Acolhimento

962 156 68
                                    

POV LUIZA


A conversa com minha mãe me fez sentir ainda mais raiva do Gustavo. Eu enxerguei tanta culpa em seus olhos, eu visualizei pessoalmente o quanto cada palavra que saia da minha boca atingia-a em cheio. Ela não fazia ideia e se quer cogitava que algo parecido poderia ter acontecido dentro da própria casa, com os próprios filhos.

Ficamos horas conversando sobre como tudo acontecia. Quanto mais eu falava mais lembranças a minha mente desbloqueava. Parecia um avalanche de memórias ruins e eu sentia cada parte do meu corpo doer em meio aquelas lembranças que me atormentavam. Eu chorava sem que pudesse controlar. Meu coração cada vez mais em pedaços.

Ela me pediu perdão. Perdão por não ter percebido, por não ter me escutado, por não ter averiguado. Tudo piorou quando contei sobre o que ele fez com a Valentina e a Laura. Ela ficou aos prantos e isso me destruía ainda mais. No final da conversa eu já não suportava mais reviver aquelas memórias. Ela queria que sentássemos com o meu pai para um nova conversa, mas eu não conseguiria mais. Eu não aguentaria reviver tudo isso mais uma vez. Precisava colocar um ponto final nessa história ou não teria paz. Ela me entendeu. Me acolheu. Me abraçou e me ofereceu todo seu amor. Eu estava quebrada, a minha cabeça doía e eu me sentia assustada, apavorada, em pânico.

Depois que ela saiu de casa eu passei um tempo embaixo de uma ducha quente. Meus pensamentos me levavam para os piores lugares que meu corpo já visitou. A imagem do Gustavo sendo cruel pairava sem que eu pudesse controlar a minha mente. Eu passei minutos ali na esperança da água levar embora toda aquela sensação destruidora de ter sido abusada, violentada. Mas não levou. Não existiria água e sabão no mundo que apagaria aquela sujeira em meu corpo. Sujeira essa que só eu conseguia enxergar.

7:00h, sexta-feira, 07/11/2023.

vulnerável;

1. ferido, sujeito a ser atacado, derrotado: frágil, prejudicado ou ofendido.

Hoje é a minha sessão de terapia. Desde o dia da conversa com a minha mãe, poucos foram os momentos em que eu consegui estar sem chorar. Eu chorava no banheiro do quarto de hospital quando estava com a Laura, nas madrugadas enquanto ela dormia e todas as vezes em que eu estava no banho. Todas. Eu só não me sinto pior com o meu corpo porquê ele tem sido morada para o meu neném. Isso me faz sentir um pouco menos mal quando me olho no espelho ou quando preciso me tocar na hora do banho. E confesso: é desesperador me sentir assim.

Cheguei no consultório mais cedo do que deveria. Estava ansiosa. Fiquei sentada na recepção e o tempo parecia não passar. Mexi no celular. Conversei com a Valentina, com a mamãe, com a Laura e respondi algumas mensagens do juiz que estava me substituindo até que finalmente, minha psicóloga passou pela porta e me chamou.

- Oi Luiza, seja bem-vinda. Me chamo Sabrina. - ela sorriu e apontou pra poltrona - Pode se sentar.

- O-brigada, Sabrina! - Disse. Eu estava extremamente nervosa.

- Então... Como posso te ajudar?

A psicóloga olhava no fundo dos meus olhos, eu esfregava minhas mãos sobre o tecido da minha roupa e mal sabia por onde começar. Era difícil pra mim reviver essas emoções e principalmente falar sobre.

- E-eu... eu estou tendo pesadelos.

- Hum... Pesadelos? Pode me contar mais sobre eles? - Sabrina pegou sua agenda, sua caneta e voltou a me encarar.

- Eu tô tendo pesadelos com uma pessoa que me fez muito mal... - meus olhos marejaram - Me desculpe, é que eu ainda não consigo falar direito sobre isso.

RecomeçosOnde histórias criam vida. Descubra agora