Capítulo 04

471 29 3
                                    

Victor

— Vi o comunicado que você mandou. Esse tipo de coisa costuma sair do setor de RH — Cristian me falou.

O presidente da RCS era um grande amigo meu e me conhecia há muito tempo. Apesar de ser bem mais jovem, Cristian era muito maduro e um excelente administrador. Quando assumiu a empresa, seu pai Octávio Servantes praticamente se aposentou para cuidar de assuntos familiares. Aquela mudança de ares havia dado a nós dois mais liberdade para dirigir o grupo RCS, porém nos deixou com muito mais trabalho. Precisávamos de um outro diretor com urgência e ainda não havíamos encontrado alguém adequado.

— Não vi por que enviar ao RH se eu mesmo já tinha o texto pronto — respondi.

— Sabe, Victor, eu suspeito que você tinha o intuito de atingir alguém em específico — Cristian começou a falar. — Esse item da saia é por causa da Lisa?

— É claro que não — menti. — Apesar dela também precisar dessa correção. Não acho que no ambiente de trabalho uma mulher deva usar uma saia tão curta.

— Bem, já vi a dona Vera usar saias do mesmo tamanho e você nunca reclamou.

— Ela é uma senhora e não chama atenção desse jeito...

— Então a Lisa te incomoda. — Se inclinou sobre a mesa. — Ela desvia a sua atenção?

Eu sabia onde o meu amigo queria chegar e não cairia naquela armadilha.

— Nem pense em dizer que estou interessado na Lisa. — Revirei os olhos. — É uma mulher sem refinamento, chata e, se quer saber, nem a acho bonita. Definitivamente não faz meu tipo. Já percebeu que não tem um namorado direito desde que entrou aqui? Ninguém deve aguentar uma mulher daquelas. Tem que ser muito desesperado para namorar a Lisa.
Cristian riu.
— Sabe, era só responder sim ou não, e você fez um discurso. Anda pensando demais no assunto. 
Eu fiquei furioso comigo mesmo, pois realmente me alonguei demais justificando minha repulsa pela Lisa.
— Enfim, já é final do dia e ela não veio reclamar, então não há com o que se preocupar.
Confesso que esperei por ela. Ensaiei o que diria quando ela viesse me confrontar, pois apesar de negar, eu realmente quis fazer algo para irritá-la tanto quanto ela me irritou naquela manhã. Lisa, no entanto, não deu as caras e eu confesso que fui tomado pela decepção.
— Bem, espero que você seja razoável com ela na viagem para a Argentina. Sei que já pode constatar que ela tem grande capacidade. Então, por favor, não tente sacanear a Lisa, certo?
— Que seja!
Eu saí da sala do Cristian. Do jeito que ele andava enxerido, não duvidava nada que tinha armado para que eu viajasse com a Lisa só para provar suas teorias malucas.
O dia terminou sem que Lisa viesse me questionar sobre o comunicado e aquele silêncio me deixava desconfiado. Fui embora para casa onde agora eu tinha um hóspede bastante expansivo no qual eu chamava de pai.
Romeu Herrera era um homem ainda muito forte e cheio de disposição. Muitos o consideravam uma companhia agradável, mas alguns fatos do passado nos afastaram por muito tempo. Haviam sete anos que não nos víamos pessoalmente, pois ele cuidava das propriedades agrícolas e pecuárias da nossa família em Goiás e eu não colocava meus pés lá desde o falecimento da mamãe.
Eu estava num cargo secundário de Diretor na RCS e pouca gente sabia que minha família tinha outros negócios ainda maiores e mais rentáveis espalhados pelo centro-oeste do Brasil. No entanto, aquela empresa ali em São Paulo era onde eu me sentia conectado com a lembrança da minha mãe. Ela havia investido no grupo quando Octávio Servantes ainda estava iniciando o negócio. Sentar na cadeira da diretoria que seria dela fazia com que eu me sentisse próximo, como se eu estivesse cuidando do que era dela.
Cheguei em casa e fiz a rotina de sempre. Banho e depois duas horas na academia que eu havia montado no salão próximo à área de lazer. Malhar era o meu jeito de expurgar os sentimentos descontrolados que tentavam me dominar.
Era hora do jantar quando encontrei meu pai na copa, vestido com uma roupa elegante demais para alguém que estava dentro de casa. Meu pai era assim, gostava de se vestir bem o tempo todo e dificilmente eu o via desalinhado. Quando eu era pequeno, olhava para ele e o achava tão incrível quanto um rei. Eu era criança e queria ser como ele.
Eu ainda queria...
No entanto, alguns erros meus na juventude tiraram de mim aquela camaradagem que uma relação de pai e filho podia proporcionar. Não ficava à vontade com ele, porque sentia que toda vez que ele me olhava, recordava de toda a minha ingratidão e tolice cometidas. E, se ele ele mesmo não se lembrava, pelos menos era o que aconteceria comigo quando eu estava em sua presença.
— Eu achava estranho que você tivesse contratado um chef de cozinha homem, mas devo confessar que o seu cozinheiro é realmente espetacular. Esse peixe está muito bom. — Ele sorriu para mim. — Sente-se aqui.
— Sim, obrigado. — E enquanto sentava, me dava conta que não precisava agradecer o convite para sentar na minha própria mesa. — Direi ao Moacir.
— Filho, quantos anos você completou esse ano? Trinta e oito?
— Sim — respondi, já prevendo o assunto que se seguiria. — E não pai, não pretendo me casar.
— Você é meu filho único — ele começou mesmo assim, bebericando o vinho. — Não pode deixar que nossa descendência morra com você. Quero netos.
— Você é obstinado pai, falou “netos” no plural.
— Eu errei em ter um filho só. Na ocasião, sua mãe e eu achamos que seria melhor para você, mas hoje vejo que foi um erro. Deveríamos ter tido ao menos três crianças.
— Infelizmente, pai, acho que não haverá nenhuma criança nessa família — declarei com calma, me servindo da comida.
— Realmente não vai ter, se continuar a se envolver com essas garotinhas que você traz para casa. — E quando viu meu olhar irritado sobre ele, Romeu não se intimidou e continuou seu discurso. — A última vez que conheci uma namorada sua, era uma garota desmiolada que mal sabia manter uma conversa. Ela passou o tempo todo vendo vídeos bobos no celular e você nem ao menos conversava com ela.
— Talvez eu não goste de conversar...
— Você não é mais um moleque, Victor. O homem chega numa idade que apenas um corpinho quente na cama não serve. Precisa de companhia, de ter alguém com quem dividir a vida e...
— Então, porque não se casou novamente, pai? — rebati. — Se um homem não pode se bastar sozinho, você foi um péssimo exemplo, pois tem mais de quinze anos que a mamãe faleceu e você nunca mais se casou. — Percebi que estava me exaltando e tentei manter a calma.
— Talvez eu deva — ele concordou, fitando a comida em seu prato. — Talvez eu possa fazer outro filho ainda, não acha?
Ficamos em silêncio. Apesar de tudo que falei para meu pai, não queria decepcioná-lo. Eu sabia que a última coisa que ele queria era que tudo o que havia criado com tanto esforço ficasse para algum parente com o qual ele nem tinha mais laços. De certa forma, eu também não gostaria disso, mas não queria dizer.
Infelizmente, eu ainda não havia conseguido entregar meu coração para nenhuma mulher. Eu não confiava nelas, porque eram astutas e se soubessem que eram amadas, usavam isso para pisotear o coração do homem.
Meu pai parecia ler meus pensamentos, então, antes de se retirar da mesa, me encarou com olhos afetuosos e colocou a mão no meu ombro.
— Filho, uma hora você tem que superar aquela história com a Virginia Baccetto — falou. — Você merece ter alguém que te ame, mas isso só vai acontecer quando você se der uma chance. Tenho certeza de que sua mãe ia querer isso.
Então ele saiu, sem me dar a chance de contradizê-lo. Lembrar da minha mãe sempre me doía demais. Fazia tanto tempo que ela tinha falecido e parecia que eu ainda tinha tanto para dizer para ela, mas não podia. Eu sentia falta dela e agora que meu pai estava ali na minha casa, percebia o quanto a presença dele me fazia falta também. Mas eu não merecia que meu pai se preocupasse comigo.
Naquela noite meu sono foi perturbado.

Incontrolável - Subjugada pelo desejo Onde histórias criam vida. Descubra agora