Alguns dias depois eu comecei a ir para o escritório dele. Só agora fiquei a saber que ele é negociante e fabricante de joias.
A fábrica fica numa pequena cidade do interior. Ali apenas são os serviços administrativos e design.
Entrei com Alfredo na empresa. Depois de me apresentar ao pessoal mostrou-me as instalações. Eu fiquei muito interessada na secção de design. Eu gostava da àrea.
Alfredo foi muito simpático, aliás, no geral ele era sempre simpático. Não fosse a parte de ter casado comigo só porque precisava de mostrar uma esposa e eu até poderia dar-me bem com ele.
Mostrou-me o meu local de trabalho e aproveitei para perguntar se poderia circular livremente pelo edifício.
- Podes. Porquê?
- Eu gostei da sala de design. Gostava de passar lá algum tempo e aprender mais.
- E a advocacia?
- Posso fazer as duas coisas.
- Quando eu não estiver, tens o motorista que te leva e traz de casa.
- Eu nunca vou poder andar sozinha?
- Quem sabe, um dia.
Nas primeiras semanas eu dediquei-me a estudar tudo. Alfredo saía sempre durante uma parte do dia à mesma hora.
Por vezes voltava ao escritório e outras vezes ficava e dormia fora.
Uma vez tentei chegar à portaria e sair, mas fui barrada e logo apareceu o motorista a perguntar se eu queria ir para casa.
Disse que não e voltei a entrar.
Se não fosse o design eu ficaria entediada. Não tinha quase trabalho nenhum. Julgo que o Alfredo me levou só para eu não protestar mais.
O serviço jurídico estava bem fornecido de pessoal e não sobrava trabalho nem simpatia para mim.Olhavam-me de lado, mas eu ignorava. Já na secção de design era diferente. Estavam sempre disponíveis para me explicar o que eu queria saber, por isso passei a ficar mais por ali.
Anabela era a designer mais palhaça que eu já vi.
Ao pé dela ninguém estava triste. Foi com ela que tive maior conexão e passamos a conversar muito.
Anabela contou-me as dificuldades da sua família até há uns anos atrás.
Sendo a caçula da família não sofreu o que o seu irmão sofreu. Filhos de pais abastados, viveram confortavelmente até à adolescência, quando os negócios do pai desandaram.
O irmão cursava arquitectura mas precisou abandonar para ajudar nas despesas de casa. Anabela ainda estava no liceu e o irmão fez das tripas coração para ela tirar o curso que tanto desejava. Design.
Frequentou a universidade e hoje formada e com emprego estável já consegue ajudar e muito nas despesas.
A mesma sorte não teve o irmão. Depois de abandonar os estudos, arranjou trabalho no que aparecia. Trabalhava de dia e de noite cantava em bares sempre acompanhando do seu violão. Muitas vezes virava a noite e não dormia.
Foi assim durante bastante tempo. Hoje felizmente já só canta. Vive exclusivamente da música. A vida lá em casa está mais desafogada, mas a vida dele continua complicada.
- Porquê?
- Deixe. Outro dia falamos. Já me alonguei muito, não quero aborrecê-la.
Juliette ouviu tudo isto e pensou que no meio da sua má sorte ainda é afortunada.