Capítulo 56 - Lembrança

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Os olhos de Kirk lacrimejavam, estava com o nariz vermelho, o cabelo bagunçado. Marcas de sofrimento. Samanun o acompanhava até onde estava Jim. Um vidro a separava de Kirk. Ele limpou uma das lágrimas que teimavam descer por seu rosto.

- Como vai ser, hein?! – Kirk se perguntou.

- Dolorido. Irreversível... Cara, eu já passei por isso. A dor é tão grande, o medo também. Parece que se pisa em um buraco sem fundo e você não para de cair... Você vai escutando as vozes das pessoas cada vez mais longe, os rostos de pessoas que estão perto da gente, tudo fica tão inalcançável e você se fecha para não sentir dor. – Baixou os olhos, comovida. – Quando eu abri os olhos...

- Quando a Mew morreu, você saiu de casa, estava pensando em que?

Samanun fez um gesto negativo.

- Não sei. Talvez inconscientemente em morrer junto com ela. – Limpou uma das lágrimas do irmão. – Enchia minha cara e pegava estrada bêbada. Dias sem pôr nada de comer na boca, sem tomar água. Só vodca, uísque pra baixo. Mergulhei fundo mesmo. Até cheirar eu cheirei. – Kirk ergueu os olhos surpreso. – Foi uma vez, mas cocaína não é minha praia... Fiquei quase uma semana sem conseguir dormir. Quase enlouqueci. Fiquei só na bebida. Me meti em encrenca de polícia, cansei de passar noite em cadeia... Corria tanto com a moto, eu fingia que tinha pressa para chegar em casa para ver meu filho. Quando eu conseguia ficar sóbria eu me sentia toda errada. Culpada, como se a minha vida estivesse toda torta. – Outra pausa. - Entortei tanto que quando eu dei por mim, estava metida no meio de guerra, conflito, explosão... Teve um dia que eu me olhei no espelho de casa e vi meu pai, quando ele estava na pior fase do câncer. Se vocês me vissem vocês pensariam que eu estava em estado terminal. Cheguei a pesar 43 quilos. E já estava dessa altura toda... Eu vivi um porre de três anos, Kirk. Era dor demais que eu sentia.

- E quando caiu a ficha?

- Quando mandaram a gente de volta do Irã aqui para a Tailândia . Eu ia parauma cidadezinha, mas o avião fez escala perto da capital. Era verão, finalzinho de tarde o céu estava laranja... Da janela do avião dava pra ver aquele marzão todo brilhando... Aquelas montanhas, os pontos turísticos... No avião tinha uma japonesada doida toda animada que ia conhecer a cidade. Ai eu notei que por mais que eu não quisesse eu tinha ficado... E ficado para viver. Eu não podia ser uma morta em vida. E se eu quisesse morrer, eu sou médica, eu sei fazer isso melhor do que qualquer outra pessoa. No fundo eu não queria morrer, então eu tinha que tentar seguir em frente. – Kirk fez um gesto afirmativo. - Desci no aeroporto, peguei um táxi, pedi para o motorista tocar para o centro da cidade. Peguei minhas coisas, joguei na primeira pousada que encontrei e corri para praia. Primeiro entrei naquele mar lindo... Deixei a onda me derrubar, tomei caldo, mergulhei, parecia criança quando conhece o mar. É tão mágico... Depois pedi uma água de coco, tomei direto do coco, sem canudo, me molhando toda... Acho que eu parecia uma exilada política de volta ao seu país. – Baixou os olhos. - Sabe Kirk, maltratei muita gente nesses dez anos... minha família, meu filho, as pessoas que gostam de mim de verdade, mas quem mais se machucou no final disso tudo fui eu. – Fez uma pausa. – A Noot não pode se maltratar como eu fiz. Eu tentei salvar a Bu de todas as formas possíveis e imagináveis. A Djih também. Eu ouvia os comandos dela da minha sala. Quando terminei de estabilizar a Jim, pedi para os meninos fecharem e fui ver a Bu. Me troquei, me lavei, quando cheguei aqui, ainda estavam tentando trazer de volta. Ficamos quase uns vinte minutos nessa, mas a bala estava em um lugar muito delicado, muito difícil de salvar. Essa dor de perder quem a gente ama é grande... Ela vai precisar muito da gente para sobreviver sem a noiva. – Kirk fez um gesto afirmativo. Samanun deu um tapinha leve em seu ombro. – Cuida direitinho da tua morena... – Apontou com o queixo em direção a Jim. – Isso é o Hulk disfarçado de patricinha, mesmo baleada ela estancou a hemorragia da Bu direitinho. Um cavalo de força. Vou beber uma água lá fora.

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