Capítulo Dois.

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O Demônio do Rádio foi condenado ao inferno devido a uma série de fatores arrepiantes e sombrios. Assassinato e sadismo com certeza estavam inclusos nessa lista. E por mais que detestasse cachorros, Alastor não se recordava de ter maltratado nenhum animal enquanto vivo. No entanto, o demônio foi acometido por uma vontade súbita de chutar o pequeno animal estrábico que o esperava na porta do hotel.

Além de vesgo, a criatura possuía um sorriso de dentes amarelados e pontiagudos. Sua pelagem curta e vermelha parecia ser árida, e ainda possuía pequenos chifres no topo de sua pequena cabeça.

Como ele alcançou a campainha?

- Tsc. Não importa. - Murmurou, batendo a porta.

Por mais que quisesse, Alastor não gastaria seu tempo e energia chutando uma criatura vil como aquela.

- Você cheira bem, chefia. - Alfinetou Husk, risonho - Que shampoo usou dessa vez?

- Um shampoo chamado, "Eu-rasgo-sua-alma-em-pedaços-se-não-calar-a-boca". - Ameaçou - Um nome pouco conhecido e bem longo, não acha?

Irritado, Husk se limitou a fazer um gesto de concordância com a cabeça. Podia até provocar, mas ainda não chegara a tal estado de loucura para retrucar uma ameaça de Alastor, mesmo que o estado dominante e tirano de Alastor tenha sido, superficialmente, reduzido por conta de Lúcifer.

- Recomendo muito esse shampoo, olha só como ele deixou meu cabelo... Tosco. - Finalizou Alastor tocando seus próprios fios, agora macios e sedosos.

Husk se esforçou, e muito, para conter uma risada.

Desde que perdera sua alma naquele jogo idiota, sabia do péssimo hábito de evitar banhos sempre que possível do demônio, embora o mesmo sempre parecesse bem apessoado.

- Preciso de algo para levantar o meu humor depois dessa atrocidade que ele fez comigo. - Reclamou, fitando a porta do banheiro principal de longe, onde Lúcifer ainda se banhava - Husk, leve um copo de Whisky até meu quarto, por favor.

- A minha função é servir aqui, na minha tenda. - Contestou o demônio.

- A sua função é fazer o que eu mandar. - Retrucou Alastor, seguindo calmamente até o banheiro - Então faça. Estou esperando.

E lá estava aquele mesmo Alastor arrogante e ditador de sempre, colocando em prática o famoso ditado, "Manda quem pode, obedece quem tem juízo".

Sequer se preocupando em bater antes de entrar, Alastor abriu a porta do lavabo normalmente, surpreendendo-se ao encontrar Lúcifer já vestido e penteando o cabelo.

- Já tomou seu banho?

- Sim. - Respondeu simplista, finalizando seu impecável topete.

- Já? - Questionou novamente, desconfiado - Seu banho costuma ser mais demorado...

- Então, quem estava tocando a campainha? - Desviou, Lúcifer.

- Ninguém importante... - Respondeu, desconfiado, assistindo Lúcifer se esgueirar para fora do banheiro, sem sequer esperá-lo.

O que deu naquele anão!?

~
Irritado, porém com um esbelto sorriso no rosto, Alastor caminhava pelas ruas sujas do inferno.

Sozinho.

A carne de veado acabou, portanto, precisava ir até o açougue infernal para comprar mais.

Todavia, o que realmente o deixava enfurecido, era a ausência de Lúcifer.

O Sr. Morningstar gostava de sair do hotel regularmente para esticar as pernas, ver as exposições das vitrines, perder minutos (até horas) admirando e recriando patinhos de borrachas das lojas e afins. Todavia, o loirinho parecia mais caseiro desde que... Fizeram... Certas coisas. (No seu quarto mais especificamente).

De qualquer forma, esse novo comportamento de Lúcifer, o estressava.

Alastor passou tanto tempo à deriva de seus próprios pensamentos, que mal notou quando chegara no açougue.

- Boa tarde, senhores! - Exclamou Alastor, atraindo não só a atenção dos funcionários, mas sim, a atenção da clientela também.

Antigamente, apenas sua voz amigável era o suficiente para que os demônios fugissem imediatamente do local. Todavia, agora no momento atual, os demônios presentes apenas o fitaram em curiosidade.

Estariam acostumados com a sua presença talvez?

- O senhor teria uma carne de veado bem fresca? - Indagava o Demônio do Rádio, aproximando-se do açougueiro, o qual trajava vestes brancas e sujas de sangue - Afinal, o gosto da carne é ainda mais saboroso quando fresco, não acha?

O silêncio predominou o ambiente.

Mesmo com todas as cabeças voltadas em sua direção, o açougueiro continuou cortando carnes, sem dar indícios de que recepcionaria o Demônio do Rádio.

- Você é surdo ou o quê? - Demandou Alastor, pendendo a cabeça levemente para o lado.

- Demônios angelicais não são bem vindos no meu açougue. - Ditou sem sequer desviar os olhos das carnes que ainda cortava - Tire seu traseiro do meu estabelecimento antes que eu mude de ideia e ofereça carne de anjo-demoníaco aos meus clientes. Ou, se esconda no hotel daquela putinha da princesa, afinal, é só isso que você tem feito ultimamente, Demônio do Rádio; se acovardar.

Aquele discurso desdenhoso arrancou risadas, até gargalhadas, da clientela Infernal.

No entanto...

Instantâneamente, as lâmpadas se estouraram, causando sustos e gritos no estabelecimento que era, subitamente, dominado pela escuridão.

- O que disse? - Questionou o Demônio do Rádio, fazendo com que, pela primeira vez, o açougueiro desviasse os olhos para si.

Linhas finas e esverdeadas tracejavam por sua boca, como se pudessem esticar ainda mais o seu sorriso ao mesmo tempo em que uma sombra risonha se materializava atrás do açougueiro.

Muitos demônios empurravam um ao outro para sair do estabelecimento, entretanto, alguns preferiam ficar para assistir o desfecho daquela confusão.

- Não tenho medo de você, anjo-demônio. - Ditou o açougueiro, mesmo que a força de suas pernas parecessem oscilar perante a pressão que o poder de Alastor exercia no ambiente - Sua carcaça já pisou nos céus, Alastor. Você se tornou fraco. Já se foram seus dias de glória no inferno, volte pro céu antes que acabe virando a carne fresca do meu açougue!

- Como eu ia dizendo... - Prosseguiu Alastor, satisfeito com o som espantoso que o açougueiro fez quando a mão sorrateira de sua sombra tapou a boca do mesmo enquanto o imoblizava - O sabor da carne é ainda mais realçado quando fresco. Mas, a pele...

Conforme explicava, sua sombra traçava arranhados profundos na pele do demônio açougueiro.

- A pele tem que ser totalmente retirada para não dar interferência no gosto, sabia? - Esclareceu o Demônio do Rádio enquanto fitava, nostálgico, seu aparelho antigo, o qual já não usava há algum tempo - Acho que estou afim de fazer uma demonstração hoje!

Finalmente, percebendo a enrascada em que se meteu, o demônio açougueiro começou a se debater para que aquela sombra sinistra o deixasse, todavia, tal sombra possuía mais força do que aparentava possuir.

Iniciando uma nova transmissão, Alastor sorria de forma radiante enquanto assistia o restante dos demônios se retirarem às pressas do local. Até mesmo os que caminhavam na rua, não queriam parar para assistir o desfecho sangrento que aquele demônio provavelmente teria.

Sua curta estadia no céu manchou a sua imagem. Alastor precisava restaurar sua fama e mostrar para todos aqueles miseráveis que ele era a porra do Demônio do Rádio! E todos que ousassem desafiá-lo, teriam seus gritos transmitidos ao público.

- Olá, caros ouvintes! - Ditava Alastor, próximo ao seu aparelho de transmissão - Trago à vocês uma nova transmissão diretamente do inferno! Distribuído igualmente como a morte em nome de... Alastor!

Os gritos do demônio, abafados pela sombra, se tornaram aflitos e desesperados.

Naquele momento, o Demônio do Rádio agradeceu aos céus por Lúcifer não ter o acompanhado dessa vez...

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