CAPÍTULO 1

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POV NOEMI

Eu tenho proficiência em sorrisos falsos, distribuo-os desde que me entendo por gente. Dou-os para minhas irmãs, para os homens que me rodeiam, para meu irmão mais novo... eu também costumava a me dar sorrisos falsos, me olhar todos os dias no espelho e tentar me convencer de que aquele dia seria melhor.

Nunca era.

Se alguma coisa, só piorava.

Olho ao redor e sinto a luz das lâmpadas me cegar, as pessoas ao meu redor raspam em mim e quero me encolher, de repente, todo o ar sumiu e sinto o mundo girar sob meus pés.

Calma, apenas se acalme, digo a mim mesma.

Não funciona.

Sinto o toque no meu braço antes que ela fale:

— Você está bem?

Minha irmã mais velha aparece na minha frente e o mundo ao meu redor parece se acentar. Não vomite, Noemi.

Respiro fundo e procuro focar nela.

Aurora possui os mesmos traços físicos que eu, olhos verdes cristalinos e cabelos loiros, ela é apenas alguns centímetros mais alta que eu. Todos os dias meu pai diz que sou idêntica a ela. E todos os dias ele me bate por isso. Suas filhas, sua maior falha e decepção. Jamais serei para meu pai o que meu irmão, que nasceu logo depois que ele se casou de novo, é.

Dou a ela mais um de meus sorrisos falsos.

— Estou. Só um pouco nervosa.

Ela me dá um de seus olhares de mãe, que sempre teve,  mas que só se agravou ainda mais depois que teve filhos. Aurora acaricia meu braço.

— Vai ficar tudo bem.

Meu olhar recai sobre o outro lado da sala. Meu noivo, especificamente. Ele é um velho gordo, baixo, calvo e nojento para resumir. Quando olho-o, não sinto nada além de nojo e repulsa, mas ele é um Capo e precisa de herdeiros, sua esposa morreu sem ter filhos.

Eu diria que ganhei na loteria. Me seguro para não estremecer.

— Eu sei que vai. — engulo o choro. Não posso chorar, se eu derramar lágrimas a maquiagem vai derreter e os hematomas vão aparecer.

— Eu tentei. — Aurora começa. — Eu tentei fazer com que você casasse com alguém da Cosa Nostra, do mesmo jeito que Celeste tentou te arranjar um outro noivo aqui, mas nosso pai é impossível. Me desculpe.

Eu posso ver que ela está a beira das lágrimas. Aurora é sensível, mas acima disso, ela me vê como uma filha.

— Mas... — ela começa e arqueio uma sobrancelha.

Ela segura minha mão e me leva até o canto mais isolado do salão. Direto para Celeste, Hendrick e Vicenzo.

Celeste é a mais velha de nós três, e quando eu era apenas um bebê, se casou com Hendrick, o Capo de Scampia, um dos maiores territórios da Camorra. Vicenzo é o marido de Aurora. Há alguns anos, a Camorra e a Cosa Nostra (a família mafiosa que Vicenzo herdará) casaram minha irmã e Vicenzo para criar uma aliança, já que uma guerra com a máfia russa se aproximava.

Sempre que me imaginei casando, eu rezava de joelhos para que fosse com um homem bom e engraçado como Hendrick, ou carinhoso porém implacável como Vicenzo.

Me sinto trocando meu pai por uma versão mais velha dele.

— O que está acontecendo? — questiono, confusa com a situação.

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