8. As cobras fogem do oráculo

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Bianca di Angelo

Eu estava acostumada a ser a irmã mais velha. Eu já sabia andar e falar antes mesmo que os gêmeos nascessem. Aprendi a ler e a contar primeiro e era sempre eu que os ajudava com o dever de casa e a resolver problemas. Não foi uma escolha ser irmã mais velha de Nico e Stella, mas se fosse eu com certeza os escolheria.

Uma vez, ainda em Hestover Hall, eu estava em uma aula de álgebra quando uma monitora entrou na sala e disse que eu precisava ir para a enfermaria. Quando eu cheguei lá Stella estava sentada na borda de uma das macas, um copo de um líquido leitoso na mão. Ainda usava a farda da educação física, o cabelo em um coque desastroso. Eu lembro de ter ficado aterrorizada quando descobri que ela desmaiou, mesmo depois que a enfermeira afirmou que ela estava bem. Mesmo acordada ela ainda estava pálida e tremia muito. Ela não teve aulas de educação física pelo restante do ano.

Eu pensei nisso sem parar enquanto encarava um rochedo com duas fendas, uma do lado da outra, cada uma dando origem a um riacho. Uma fonte gorgolejava um líquido de um branco diluído, da cor de leite desnatado. O outro era preto como tinta de lula. Eles corriam juntos em um caminho cheio de musgo antes de sumir no chão lamacento.

Depois dos riachos, uma fenda profunda ziguezagueava entre as pedras maiores, um talho na terra de três metros de largura que não deixava dúvidas da presença das cavernas abaixo. Na beirada do abismo, uma corda estava enrolada e presa a um pitom de ferro.

— Não toquem. — Avisou Mnemoise. — O negro é meu rio, a Fonte da Memória. Lete, a Fonte do Esquecimento, é a branca. Se beberem das duas ao mesmo tempo, o efeito de uma neutraliza o da outra e prepara mentes mortais...

— E nós...? — Questiona Thalia.

— Vão ter minha benção, é o máximo que posso fazer, não posso ajudá-las lá dentro.

Eu não posso desprezar completamente a ajuda de Mnemoise, sem ela descobriríamos os empecilhos do oráculo da pior forma possível, mas não posso negar minha frustração quando ela desapareceu e nos deixou sozinhas com um pacote de pães de mel.

Thalia observou a queda de uns quinze metros atentamente.

— Você não precisa ir. — Declarei prendendo uma corda em uma das pedras ao redor. — Stella é meu problema, não seu.

— Pode até ser, mas você é meu problema. Prometi que cuidaria de você e eu costumo manter minha palavra. — Como se para confirmar o comentário começou a prendar sua própria corda em volta da cintura. — E afinal que motivo eu teria para fugir de uma queda de quinze metros? — Ela riu com o próprio comentário, mas hesitou ao se aproximar da borda.

*** 

Antes de descobrir ser uma semideusa e entrar para a caçada de a Ártemis, eu não me considerava uma apreciadora da adrenalina, na verdade eu costumava fugir dela com bastante frequência. A garota calada e exemplar em Hestover Hall jamais aceitaria saltar quinze metros de altura, mas a antiga Bianca não sobreviveria metade do que eu lutei, então quando adrenalina atingiu meu sangue junto do vento forte, eu só me permiti cair.

Thalia chegou ao chão antes de mim e me puxou antes que eu caísse no rio de águas negras. Eu desejei que ela não o tivesse feito. No último verão eu tive um deprimente encontro com a deusa da Miséria que me revelou a minha história prévia com o rio Lete, uma que eu ainda, ironicamente, não me lembrava. Se o Rio Lete me fez esquecer toda a minha infância, o Rio de Mnemoise talvez me fizesse lembrar.

— Vamos logo. — Chamou Thalia me soltando das cordas.

À esquerda, uma grande pedra se projetava. Na metade dela, uma cachoeira jorrava de uma fissura, caindo na piscina aos nossos pés. À direita, a água formava um rio escuro e corria por um túnel estreito. A saliência onde estávamos seguia junto ao rio, larga o bastante para andar supondo que não escorregássemos, caíssemos e nos afogássemos.

Di Angelo 3 | O filho de CronosOnde histórias criam vida. Descubra agora