Algumas semanas depois.
- Bom dia Bela, já vais trabalhar?
- Já. Vem tomar café comigo.
- Está bem, mas não posso demorar muito. A Carla já ligou. Só vim dar um beijo nos pais.
- Quando vais dar um chute nessa mulher?
- Eu bem queria, mas não é tão simples assim.
- Mano, tu és novo. Esse relacionamento é tóxico. Afasta-te enquanto podes.
- Ela persegue-me onde quer que vá e agora com o diagnóstico da doença dela, não tenho coragem de sair de casa.
- Já pensaste que esse diagnóstico só apareceu quando ias falar em separação?
- Achas que é falso? Ela não teria coragem de inventar isso.
- Teria! Ah se teria.
- Não acho. Eu falei com o médico dela.
- Médico que só viste naquele dia.
- Sim. Ela ia às consultas sempre sózinha.
- Abre o teu olho, Rodolffo! A mana é mais nova, mas sente o cheiro de piranha ao longe. Ela não quer é abdicar da boa vida que tem.
Casa, carro, dinheiro para luxos e trabalhar que é bom, nada.- A casa é dela.
- Volta para aqui. Não te sacrifiques mais.
- Obrigado, mana. Já vou indo. Olha, ela a ligar outra vez.
- Vai lá, mano lindo. Descansa pelo menos.
- Sim, boneca do mano.
Rodolffo entrou em casa e Carla estava furiosa.
- Onde estiveste? O espectáculo terminou há horas.
- Fui visitar os meus pais. Atrasei-me porque estive a conversar com a Bela.
- A falar mal de mim, de certeza.
- Carla, pelo amor de Deus. Estou cansado, preciso de dormir.
- Cantas de noite, dormes de dia. Não sobra tempo para mim. Eu fico sempre sózinha.
- Arranja um emprego. Vais ver que depois não tens tanto tempo livre.
- Trabalhar? Eu não nasci para isso.
- É o que faz falta. Vou deitar-me.
- Vou ao cabeleireiro. Vais almoçar comigo?
- Não. Vou dormir o dia todo.
- Depois não te admires se um dia te trocar por outro.
Vou passar a tarde fora.- Deus te oiça, a ver se me vejo livre de ti, disse ele baixinho.
- O quê?
- Não há muitos trouxas como eu.
- Eu sei que só estás comigo porque estou doente.
- Ainda bem que sabes.
Subi para o quarto e fechei a porta.
Já não suportava sequer ouvir a voz dela.Eu e Carla envolvemo-nos numa noite após um espectáculo e a princípio tudo parecia maravilhoso.
Aceitei ir viver com ela e a partir daí foi só ladeira abaixo. Ela ficou grávida e não passou um mês que ao chegar a casa a encontrei chorosa.
Tinha vindo do hospital porque tinha sofrido um aborto espontâneo.
Fiquei de pé atrás, mas ela tinha documentos que atestavam a sua entrada no hospital e também do diagnóstico.
Foi depois desse dia que tudo desandou. Ela tornou-se controladora e possessiva.
Num dia eu saí para um espectáculo e disse-lhe que no regresso precisávamos conversar.
Então quando me sentei para terminar a relação, antes de eu falar, ela apresentou-me o relatório do médico dela com o diagnóstico de câncer nos pulmões.Mesmo assim eu falei o que tinha a falar, mas que não ia abandoná-la.
Agora, deitado na minha cama, na minha cabeça ainda está presente a conversa com a minha irmã, hoje cedo.
