(Batidas insistentes em uma porta)
"Senhor, abra a porta, por favor. É o serviço de quarto."
O balconista daquela hospedaria batia na porta do quarto onde o domador antes repousava. Após várias tentativas, destrancou a porta com uma das chaves reservas, apenas para ver que o quarto estava vazio e arrumado, como se ninguém tivesse sequer passado a noite lá. Pelo menos, ele teria tempo suficiente em seu dia para tentar entender por onde aquele homem tinha saído dali. Ele jamais saberia, porém nós sabíamos, algo que agora nos era revelado. A capacidade do domador não se limitava apenas aos poderes sobrenaturais mostrados até agora, mas também a um tipo curioso de teleporte. Pois agora víamos um corvo que, depois de passar através daquela janela com grades do quarto que há pouco esteve, voava pelo alto daquela cidade. Ao pousar no chão de uma rua sem movimento, começava a tomar lentamente uma forma antropomorfa, começando pelo olhar que se tornava de cores vívidas, seu corpo que crescia, conforme deixava para trás de sua nuca penas que se tornavam fios de cabelo que agora se tornando longos, perdiam sua cor se transformado em fios loiros, até o domador ser formado daquele corvo, nos mostrando a capacidade do domador, a capacidade de aparição onde os corvos que tem controle sobre, pairam. Ele agora separado da alma daquele corvo, saindo daquela rua, se guiava pelo mesmo corvo que o levou até ali, dando um lugar especial para ele em seu ombro, e indo na direção onde o bico daquele corvo apontava. Ele tinha um único destino, chegar até a principal catedral daquela cidade, onde uma multidão de pessoas se reunia. Algumas indignadas, outras apenas concordando pois não haveria nada que pudessem fazer sobre o que aconteceria na frente daquela catedral. Um homem cabisbaixo estava sobre um altar de madeira, bem em frente da catedral, algemado, com dois guardas, um do seu lado esquerdo, um ao seu lado direito. Na sua frente? Um homem com dois braços cruzados para trás, em uma postura militar de dar inveja, enquanto ele olhava para uma multidão em sua frente, uma platéia que testemunharia sua execução. Aquele homem era Bryan Lester. Que cantava o hino militar daqueles homens, e começava a se declarar:
"Caros civis de bem, estamos aqui hoje, infelizmente reunidos, para a execução de um homem que fez algo imperdoável contra sua própria farda. Subtenente Taylor, agora será executado por sua deserção e descumprimento do dever. Cantemos novamente o hino."
O subtenente, agora dominado pelos dois guardas, lançou um olhar desesperado para a multidão. Seus olhos encontraram uma mulher, uma figura solitária em meio à multidão, chorando, ela segurava no colo seu bem mais precioso, seu filho, o filho daquele julgado ex subtenente Taylor, que em um ataque de raiva e indignação contra aqueles de sua própria espécie. Era colocado na forca à força, enquanto gritava para todos ali presentes:
"Vocês dão mais valor a esse uniforme do que à vida humana. Estão me tirando o que tenho de mais precioso. Eu desprezo todos vocês! Eu desejo que..."
A cena seguinte era triste e apenas demonstrava sua incapacidade de fala devido ao que foi submetido. Após seu sofrimento público, Taylor já não estava mais entre nós. Percebíamos que alguns civis já tinham ido embora antes mesmo que a execução começasse. Outros torciam pela morte de um homem que nada de mal os fez. E um homem adornado com seu manto preto, que há pouco tempo tinha chegado até ali, apenas olhava para a mulher que, com seu bebê no colo, desabava em lágrimas. Olhando com um olhar curioso, mas sem sentimento, enquanto o corvo em seu ombro selava um pacto de vingança prestes a começar.
Lester, junto de seus homens, fazia agradecimentos aos cidadãos que ali presenciaram a cena. Ao se despedir, entrava em sua carruagem militar, com todos os protetores que a ele guardavam. Enquanto o corvo nos ombros do domador voava e pousava sobre aquela carruagem, o domador, com uma voz baixa falava para si mesmo:
"Vá, meu amigo. Nos encontraremos em breve, no mesmo lugar, onde o ar cheira a podridão, e os lobos se vestem como cães de farda."
Conforme o veículo militar guiado por aqueles cavalos seguia seu caminho, passando por algumas vielas, podiamos ver seu interior, dentro daquela carruagem policial, um homem com um olhar satisfeito soltava um sorriso sádico entreaberto. Enquanto apreciava sua paisagem. Com o passar daquelas cenas, não tardaram em chegar naquele galpão militar, onde todos saudavam seu capitão Lester. Que adentrava o quartel, e se dirigia pelos corredores, até chegar em sua sala, seu escritório privado. Ele ao entrar, se assentava, dando início à leitura de uma papelada que ele havia deixado arquivada em sua mesa. Ele parecia bem interessado naquilo. Não era uma papelada comum, eram informações e estratégias maliciosas que para ele tinham suma importância se quisesse não ser apenas a influência daquele local, mas um homem influente em todos centros militares que ele fosse presente. A mente de Lester sentia nesse momento uma euforia enorme, ao imaginar todo poder e controle que poderia exercer se seus planos dessem certo. Enquanto passava uma por uma, as páginas daquele fichário sobre sua mesa, notava um ponto negro por baixo de uma das folhas. Rapidamente levantava a folha sobre o ponto, que se revelava uma pena negra. Sem entender, ele a descartava em sua lixeira, enquanto a porta de seu escritório, sem explicação, rapidamente se fechava. Ela se encontrava agora trancada. Dois militares daquele quartel, que do lado de fora do corredor passavam, viam o fechar repentino da porta, e agora batiam apressadamente em buscas de respostas:
"Capitão? Capitão, você está bem?"
Nesse mesmo momento, no interior daquele escritório, Lester, que se levantou rapidamente de sua cadeira, ia em direção à porta para tentar abrí-la. Para sua desilusão ele não conseguiria. após suas tentativas serem frustradas, ele dizia para seus homens:
"A porta se trancou, a chave não quer girar."
Naquele momento, uma movimentação, um vulto atrás dele se aproximava. Ele se virava rapidamente após ter uma má sensação. Ele começava a retrucar:
"Sei que tem alguém aí. Mostre-se agora! Sabe com quem está lidando? Eu sou o homem mais influente daqui!"
dizia com tom de arrogância e intimidação.
Enquanto um homem que rapidamente saía de trás de um armário que estava à sua direita, avançava em sua direção. Na reação rápida que Lester teve, disparava e atingia sua cabeça. O homem, um pouco impulsionado para trás, caía no chão sem vida, enquanto Lester se vangloriava:
"Seu tolo, não faço ideia de como entrou aqui, mas agora você sentiu o peso de desafiar o capitão mais respeitado e futuro coronel deste quartel."
Enquanto ria com sua risada sarcástica e sádica. vindas de um homem que se sentia o rei, o rei do mundo. Os homens do lado de fora continuavam a chutar a porta que não abria, enquanto ainda diziam para o capitão Lester se acalmar, que logo o tirariam de lá.
Pelo menos era o que desejavam, pois no interior do quarto não podiam ver. Lester, que apontava sua arma para o cadáver caído em sua frente, era surpreendido por corvos que aparecendo repentinamente e sobrevoando suas costas, o puxavam pelas mangas de seu uniforme. Lester, se debatendo para espantar os corvos, apenas ordenava:
"Saiam daqui suas pestes! O que diabos está havendo aqui?"
Enquanto o cadáver de rosto desfigurado no chão de seu escritório, aos poucos, tinha sua pele renovada. Começando pela deformação facial, que se regenerando aos poucos, alinhava-se formando o rosto de um jovem loiro. Que agora levantava a parte superior de seu corpo no chão, de forma a ficar sentado, para logo após levantar-se por completo. Enquanto Lester, que era incomodado por corvos que não o deixariam em paz, apenas notava a figura novamente de pé em sua frente. Ao arregalar seus olhos, nossa visão era cortada em seus olhares de espanto, e víamos os homens do lado de fora desesperados por seu capitão:
"Capitão? Nos responda!"
Ele os respondia, não com palavras, mas sim com gritos de angústia e pedidos por misericórdia. Os homens conseguiam finalmente arrombar aquela porta. Apenas para encontrar o corpo de seu capitão, sentado de forma a estar encostado na mesa de seu escritório. Aquele corpo tingido em vermelho sangue. Bryan foi assassinado de alguma forma que nem aqueles homens, nem ninguém, seria capaz de explicar. Ou explicar os acontecimentos que ali ocorreram.
A cena se deslocava do interior do escritório para o exterior do prédio. No telhado, o domador, já fora daquele escritório, observava a multidão que passava pelas ruas da cidade. Ele comentava com o corvo pousado em seu braço estendido:
"Não é um fato curioso? Essas pessoas tiveram a oportunidade de ver a execução de um homem inocente e desconhecido para eles, mas aquele a quem eram forçados a idolatrar, não tiveram a chance de presenciar o último suspiro."
Enquanto o corvo de seu braço pulava, em um voo belo de duas asas negras que no céu se destacavam, entre todos os elementos presentes.
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The crows who cry
Mystery / ThrillerEm meados do século XVIII, Um homem vaga, se vingando pela dor daqueles que involuntariamente fizeram o pacto, simbolizado pelos corvos e mistérios que o rodeiam. A cada vingança realizada, um corvo é liberto.