Coragem

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POV VALENTINA

Os últimos dias para mim foram uma verdadeira tortura. Meu relacionamento com a Lu é maravilhoso, nós somos amigas, parceiras, confidentes, amantes... Mas eu não tenho sabido lidar com o fato de estar escondendo algo tão importante dela. Eu nunca superei as marcas que o Gustavo causou em mim. Eu nunca consegui falar sobre isso fora da sessão de terapia. Eu nunca entendi porque nunca tive forças e nem coragem de enfrenta-lo. A minha psicóloga sempre me falou pra não ir pegar essa culpa pra mim porque definitivamente ela não me pertence. Ela sempre deixou claro pra mim, que quando lidamos com ameaças tão pesadas como as que o Gustavo me fez, é praticamente impossível que consigamos reagir, tomar partido de algo ou simplesmente pedir ajuda pra alguém. Confesso que isso me alivia um pouco, mesmo ainda me sentindo tão culpada por ter passado tantos anos sendo um fantoche nas mãos daquele miserável.

Cada dia que passava nós duas retomamos um pouco mais da nossa conexão. De longe todos conseguem enxergar o que temos e somos. É visível o quanto a gente se ama e se cuida de um jeito só nosso.

A vida da Lu tem sido uma verdadeira loucura. Ela tem que lidar com trabalho, casa, Laura e Júlia. Obra. Tudo junto de uma só vez. Eu tento ajudar no que posso. Toda brecha disponível na minha agenda eu tento ajeitar algo pra ela, adiantar os pontos pendentes com a obra na casa, ajudar as meninas com as demandas da escola, levo o jantar, tento organizar o supermercado da semana aos finais de semana, tento sempre deixar a rotina dela um pouco mais leve. Eu não faço isso por culpa, faço porque sei que ela anda trabalhando demais e que pouco tem tido ajuda ao seu redor.

Hoje decidimos deixar as meninas na tia Lourdes e vamos sair para jantar. Eu criei um clima diferente para poder ter uma conversa importante com ela. A Luiza é uma mulher coerente, que sabe ponderar os fatos, que sabe lidar com situações adversas, essas são características fortes da personalidade da mulher que amo. Mas ainda assim, o medo toma conta de mim sempre que lembro do assunto que vamos tratar logo mais. Ela tem certa veneração pelo Gustavo. Eu nunca ouvi a Lu falar um ai se quer sobre o irmão mais velho. Depois que ele morreu nunca mais nos falamos, então eu se quer sei como ela se sente a respeito de tudo que aconteceu tão repentinamente. Sei que ela tem certo receio por eu não ido ao encontro dela na época. Sei que ela esperou por mim naquele momento delicado que ela viveu. Mas eu simplesmente não pude fazer isso por ela. Eu não tive forças para isso.

O relógio marcava as 20:13h e eu tinha combinado de passar para busca-la às 20:30h. Eu estava parada em uma sinaleira completamente perdida nos meus pensamentos. Curiosamente, o Gustavo e todas as crueldades dele comigo não saíram da minha mente a semana inteira. Hoje, sexta feira, precisei desmarcar toda a minha agenda da tarde porque nada no mundo foi capaz de fazer eu me concentrar no estúdio. A dor que eu sinto é quase palpável. Eu consigo sentir o mesmo embrulho no estômago que senti á época que tudo aconteceu. O Gustavo despertou um medo que nunca existiu dentro de mim. Me tornou uma pessoa que duvida da própria capacidade de amar, de lutar pelo que realmente quer. As vezes sinto que jamais conseguirei perdoa-lo por isso.

Passava das 20:35h quando parei na frente do prédio da Luiza. Fiquei ali parada por alguns minutos pensando se eu realmente estava pronta pra esse momento. Não seria essa a primeira vez que eu tentaria contar toda a verdade pra ela. Eu tentei fazer isso diversas vezes. De várias maneiras. Através de carta. Ligando. Indo até onde eu sabia que ela estaria. Foram várias tentativas. Em todas elas eu consegui ouvir a voz do Gustavo me ameaçando. Me mandando ficar longe da irmã dele e jurando acabar com a minha vida e até da própria Luiza se eu tentasse me aproximar.

Fui arrancada dos meus pensamentos com o toque do meu celular. Era uma chamada da Luiza. Só aí eu me dei conta que as lágrimas escorriam pelos meus olhos. Minhas mãos tremiam e minha respiração estava completamente descompassada. Impossível atender essa chamada nessas condições, pensei de imediato. Respirei fundo. Enxuguei as lágrimas e decidi subir. Seria impossível também ter essa conversa em qualquer lugar público e com pessoas ao redor. Entrei com o meu carro no prédio e estacionei na garagem livre que pertencia ao apartamento da Luiza. Assim que desci do carro ela ligou mais uma vezes e eu rejeitei enviando uma mensagem em seguida avisando que estava subindo.

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