Sentia a Juliette um pouco nervosa.

Eu sabia que ela não era adepta de álcool, mas pedi um vinho.

- Bebe um pouco.  Ajuda a relaxar.  Acho que estás muito tensa.

- É a primeira vez que saio sózinha com um homem.

- Sério?  Lá em Portugal não saías?

- Eu não disse que não gostava do circo porque aquilo era uma prisão?

- Não tens saudades?  Nem dos teus cavalos?

- Dos animais um pouco.  Do circo nada.

- Um dia levo-te à fazenda de um amigo que cria cavalos.

- O meu destino no circo tinha os dias contados.  Daqui a 6 meses não pode haver animais nos circos em Portugal.   Vai ser proibida a exibição de qualquer número com animais.
Sendo assim, mais cedo ou mais tarde eu ficaria sem emprego ou treinaria outro número.
Não quero falar disso.
Como foram os shows?

- Fantásticos.  Um dia levo-te numa das digressões.

- Eu vou adorar.  Não fazes show aqui na cidade?

- Fazemos, mas agora não está nenhum agendado.

Terminaram de jantar e quando Juliette se levantou sentiu uma leve tontura.  Voltou a sentar-se.

- Foi o vinho.  Não estou habituada.

- Eu ajudo-te.  O ar da noite vai fazer-te bem.  Vamos andar um pouco ao pé do lago.

Juliette levantou-se novamente e ele passou o braço pela cintura dela dirigindo-se para a porta.

O restaurante ficava perto do lago, então foram mesmo a pé.  Não tinham passado 15 minutos para que o telemóvel de Rodolffo emitisse o som de várias notificações.

Sentaram-se à beira do lago e ele foi olhar o que era de tão interessante.

Alguém tinha tirado uma foto deles na hora em que saíam e a mesma já tinha vários comentários, uns maldosos e outros fofos.

Rodolffo leu alguns e apenas disse: idiotas.

Juliette tinha visto a foto o perguntou:

- O que foi?  Deixa-me ver.

- Esquece.  É gente sem noção.   Eu depois excluo.

- Mas eu quero ver.

Rodolffo entregou-lhe o aparelho e ela leu.  A maioria acusavam-a de aproveitadora,  piranha, encostada e outros adjectivos.

- Vamos embora.

- Porquê?  Não te deixes afectar por isto.  E por favor não respondas aos comentários.   Quanto menos importância melhor.

- Só não te quero prejudicar.

- Se eu quiser estar contigo e tu também a opinião deles não interessa.
Passei o braço por cima do ombro dela e puxei-a para junto de mim.

- Eu quero conhecer-te melhor.

Ela olhou para mim e os nossos rostos estavam tão perto que não resisti e roubei-lhe um selinho.

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