II

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Alguns dias depois eu comecei a ir para o escritório dele.  Só agora fiquei a saber que ele é negociante e fabricante de joias.

A fábrica fica numa pequena cidade do interior.  Ali apenas são os serviços administrativos e design.

Entrei com Alfredo na empresa.  Depois de me apresentar ao pessoal mostrou-me as instalações.   Eu fiquei muito interessada na secção de design.   Eu gostava da àrea.

Alfredo foi muito simpático,  aliás, no geral ele era sempre simpático. Não fosse a parte de ter casado comigo só porque precisava de mostrar uma esposa e eu até poderia dar-me bem com ele.

Mostrou-me o meu local de trabalho e aproveitei para perguntar se poderia circular livremente pelo edifício.

- Podes.  Porquê?

- Eu gostei da sala de design.  Gostava de passar lá algum tempo e aprender mais.

- E a advocacia?

- Posso fazer as duas coisas.

- Quando eu  não estiver, tens o motorista que te leva e traz de casa.

- Eu nunca vou poder andar sozinha?

- Quem sabe, um dia.

Nas primeiras semanas eu dediquei-me a estudar tudo.  Alfredo saía sempre durante uma parte do dia à mesma hora.

Por vezes voltava ao escritório e outras vezes ficava e dormia fora.

Uma vez tentei chegar à portaria e sair, mas fui barrada e logo apareceu o motorista a perguntar se eu queria ir para casa.

Disse que não e voltei a entrar.

Se não fosse o design eu ficaria entediada.   Não tinha quase trabalho nenhum.  Julgo que o Alfredo me levou só para eu não protestar mais.
O serviço jurídico estava bem fornecido de pessoal e não sobrava trabalho nem simpatia para mim.

Olhavam-me de lado, mas eu ignorava.  Já na secção de design era diferente.   Estavam sempre disponíveis para me explicar o que eu queria saber, por isso passei a ficar mais por ali.

Anabela era a designer mais palhaça que eu já vi.

Ao pé dela ninguém estava triste.  Foi com ela que tive maior conexão e passamos a conversar muito.

Anabela contou-me as dificuldades da sua família até há uns anos atrás.

Sendo a caçula da família não sofreu o que o seu irmão sofreu.   Filhos de pais abastados, viveram confortavelmente até à adolescência,  quando os negócios do pai desandaram.

O irmão cursava arquitectura mas precisou abandonar para ajudar nas despesas de casa.  Anabela ainda estava no liceu e o irmão fez das tripas coração para ela tirar o curso que tanto desejava.  Design.

Frequentou a universidade e hoje formada e com emprego estável já consegue ajudar e muito nas despesas.

A mesma sorte não teve o irmão.  Depois de abandonar os estudos,  arranjou trabalho no que aparecia.  Trabalhava de dia e de noite cantava em bares sempre acompanhando do seu violão.  Muitas vezes virava a noite e não dormia.

Foi assim durante bastante tempo.  Hoje felizmente já só canta.  Vive exclusivamente da música.   A vida lá em casa está mais desafogada, mas a vida dele continua complicada.

- Porquê?

- Deixe.  Outro dia falamos.  Já me alonguei muito, não quero aborrecê-la.

Juliette ouviu tudo isto e pensou que  no meio da sua má sorte ainda é afortunada.

Fuga DuplaOnde histórias criam vida. Descubra agora