Capítulo 34

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Victor

Quando acordei, os primeiros raios de sol entravam pela janela que estava escancarada.

Meu Deus, será que alguém tinha nos visto? Eu mal havia notado aquilo. Na verdade, eu havia sido imprudente de diversas maneiras.

Olhei para a bela mulher esparramada na cama, cujos lençóis cor de rosa estavam totalmente fora do lugar. Nunca tinha visto alguém dormir sorrindo, como Lisa o fazia naquele momento. Ela estava escondida apenas pelo lençol fino que moldava as suas curvas com suavidade e me peguei admirando-a por um tempo longo demais.

Fui até o banheiro, tomei um banho e usei seu shampoo, que tinha um cheiro bom de chiclete, além do sabonete em formato de flor, daqueles que as pessoas costumavam ganhar de presente. Me vesti e quando voltei no quarto, Lisa tinha rolado para o outro lado da cama, mas sem acordar.

Uma adorável dorminhoca.

Sacudi a cabeça, tentando me livrar daquele encantamento. Não podia me deixar seduzir outra vez. Meu corpo tinha vencido a luta contra a minha cabeça e não podia dizer que estava arrependido, pois fora, inegavelmente, uma noite incrível.

Olhando-a assim, adormecida, parecia inofensiva. Queria-a para mim. Na verdade, eu precisava pensar sobre tudo, entender a situação e então decidir o que fazer da minha vida.

Sai do apartamento dela, tentando fazer o mínimo de barulho para não acordá-la. Eu não saberia como me comportar quando Lisa acordasse. Eu deveria ser frio e distante? Deveria beijá-la? Eu não tinha ideia. 

Assim que fechei a porta, movendo a maçaneta com cuidado, escutei outra porta se abrindo. Então eu a vi.

Virginia.

A mulher chegou a dar um pulinho ao me reconhecer, abriu a boca em sinal de incredulidade, mas logo estava recuperada o suficiente do susto para sorrir maquiavelicamente para mim.

— Há quanto tempo, Vic. — Alisou os cabelos, agora loiros, tentando colocá-los no lugar.

— Infelizmente, não há tanto tempo assim — respondi, entre dentes. — Você saiu direto do inferno só para me atrapalhar. Conseguiu envolver a Lisa nesses seus joguinhos sórdidos.

— Quanto rancor — falou. — Acho que temos lembranças diferentes daquela época. É uma pena, pois ainda nutro um enorme carinho por você. As coisas terminaram um pouco caóticas, mas Deus sab
e que eu não quis prejudicar você...
— Não coloque o nome de Deus no meio dessas coisas! — esbravejei.

Ela balançou a cabeça, como se lidasse com alguma criança teimosa, e então abriu a porta do próprio apartamento e fez sinal para que eu entrasse.

Neguei com a cabeça.

— Não vou entrar aí.

— Se quer brigar comigo eu aceito, mas não vou dar um show para os vizinhos. Acho que algumas coisas ficaram mal esclarecidas entre nós.

Ela tinha razão. Meu bom senso dizia para não confiar nela, e nem entrar naquele apartamento, mas a última coisa que eu queria era que chamássemos atenção o suficiente para Lisa viesse se meter entre nós. O que poderia acontecer de pior? Ela me doparia, por acaso?

Entrei, observando o caos no ambiente. Mal havia um lugar para sentar-se e pela quantidade de tralha empilhada pelo local, não duvidei nada que ela estivesse fugindo. Aquele não era o tipo de lugar que Virginia moraria. Não que ela fosse rica antes, mas sempre teve o nariz em pé e nunca se rebaixaria ao nível dos pobres mortais.

Ela não mudara muito. Tinha rugas e marcas no rosto agora, o cabelo era tingido de outra cor, mas ainda era uma mulher atraente para a própria idade.

— Parece que você cresceu ainda mais, depois daquilo. Homens podem crescer até os vinte e um anos — Virginia disse. — E não tem mais cara de neném. Está muito bonito.

— Não vim aqui para que me elogiasse. Só entrei porque tenho algumas coisas engasgadas que queria ter dito desde aquela época.

— Certo — concordou. — Vou me sentar porque parece que é muita coisa.

— Não, eu serei breve, porque é difícil ficar olhando para você por muito tempo. — A fuzilei com o olhar. — Você foi asquerosa comigo e minha família. Por sua causa, eu fiquei longe da minha mãe quando ela mais precisava de mim!

— Foi você mesmo quem quis ir embora do país.

— Para ficar com você! Eu não era esperto o suficiente, mas hoje, quando lembro dos nossos diálogos, sei que me influenciou de várias formas para tomar aquele rumo. Toda a conversa de como suas amigas amavam a Inglaterra, de como lá era mais evoluído e também sempre me mostrando fotos dos lugares, dos museus, das pessoas… Até que um dia acordei achando que era uma ideia minha fugir para a Europa.

— Sinto muito que meu entusiasmo tenha confundido você. Teria ficado no Brasil, se fosse necessário.

— Mentirosa! — Arregalei os olhos, diante daquela falsa fachada de serenidade. — Você odiava minha família e me usou!

— Engraçado, a mim parece que eu fui usada — disse, com calma. — Sei que você apreciava o quanto eu tinha para te ensinar, sempre ficava muito feliz em estar comigo em todos os aspectos. Eu nunca te negava meu corpo ou meu sorriso. Mesmo depois de todos esses anos você não consegue enxergar todo o meu esforço para te fazer feliz.

— É com esse papinho que convenceu a Lisa, e talvez a Maribel, de que é inocente? Que história usou para convencer Lisa a me seduzir? Qual seria o plano seguinte, ia repetir o mesmo? Me deixar apaixonado por Lisa e depois fazer com que ela destruísse meu coração?

— É claro que não. — Revirou os olhos. — Você continua se expressando do mesmo jeito de quando tinha dezoito anos. Não amadureceu nada, ainda é um garoto. Lisa é um independente e, sinceramente, gosto muito dela ao ponto de achar que você não está a altura...

— Víbora.

— Se desejar alguém melhor para uma amiga querida é ser víbora, então pode me chamar disso aí — Virginia rebateu. — Fiquei muito triste em ver você saindo do apartamento dela e não o outro rapaz. Gustavo? Não… Ah, é, Augusto. Eu o vi poucas vezes, mas olha, é do jeito que um homem de verdade precisa ser.

Ela sorriu à lembrança do homem.

As palavras dela me atingiram em cheio. Tive vontade de levantá-la do sofá, torcer aquele pescoço e tirar-lhe qualquer sorriso melindroso, no entanto, apenas apertei com força o punho e cerrei os dentes.

— Por que a Lisa?

— Somos amigas, apenas isso. Gosto dela. Lisa é o que gostaria de ter me tornado se não tivesse pegado caminhos tão tortuosos. E por isso mesmo não quero que cometa os mesmos erros. Ficar com você, com certeza, é um erro. Não lida bem com os próprios sentimentos, isto está claro. — Começou a enumerar. — Não sabe perdoar, é impaciente e sempre joga a culpa nos outros. Lisa é um mulherão, Vic. O que ela tem é pouco, mas ganhado com o próprio suor, não com o dinheiro do papaizinho.

— Não entendo por que está tão aficionada com a Lisa.

— Tenho os meus motivos.

— Seus motivos são fortes o suficiente para recusar dinheiro? — indaguei, de repente, surpreendendo a mim mesmo. — Quanto você quer para se afastar da Lisa, para sempre?

— Não acredito que está me propondo isso...

— Ah, você não me engana. Tudo o que sempre quis foi dinheiro e duvido que a idade tenha suavizado sua ganância. Quero você longe da Lisa, para que ela possa agir sem sua influência e aí...

— E aí ficar com você? — questionou, se levantando.

— Isso mesmo! — bradei.

— Não quero seu dinheiro, não pode comprar minha amizade com Lisa por esmola. E você caiu ainda mais no meu conceito. Eu tenho motivos fortes para não me afastar dela. Aliás, farei de tudo para que ela não acabe com um patife como você. Toda a família Herrera fede!

— Bruxa!

— Saia da minha casa agora — Virginia ordenou e minha vontade foi de permanecer exatamente ali, apenas para contradizê-la, mas seria um ato muito infantil.

— Sim, eu não aguentava mais o cheiro de enxofre que exala dessa casa — falei, andando até a soleira da porta. — Mas não acredito em você, Virginia, nem um milímetro e vou descobrir exatamente o que está tramando.

— Passar bem! — Ela bateu a porta com força e quase me acertou.

Fechei os olhos por cinco segundos para colocar os pensamentos em ordem novamente antes de seguir em direção ao meu carro.

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