III

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Algumas semanas depois.

- Bom dia Bela, já vais trabalhar?

- Já.   Vem tomar café comigo.

- Está bem, mas não posso demorar muito.  A Carla já ligou.  Só vim dar um beijo nos pais.

- Quando vais dar um chute nessa mulher?

- Eu bem queria, mas não é tão simples assim.

- Mano, tu és novo.  Esse relacionamento é tóxico.  Afasta-te enquanto podes.

- Ela persegue-me onde quer que vá e agora com o diagnóstico da doença dela,  não tenho coragem de sair de casa.

- Já pensaste que esse diagnóstico só apareceu quando ias falar em separação?

- Achas que é falso?  Ela não teria coragem de inventar isso.

- Teria!  Ah se teria.

- Não acho.  Eu falei com o médico dela.

- Médico que só viste naquele dia.

- Sim.  Ela ia às consultas sempre sózinha.

- Abre o teu olho, Rodolffo!  A mana é mais nova, mas sente o cheiro de piranha ao longe.  Ela não quer é abdicar da boa vida que tem.
Casa, carro, dinheiro para luxos e trabalhar que é bom, nada.

- A casa é dela.

- Volta para aqui.  Não te sacrifiques mais.

- Obrigado,  mana.  Já vou indo.  Olha, ela a ligar outra vez.

- Vai lá, mano lindo.  Descansa pelo menos.

- Sim, boneca do mano.

Rodolffo entrou em casa e Carla estava furiosa.

- Onde estiveste?  O espectáculo terminou há horas.

- Fui visitar os meus pais.  Atrasei-me porque estive a conversar com a Bela.

- A falar mal de mim, de certeza.

- Carla, pelo amor de Deus.  Estou cansado, preciso de dormir.

- Cantas de noite, dormes de dia.  Não sobra tempo para mim.  Eu fico sempre sózinha.

- Arranja um emprego.  Vais ver que depois não tens tanto tempo livre.

- Trabalhar?  Eu não nasci para isso.

- É o que faz falta.  Vou deitar-me.

- Vou ao cabeleireiro.  Vais almoçar comigo?

- Não.   Vou dormir o dia todo.

- Depois não te admires se um dia te trocar por outro.
Vou passar a tarde fora.

- Deus te oiça, a ver se me vejo livre de ti, disse ele baixinho.

- O quê?

- Não há muitos trouxas como eu.

- Eu sei que só estás comigo porque estou doente.

- Ainda bem que sabes.

Subi para o quarto e fechei a porta.
Já não suportava sequer ouvir a voz dela.

Eu e Carla envolvemo-nos numa noite após um espectáculo e a princípio tudo parecia maravilhoso.

Aceitei ir viver com ela e a partir daí foi só ladeira abaixo.   Ela ficou grávida e não passou um mês que ao chegar a casa a encontrei chorosa.

Tinha vindo do hospital porque tinha sofrido um aborto espontâneo.

Fiquei de pé atrás, mas ela tinha documentos que atestavam a sua entrada no hospital e também do diagnóstico.

Foi depois desse dia que tudo desandou.  Ela tornou-se controladora e possessiva.

Num dia eu saí para um espectáculo e disse-lhe que no regresso precisávamos conversar.
Então quando me sentei para terminar a relação,  antes de eu falar, ela apresentou-me o relatório do médico dela com o diagnóstico de câncer nos pulmões.

Mesmo assim eu falei o que tinha a falar, mas que não ia abandoná-la.

Agora, deitado na minha cama, na minha cabeça ainda está presente a conversa com a minha irmã,  hoje cedo.

Fuga DuplaOnde histórias criam vida. Descubra agora