36 | Um tiro no escuro

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I've known it from the very start
We're a shot in the darkest dark
Oh no, oh no, I'm unarmed

Eu sabia desde o início
Somos um tiro no mais profundo escuro
Essa não, essa não, estou desarmada


Say Don't Go

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A iluminação no Johan Cruyff realça a garoa fina e insistente que estamos enfrentando desde o início do treino. Não é qualquer dia que podemos treinar num estádio, mas teremos um jogo aqui amanhã e já estamos nos preparando para ele.

Eu me sinto minúscula, mesmo que o Johan não seja uma estrutura tão imponente assim. É maior do que muitos lugares em que joguei e me lembra do meu primeiro dia no Barça, neste mesmo gramado. Chega a ser irônico.

A luz recai sobre a grama molhada, onde encaro meus próprios pés e toco uma bola de um lado para o outro. O som da conversa das outras jogadoras vem de todos os cantos, mas não perco muito tempo as observando. Toda vez que faço isso, é inevitável encontrar Connie entre as demais.

Já estamos encerrando as coisas por aqui. São sete horas da noite e o treino só se estendeu tanto porque começou mais tarde, para dar tempo de todas as atletas que chegaram ontem do Brasil, inclusive eu, se recuperarem do voo longo. Tivemos a manhã e o início da tarde livres, e durante todo esse tempo eu evitei mandar mensagem para Connie.

Ainda não estou pronta para arrancar o Band-Aid.

Eu me sinto fria, por dentro e por fora. A camiseta do uniforme está grudada no meu corpo, depois de horas nesse clima, e as mangas longas estão geladas contra os meus braços.

Na minha concepção, a ordem dos acontecimentos de agora em diante é: um banho quente, depois adeus.

É simples e direto. Não há necessidade de drama, ou de postergar ainda mais o que Connie e eu sabemos que vem pela frente.

As vozes das meninas começam a se afastar e finalmente dou meia volta, erguendo o queixo e deixando de lado a bola com que me distraía. Todo mundo está se dirigindo até o vestiário, e Alvarez já sumiu de vista, restando apenas dois auxiliares fazendo movimentos com as mãos, nos urgindo a entrarmos logo e pararmos de enrolar. Contra o fluxo de pessoas indo embora, Connie caminha na minha direção.

Diferente de mim, ela não usa a camisa de manga comprida do uniforme de treino, só a regata cinza normal, o calção e as meias compridas. Está com o cabelo solto e o elástico dele entre os dentes. Enquanto anda, junta os fios no alto e começa a prendê-los de novo, reorganizando o coque apertado. Sob a luz forte do estádio e as gotas suaves da chuva, ela me encara com a intensidade de um Senhor Darcy indo pedir a mão da Lizzie Bennet em casamento.

Meu coração se acelera. Meu peito dói.

Eis o problema em ver filmes como Orgulho & Preconceito: eles criam expectativas inatingíveis.

— Não vai entrar? — ela pergunta quando chega perto o suficiente, depois para a alguns passos de mim.

Eu suspiro, tomando uma decisão. Preciso acabar logo com isso. O banho quente vai ficar para mais tarde.

— Na verdade — digo —, pode ficar um pouco comigo aqui?

Ela assente, sua mandíbula endurecendo. Para além dela, avisto Emily, na outra extremidade do estádio, parando de andar e olhando para trás, na nossa direção. Aceno para ela e, depois de alguns segundos de hesitação, minha amiga decide me permitir esse momento com Connie, sua arqui-inimiga não declarada.

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