Capítulo 46

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Victor

Confesso que me doeu o coração ver Lisa entrar no prédio onde morava correndo ansiosamente. Minutos antes ela parecia segura demais quanto a própria situação familiar, então achei que reagiria bem à notícia sobre a mãe dela. Então fiquei surpreso quando a mulher decidiu ir embora imediatamente para ter uma conversa com Gigi, sem se importar com o tardar da hora.

Por que eu me surpreendia? Lisa sempre foi assim, impetuosa. Jamais deixaria uma conversa importante daquelas para qualquer outro momento que não aquele. Eu precisava confiar nela, na sua capacidade de filtrar as coisas, de discernir corretamente.

Eu tinha medo que Gigi, com seu jeito todo manipulador, conseguisse afastá-la de mim. Lutaria contra aquilo com todas as minhas forças.

Naquela noite, eu não dormi. Fiquei o tempo todo conferindo o celular, para saber se minha namorada mandaria mensagens, até que desisti e como o sono não vinha, sentei-me na sala e assisti a um filme qualquer exibido durante a madrugada.

Quando amanheceu, eu estava cansado e justamente quando precisava me levantar, é que a vontade de dormir viera. Poderia ficar em casa e dar uma desculpa qualquer para não trabalhar, mas eu estava ansioso para encontrar Lisa no trabalho.

— Espero que isso não nos afete — falei para Maribel quando a encontrei na RCS. — Finalmente nos acertamos e não posso perder a Lisa.

— Talvez ela fique deslumbrada no começo, mas depois vai cair na real porque não é uma mulher burra. Até lá, tenha paciência e continue tratando bem a Lisa para que fique claro quem realmente se importa com ela.

— Obrigada, Maribel — agradeci e então abracei a mulher. — Estou feliz que meu pai se envolveu com uma pessoa boa como você. Sempre foi uma das minhas pessoas favoritas.

— Quem ia imaginar que Romeu ia se interessar por mim também? — Sorriu. — Minha vida também não é fácil, tenho um ex-marido inconveniente e meu filho mais velho é ciumento, mas estava na hora de eu ser feliz também, não é?

— Com certeza.

— Vou ver se a Lisa chegou no setor dela. Peço para ela vir aqui?

— Sim, por favor.

Fui para minha sala, comecei a ler os e-mails, mas antes que tivesse respondido metade das mensagens, Lisa entrou.

Estava visivelmente cansada, abatida e tinha o cabelo preso num coque estranho, como se tivesse saído de casa atrasada demais para se arrumar, algo que definitivamente não era típico dela. Me cumprimentou com um beijo rápido nos lábios e então se sentou na poltrona ao lado da janela.

— Não me parece bem — comentei. — Quer conversar?

— Sim — disse, olhando finalmente nos meus olhos. — Quando fui atrás da Gigi ontem, estava mais irritada do que feliz, para dizer a verdade. Desculpa se saí da sua casa como uma louca, mas eu tinha muitas perguntas.

Fui até ela e me agachei ao seu lado, escorando a mão sobre seu colo.

— Eu imagino. E como foi a conversa?

— Estranha — contou, se forçando a sorrir. — Eu sinceramente não sei distinguir quando Gigi está sendo verdadeira. Ela diz coisas muito comoventes e quando estou ao lado dela me sinto compelida a acreditar em cada vírgula da narração, mas quando me afasto, fico sozinha revendo tudo o que conversamos, algumas coisas parecem não se encaixar.

— Ela é realmente a sua mãe? Te mostrou alguma comprovação disso?

— Mostrou um monte de coisas. Registro dela no mesmo hospital que nasci, foto de gestante, essas coisas. O melhor jeito é fazer um teste de DNA. Combinamos de irmos juntas a uma clínica na próxima semana.

— Sim, é a melhor coisa — concordei. — E qual o seu sentimento em relação a ela?

— Queria ficar brava com ela, sabe? Mas não consegui. Ela começou a me contar como ficou grávida de um homem ruim que batia nela. Aí mostrou um boletim de ocorrência que fez antes do meu nascimento, para mostrar que já tinha denunciado e nada resolvia. — Respirou longamente. — Acho que seria mais seguro para ela e para mim que meu pai não soubesse da minha existência.

— Gigi sempre viveu de um jeito inconsequente. Eu não duvido que tenha tipo esse tipo de relacionamento com um cara perigoso.

Lisa passou a mão no meu cabelo.

— Pois é. 

— E você vai contar para sua família?

— Liguei para Theodora logo pela manhã e concordamos que devo esperar o exame de DNA antes de falar qualquer coisa para os meus pais. A última coisa que quero no mundo é magoá-los.

— No que precisar, conte comigo, lindeza. — Alisei-lhe a perna, tentando passar um pouco de conforto a ela. — Faço qualquer coisa por você, sabe disso?

— Obrigada. E não se preocupe, não vou exigir que você confraternize com a Gigi. Eu mesma não decidi ainda que tipo de relacionamento quero ter com ela, se for realmente minha mãe.

— Vem, vamos tomar um café.

Estávamos tomando café na copa da presidência quando Maribel veio correndo atrás de mim.

— Victor, deixou seu carro estacionado fora do prédio, hoje?

— Sim. Cedi minha vaga para o Valdeci Santoro que veio a uma reunião com Octávio Servantes...

Os carros em geral ficavam estacionados no sol, mas os diretores tinham o privilégio de uma vaga em área coberta. Eu sabia que Valdeci Santoro, pai de Betina, não andava bem de saúde e quis ser gentil. Infelizmente não havia mais vagas nos limites do prédio e como não seria por muito tempo, deixei o veículo parado do lado de fora.

— Por que, Maribel?

— O segurança está pedindo para descer imediatamente agora. Aconteceu alguma coisa com seu carro.

Lisa colocou a mão no meu braço, preocupada. Descemos rapidamente pelo elevador e quando chegamos lá, meu veículo se encontrava em chamas. Levei as duas mãos à cabeça, perturbado.

— O que aconteceu aqui?

— Escutamos um estrondo. — O segurança do prédio veio. — Acho que explodiu. Não escutaram? Demorou para vermos que era o carro do senhor.

— Meu Deus, o que faz um carro explodir? — Lisa perguntou e ia atravessar a rua para olhar mais de perto quando eu a impedi.

— Ninguém chega perto até a chegada dos bombeiros. É perigoso.

Aos poucos os funcionários da RCS foram aparecendo na calçada para olharem o ocorrido. A maioria só observava por menos de cinco minutos, batia foto e voltava para dentro do prédio.

Os bombeiros vieram e apagaram o fogo. A polícia também apareceu e examinou o veículo, que parecia não apresentar mais perigo.

— Sr. Herreira? — perguntou o policial.

— Sou eu.

— Achamos isso no carro, é do senhor?

O policial mostrou uma peça de ferro redonda, muito parecido com um distintivo onde constava a letra J e abaixo em letras menores “Jujita”.

— Desconheço. É seu, Lisa?

— Nem sei o que é isso.

— É o símbolo de uma facção criminosa — disse o policial. — Parece que alguém tentou mandar um recado para o senhor. Não era a intenção ferir alguém pelo que percebemos, mas de assustar o dono do veículo ou enviar um alerta.

— Eu nunca tive nenhum envolvimento com esse tipo de pessoa.

O carro foi guinchado e um tempo depois os policiais e bombeiros se retiraram do local. Ela estava muito preocupada comigo.

— Quem poderia te querer mal?

A Virginia, pensei, mas não podia falar aquilo em voz alta porque a maldita mulher era mãe da Lisa.

Incontrolável - Subjugada pelo desejo Onde histórias criam vida. Descubra agora