Capítulo 48

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Lisa

Eu estava na sala de Victor e discutíamos sobre a segunda filial na Argentina. O problema é que uma reunião com apenas nós dois não fluía bem, pois a todo momento Victor parava o que estava fazendo para me dar pequenos beijos no pescoço, já que eu tinha lhe pedido que não borrasse o meu batom novamente.

Olhei para o celular e havia dezenas de mensagens da Gigi e mais tantas tentativas de ligação. Ela me pedia para ir urgente ao apartamento dela.

Eu ainda não tinha me decidido sobre como me sentir a respeito dela. Não conseguiria chamá-la de mãe mesmo que o exame de DNA desse positivo, mas havia sim um carinho que crescia. Eu percebia que talvez tivesse herdado meu temperamento dela e estava animada para saber o que tínhamos mais em comum. Não perguntaria sobre meu pai até ter certeza que ela era minha mãe.

— Victor, eu vou para casa agora, se importa? — eu disse, pegando minha bolsa. — Eu tenho um assunto para resolver e volto logo após o almoço.

— Está tudo bem? É algo que precise de ajuda?

— De forma alguma. Pode continuar aí. Ah, aliás, o Augusto falou que tinha algo para me entregar hoje. Pode pegar para mim?

— Eu vou adorar encontrar com ele no seu lugar. Não confio nele.

— Bobo.

— Meu pai vem daqui a pouco também. Eu e ele também vamos receber uma visita. Talvez Augusto até queira se juntar a nós para tratar do assunto.

Nos despedimos com bom um beijo rápido nos lábios.

As mensagens de Gigi pareciam tão desesperadas que eu dirigi rápido ao apartamento. Talvez ela estivesse passando mal, pois da ultima vez que teve um resfriado forte que a deixou acamada, ela não quis ir ao hospital e ficou em casa a base de antigripal e chá até passar.

Quando cheguei no prédio, percebi uma movimentação estranha. O porteiro logo abriu o portão para que eu entrasse e corri até o andar do apartamento de Gigi, que ficava ao lado do meu. Algumas pessoas estavam no corredor e uma vizinha que eu só conhecia de vista amparava Gigi nos braços. Ela parecia chorar.

Trotei até onde estavam e percebi que o apartamento de Gigi estava arrombado.

— O que aconteceu, Gigi?

— Parece que arrombaram o apartamento dela — falou uma pessoa. — Eu mesmo não ouvi muita coisa, mas dá para ver que fizeram uma bagunça.

— Chamaram a polícia?

— Não levaram nada! — Gigi falou. — Obrigada a todos, eu vou entrar e decidir o que fazer.

— A senhora deveria chamar a polícia — gritou alguém que estava mais longe de nós.

Gigi pegou meu braço e me puxou para dentro do apartamento. Senti que ela tremia o corpo todo e tinha as mãos suarentas. A porta estava com o trinco quebrado e ela a escorou com uma cadeira para mantê-la fechada.

— Eu não posso chamar a polícia — falou, com a voz embargada. — É o mesmo que assinar minha sentença de morte.

— Sabe quem fez isso?

— Eu acho que a mesma pessoa que explodiu o carro do Victor. — Ela foi até a mesa e trouxe um envelope amarelo. — Olha o que deixaram aqui.

Peguei o envelope. Haviam fotos. Muitas e não apenas da Gigi.

Em uma foto eu entrava de mãos dadas com Victor na RCS. Em outra era possível ver Gigi perto de mim através da janela do apartamento. Haviam também fotos dos meus pais Esmeralda e Reginaldo no supermercado. Quase todo mundo que me importava estava ali e fiquei assustada, pois as fotos pareciam terem sido tiradas muito de perto.

— Estou devendo muito dinheiro e agora sabem que eu tenho você e que você também tem família — disse, sem conseguir esconder o nervosismo. Os olhos estavam vermelhos e as faces rosadas. Ela prendeu o cabelo de um jeito estranho, despreocupada com a própria aparência, o que era incomum.

— Tiraram fotos até dos meus pais! Eles são alvo também? Gigi, temos que envolver a polícia, não tem jeito.

— Não! — Agitou-se. — Ou eu pago isso, ou… Tento sumir de vez.

Então ela começou a caminhar para o quarto. Eu nunca tinha entrado naquela parte do apartamento dela.  Abriu a parte superior do guarda-roupa, arrancou uma mala de lá e começou a socar as primeiras roupas que via na frente. Ela estava muito nervosa e pelo jeito não raciocinava direito.

— Ei, calma!

— Não, eu preciso ir. — Mordeu o lábio e não me encarava, apenas jogava mais coisas dentro da mala. — Eu nunca fiz nada por você e vou fazer agora, vou embora para te deixar em segurança.

— Ei, as coisas não podem ser assim — eu disse e peguei na mão dela, para que parasse. — Acabei de te descobrir e quero te conhecer.

Gigi pareceu ser atingida pelas minhas palavras. Emocionada, era a palavra certa. Então me abraçou, de um jeito que não tinha feito ainda. E eu a abracei de volta. O sentimento finalmente veio e eu percebi que estava feliz por ter encontrado minha mãe biológica. Ela poderia ter errado muito, mas era impossível resistir àquela ligação que estava surgindo entre mãe e filha.

— Estou tão feliz que esteja me aceitando. Era tudo o que eu mais queria no mundo. — As lágrimas a cegavam. — E isso me basta, sabe? Saber que gosta de mim, minha linda e doce filhinha. Então sei que estou fazendo a coisa certa. Vou embora e tenho certeza que irão atrás de mim em outro lugar. Você vai ficar bem.

— E você? Vai para onde?

— Eu tenho um lugar para ficar, mas é um pouco longe daqui, mas não posso ir de ônibus, pois acredito que conseguem me rastrear. Sempre que vou para algum lugar logo me encontram, como se tivessem acesso a qualquer coisa que compro com meu CPF.

— Tá. Vamos pensar — eu disse, andando de um lado para outro. — Levo você. Meu carro é simples e não chama muita atenção. Ai te deixo onde quiser. Tem dinheiro?

— Não, mas consigo me virar. Já me virei tantas vezes antes...

— Vamos parar no caminho em algum banco e...

— É sério, filha, não precisa.

— Eu vou ao meu apartamento pegar uma coisa e já venho.

Corri até meu próprio apartamento. Meu coração estava acelerado pela adrenalina. Se Victor soubesse o que eu estava fazendo, iria ter um infarto. Bem, de qualquer forma, seria realmente muita imprudência minha sair a ermo com Gigi sem avisar alguém, mas não poderia contar para alguém que tivesse poder para me impedir. Então liguei para a Theodora e tentei contar tudo de maneira breve.

— Você está louca! Não pode! E se alguém decide atacar essa mulher na hora que estão no seu carro e você é alvejada? Ou coisa pior?

— É por isso que estamos indo agora, para não dar tempo deles pensarem em outra coisa — falei, tentando não parecer inconsequente. — E é por isso que estou te avisando.

— Vou falar para o Robert e ele vai falar para o Victor, sabe disso, né?

— Me dê um voto de confiança, Theodora.

— Você sempre foi maluca — reclamou. — Sabe aquele aplicativo de localização que você me obrigou a colocar no celular? Ainda tem?

— Sim.

— Certo. Porque quero saber sua localização a cada passo que der. Qualquer coisa estranha e eu chamo a polícia.

— Certo — concordei e ficamos assim.

Voltei para Gigi e ela já tinha feito a mala. Olhava-me com grande expectativa.

— Vamos ao banco primeiro, é aqui perto.

Talvez fosse melhora assim. Mesmo feliz por descobrir sobre minha mãe, se a presença dela representava perigo para as outras pessoas, era melhor que ela se fosse e futuramente nos veríamos novamente. E não me sentia mal em dar meu dinheiro para ela, se isso a ajudaria. Talvez ela estivesse mentindo sobre não ter dinheiro? Não sei, mas me parecia a melhor coisa para ser feita no momento.

Eu a deixaria no lugar apontado com um pouco de dinheiro. Eu poderia vir a gostar muito da Gigi, mas nunca estaria no mesmo lugar que Esmeralda e ver as fotos dos meus pais naquele envelope me deixou preocupada.

— Contou para alguém que está me ajudando?

— Não — menti. — Deveria?

— Sim. Meu pai sempre me falou que até para ir na padaria ao lado, devemos avisar alguém, mas já não há tempo.

Dirigi até a agência bancaria e fiz um saque generoso. Eu não era rica, mas estava guardando tudo o que podia para quitar o apartamento. Gigi pareceu sem graça em aceitar o dinheiro, mas colocou tudo dentro da bolsa.

— Filha, deixa que dirijo — pediu. — Eu sei o caminho apenas por intuição, não vou conseguir te explicar.

— Tudo bem — concordei, pois nunca gostei de dirigir.

A senhora loira saiu com o carro e ligou o rádio. Uma música bonita começou a tocar.

— Eu queria viajar uma hora com você Lisa, mas não assim. Prometo que vou me livrar dessa divida e voltar para a gente se conhecer melhor, minha filha.

— Apenas fique bem e a salvo — pedi.

— Pegue uma balinha para mim dentro da bolsa — pediu e eu abri a bolsa.
Tinham cinco balas de morango e uma de menta.

— Morango ou menta?

— Menta. Quer uma?

Dei a bala para Gigi e escolhi uma para mim que coloquei na boca.
— Então, o homem para quem está devendo é dessa tal facção Jujita?

— Eu nem sabia disso, apenas me apresentaram para um japonês. Eu estava num péssimo momento e ele pareceu ter todas as soluções. Então, ele foi me dando cada vez mais e eu fui gastando descontroladamente. Eu tentei… Montar uma empresa, mas ela faliu. — Mastigou a bala enquanto falava. — Parece que não sou muito boa com administração de empresas.

— É uma pena, poderia ser uma empresária hoje — falei, e escorei a cabeça no encosto do banco, espreguiçando o corpo.

— Esta com sono, Lisa?

— Um pouco — disse, percebendo que estava repentinamente sonolenta. — Na verdade, muito sono.

— Você está cansada, meu bem — ela falou mantendo o sorriso, mas minha visão tinha embaçado e eu mal a enxergava. — Vamos para um lugar onde poderá descansar por bastante tempo.

E minhas pálpebras pesaram, meu corpo pareceu amolecer no banco e em poucos segundos perdi os sentidos.

Incontrolável - Subjugada pelo desejo Onde histórias criam vida. Descubra agora