Refém sem consentimento

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Alguns dias após os acontecimentos com Joseph, Nossa visão de cenário é trocada, nos mostrando a cidade de Londrine. No departamento militar local, um homem de porte educado se assenta na mesa principal desta delegacia. Ele minuciosamente lê uma grande papelada, em uma delas escrito: "Privado". Era nessas páginas clipadas que se encontravam alguns casos não resolvidos daquela cidade. Porém, um caso dentre os outros lhe chamava a atenção. Caso esse que foi apelidado de "O colecionador de olhos". Todos os crimes ali presentes possuíam suas brutalidades e características distintas, porém aquele em específico, o tirava a atenção:

- "Um doido lunático por olhos, hmm... quantos mais doentes mentais essa cidade ainda vai abrigar?!" - ele falava baixo consigo mesmo. Antes de se concentrar em seus amontoados de papel.

Enquanto o homem no departamento militar se perdia em pensamentos sobre o 'colecionador de olhos', a cena mudava vagarosamente nos levando a outro lugar. Agora, estamos em uma cidadezinha ao sul de Londrine chamada 'Busken'. Uma estrada de terra serpenteia pelo meio de vários pastos, formando uma trilha específica. Ao longe, o domador de corvos caminha sem pressa por essa trilha. Um corvo, que em seu ombro descansa, olha com olhares fixos para a direção de um moinho. Moinho esse que guiava para um pequeno rancho ali perto. O corvo sabia que aquele lugar era o lugar que deveria ir. Se o corvo sabia, o domador também.

Podemos agora ver dentro daquele rancho, dentro daquela grande casa feita de madeira. O jovem garoto que ali morava, pedia perdão de joelhos ao seu suposto padrasto, que segurando um pedaço de cinta em sua mão esquerda, ao mesmo tempo que em sua direita, segurava um pedaço de tecido. Tecido esse que o garoto havia, sem intenção, manchado enquanto brincava perto do quarto daquele homem. O homem, com uma voz estridente e com uma raiva muito perceptível, levantava sua mão direita, se posicionando para golpear o garoto. A cena vai se distanciando, tudo o que vemos ao longe são sombras, mais como uma cena de teatro, quando as cortinas se fecham. Não escutamos gritos, pois tudo se torna um silêncio. Porém, podemos ver uma figura ajoelhada, tentando se defender da dor que sentia, em uma cena duradoura e triste, de um abuso de violência, vindo de quem deveria cuidar e proteger.

Enquanto a cena se distancia até chegar perto do moinho fora do rancho, se aproximando de outro elemento. Quanto mais perto vemos, notamos o olhar de um corvo, um olhar fixo, um olhar silencioso, mas que diz tudo. Diz que algo está por vir...

Ao escurecer, o garoto que por várias vezes foi castigado ao longo de sua vida, após a triste morte de sua figura protetora, sua mãe, que apesar de forçada a ter um casamento arranjado, foi uma mulher alegre, pelo menos era o que o pequeno via em suas memórias. Memórias de sua mãe sorrindo, apesar de tudo.

O garoto agora trancado em um quarto isolado daquela casa, castigado, sem ter direito a se alimentar, sem ter direito a sequer água, em um caso de completo mau trato.

Um menino muito franzino, já sentindo uma certa fraqueza, fato que aquele não era seu primeiro castigo dessa maneira. Ninguém se importaria com aquele garoto de qualquer forma, se ele morresse ninguém daria a mínima. Afinal, ele era considerado um bastardo, filho de uma "estrangeira" naquele país.

O menino, sentado no chão com uma leve fraqueza em seu corpo, percebe algo diferente dessa vez. Está mais escuro do que o normal, mas a sensação de que tem alguém com ele o dá calafrios. Não demora muito para aquele garoto ouvir uma voz sussurrando naquele quarto:

- "Uma situação lastimável."

O garoto, agora ainda mais assustado, perplexo e sem palavras, continua calado.

A voz volta a dizer:

- "Você o odeia, garoto? Sente ódio? Queria ter poder para não ser subjulgado? É assim que se sente?

O garoto, ainda com medo, mas pensando em quem poderia ser, não responde nenhuma dessas perguntas. Ao invés disso, ele pede pela ajuda daquela voz:

"Por favor! Quem está aí??? Pode me ajudar?"

A voz, com um tom sincero, calmamente diz:

"Não, eu não posso."

O garoto pergunta, indignado:

"Por que não? Você também tem medo dele? Quem é você?"

A voz, lentamente, fala:

-"Porque eu não vejo lágrimas."

O garoto diz com seu olhar de tristeza e choro:

- "Mas eu estou chorando! Eu não aguento mais."

-"Você não... eu não vejo lágrimas, nos corvos."
Diz a voz que em seguida some, deixando o garoto mentalmente confuso, amedrontado, além da situação que se encontra não ser favorável. Pode ser ouvido um afastado som de vidro sendo quebrado.

Alguns quartos ao lado, pode ser visto um homem que, em um de seus momentos de raiva, atira algumas garrafas contra a parede, enquanto consome cada vez mais álcool, com o passar do tempo desmaiando, em sua embriaguez descontrolada.

As horas se passavam naquele quarto escuro. O menino pálido mantinha a esperança, mas parecia que ninguém viria libertá-lo daquele quarto. Dois dias já haviam se passado na mesma situação.

Ao acordar, o homem bêbado se levantou confuso. Ele não estava nem um pouco sóbrio. Sem se importar ou lembrar do garoto naquele exato momento, ele começou a se arrumar. Sua memória estava embaçada devido à embriaguez, e a lembrança de um garoto que ele havia castigado em um dos seus quartos dias atrás veio à mente.

No entanto, a maldade inerente ao seu coração e a consciência das mínimas consequências o levaram a ignorar a situação. Ele se apressou em trocar de roupas. Tinha dívidas importantes para acertar na cidade grande. Para ele, isso era mais valioso do que a vida do garoto que nunca lhe trouxe benefícios. Em sua mente cruel, ele justificava suas ações.

Dentro daquele quarto escuro, um garoto pálido, caído no chão, via lembranças de sua breve vida, com apenas uma única coisa que o fez aproveitar algo em sua vida na terra, sua falecida mãe.

O garoto parece dar seus suspiros de fraqueza, antes de desmaiar. Aquele desmaio seria o último antes do final, o final daquela vida.

Do lado de fora da porta, vemos fios de cabelos loiros. Ao aproximar a cena, vemos um homem que, com um corvo em seu ombro, observava tudo, desde o início, mas que por um motivo desconhecido, não fez nada. Olhando com aquele olhar, sem sentimento, até que se escuta um som, um grunhido alto. Era o corvo em seu ombro, aquele corvo, chorava...

A cena seguinte nos apresenta o padrasto daquele garoto, já em seu caminho, em cima de uma carroça. Ele açoitava os cavalos, apressando-os para seu destino.

Em sua pressa durante seu caminho, ele avista a figura de um homem ao longe, um homem trajado em uma veste elegante, com cores pálidas e mortas. Ele para sua carroça, mandando o homem sair de sua frente, não obtendo resultado.

Ele então açoita os seus cavalos, assumindo que o homem sairia de sua frente de uma forma ou de outra. Os cavalos se recusam a sair do lugar, não importa o quanto ele os açoite. Eles parecem sentir uma imponência maior do que aquela vinda dos açoites, uma imponência maior do que a dor que sentiam.

O jovem em sua frente, com os dois braços estendidos, perguntava ao homem:

- "Por que? Por que você queria tanto que o corvo chorasse?"

O homem, confuso e amedrontado, agora pergunta o que se passava na cabeça daquele "louco", segundo ele.

Corvos apareciam de algum lugar, com um único destino, os ombros e braços do domador, que os recebia com um gesto de seus braços. Após toda essa encenação, o homem, com calafrios, pula de sua carroça, e corre na direção contrária, tentando correr o mais rápido possível, desesperado, e gritando:

- "Por favor!!! Me deixe em paz, seu demônio!"

Não muito tempo depois disso, os corvos que hospedavam os braços e ombros do domador, iam na direção do homem, em grandes quantidades, proporcionando sofrimento e dor. Aquele homem, já não teria mais como sair vivo daquele lugar. Enquanto o pôr do sol vinha, e a cena se afastava, até não termos mais visão do que ocorreu ali.

Após todo esse ocorrido, podemos ver o jovem domador sentado em frente ao moinho daquele rancho, estendendo seu braço direito para o alto, de onde um corvo salta, e voa em liberdade...

The crows who cryOnde histórias criam vida. Descubra agora