Capítulo 50

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Lisa

Quando acordei, ainda estava no carro. Seja lá o que tinha naquela bala não foi o suficiente para me manter desacordada por muito tempo. Talvez a bala  já estivesse velha, ou porque eu não chupei toda, pois achei amarga e joguei metade fora sem que Gigi percebesse.

Mas eu me mantive com os olhos fechados, imóvel, como se ainda estivesse inconsciente. Na verdade, eu tentava entender porque a mulher que me chamava de filha tão carinhosamente me sedou. Não fazia o menor sentido.
Ela começou a falar no celular enquanto dirigia de maneira perigosa. Sua voz era animada e parecia uma Gigi totalmente diferente da que eu estava acostumada.

— Sim, deu tudo certo… Está dormindo como uma princesa. — Riu. — É bonita, sim, mas não vou deixar vocês fazerem nada de errado com ela.

Em seguida, ela bufou.

— Eu sou a única mulher que tem permissão para tocar em você, anjinho.

O carro passou por um buraco e bati a cabeça no vidro, porém suprimi um gemido de dor, pois queria ouvir o restante da conversa dela.

— E eu gostei dela, mas teve azar. O azar dela foi minha sorte, nunca pensei que seria namorada do Vic. — ela deu uma risada. — Se o Romeu tivesse me dado o dinheiro não teria chegado a tanto.

Virgina fez uma pausa, ouvindo o que diziam do outro lado da linha. Eu não conseguia ouvir o que a outra pessoa falava, mas acreditava que era um homem, provavelmente algum amante dela.

— O patife do Herreira vai pagar o quanto a gente quiser de resgate. Sei que ela não é parente, mas essa mulher é importante para o Victor. Eu sei como ele vira um imbecil quando está apaixonado e o pai faz tudo pelo filho. É claro que teremos o dinheiro. — ela contou, convicta. Depois, sua voz se amoleceu. — Ah, meu bebê, não vejo a hora de chegar aí no Rio de Janeiro para beijar você todinho!

E continuou conversando. Logo estavam discutindo o que fariam com o dinheiro e falando de coisas obscenas que me deixaram constrangida.

Bem, eu precisava fazer algo por mim mesma. Talvez ela estivesse armada, quem saberia? Minha única ideia era saltar do carro e correr. Mas como faria isso? Meu carro era antigo e a porta não tinha fechamento elétrico. Ainda assim, eu teria que tirar o cinto de segurança, levantar o pino da porta, abrir a maçaneta do carro e pular sem que ela tivesse tempo de reagir.

Tentar brigar com a mulher enquanto estava no volante a mais de cem quilômetros por hora era tolice. Mesmo em algum lugar de trânsito mais lento poderíamos bater o veículo e nos ferir seriamente.

Eu precisava me manter imóvel e esperar o momento certo.

— Não daremos dinheiro nenhum para o Yamato! Esse será só nosso, amor — ela falava e ria.

Então, o melhor aconteceu. Percebi que o carro não estava tão acelerado e um caminhão enorme passava por nós fazendo um grande barulho. Aproveitei para tirar o cinto enquanto ela olhava para o lado e o barulho do motor do caminhão velho abafava qualquer movimento meu. Abri a porta com gestos rápidos, puxando o pino com a mão direita e puxando a maçaneta com a esquerda e sem pensar muito, pulei.
Cai rolando, batendo todas as partes do corpo no chão coberto de mato do acostamento e senti que freei quando minha canela bateu com violência no guard-rail. Olhei para frente e vi que o carro freou bruscamente, os veículos atrás de Virginia buzinando ferozmente enquanto alguns motoristas xingavam.
Me arrastei um pouco para frente e percebi que Gigi estava caminhando na minha direção, tentando me encontrar.

— Maldita, apareça! — gritou, irritada. — Não, desculpe a mamãe. — A voz dela se tornou doce. — Você vai entender tudo quando eu explicar, sei o que parece, mas juro que não quero te fazer mal, Lisa.

Para que ficar me escondendo? Lembrei que eu era mais jovem e mais alta que Gigi e então fiquei de pé, mesmo com a perna doendo demais. A não ser que a louca tivesse uma arma escondida, eu iria partir para cima dela.

— Algum problema, moças? — Um motorista parou ao me ver toda machucada.

— Foi só um acidente, meu jovem — Gigi falou, tentando caminhar na minha direção. — Ela é minha filha e tem problemas psicológicos, então fez a loucura de descer do carro em movimento, pode acreditar? Mas levarei ela de volta. Obrigada, você é muito gentil.

Ela falava com aquela sinceridade que ela sabia forjar tão bem e tinha medo de que o homem que tentava ser solidário comigo, acreditasse nela. Então olhei para ele, minhas mãos raladas e um pouco de sangue escorrendo do cabelo para a testa, mas totalmente lúcida.

— Por favor, chame a polícia, moço.

Gigi arregalou os olhos. Ela parou um tempo sem saber se tentava me puxar de volta para o carro, passou a mão pelo próprio corpo percebendo que não carregava nada nos bolsos como uma arma ou qualquer coisa que pudesse me obrigar a segui-la.

Ela era esperta e percebeu que a melhor coisa a se fazer era salvar a própria pele, por isso, correu de volta para o veículo e saiu acelerando entre os carros, como se fosse perseguida pelo próprio demônio.
O rapaz desceu do carro e veio ao meu socorro. Avisei que estava com a perna machucada e que meu celular ficou no carro, então ele me deu uma carona até o posto de gasolina mais próximo.

Quando cheguei ao posto de gasolina, a polícia foi acionada. A dona da lanchonete me deu um copo de água e eu fiquei um tempo tentando entender o que havia acontecido até ali. 

Eu estava começando a gostar da Gigi de verdade. Tinha me abandonado quando criança e agora fizera algo tão ruim quanto, ao tentar me usar para usurpar dinheiro de Romeu Herrera. Abracei meu próprio corpo e permaneci sentada num canto da lanchonete, enquanto aguardava a polícia.

Vi pela janela que duas viaturas policiais passavam velozmente na pista, na sequência um carro conhecido deu seta para a direita e veio em direção ao posto de gasolina. Então vi que era o Victor.

Ele entrou na lanchonete e eu me levantei na mesma hora. Mesmo com a perna doendo, caminhei até ele, mancando, e me atirei em seus braços.

— Graças a Deus, Lisa. — Me abraçou com força. — Nunca mais faça isso.

— Não vou fazer, eu juro!

Afundei meu rosto no peito dele e comecei a chorar tão alto que os clientes da lanchonete param de comer para prestar atenção em mim.

Incontrolável - Subjugada pelo desejo Onde histórias criam vida. Descubra agora