Victor
Eu tinha a cabeça baixa, enterrada entre as mãos quando terminei de contar tudo ao meu pai. Assim que o nome de Virgínia Baccetto veio à tona, Romeu ficou branco e percebi que várias memórias tristes foram acionadas.
Eu também revivia aquelas memórias de gosto amargo. Tinha abandonado minha mãe doente para ir atrás daquela mulher. Virgínia já tinha infligido tanta dor à minha família, mas não me passava pela cabeça que ela poderia voltar quase duas décadas depois e exigir ainda mais da nossa sanidade.
Romeu andava de um lado para o outro na grande sala, enquanto eu permanecia sentado no sofá. O cozinheiro Moacir, voltou para trás, percebendo o clima pesado que havia se abatido na sala.
— Devo ser muito ingênuo. O elo fraco da família — desabafei. — E sempre fisgado pela mesma armadilha.
— Não, meu filho. Você não tem que se culpar por querer o que todo mundo quer. Amor. Eu só não consigo acreditar que a senhorita Lisa está envolvida com aquela mulher.
— O senhor gostou dela porque é uma sedutora instruída pela pior das pilantras. Nada foi verdadeiro, pai.
— Tem certeza?
— Pai, por acaso o senhor tem algum interesse na minha funcionária?
Romeu quase engasgou com a própria saliva.
— De onde tirou isso?
— O senhor pareceu ter gostado dela, particularmente…
— Eu gostei dela, e da outra moça também, a Raíssa. Acho que queria ver você com uma garota decente e não uma dessas inúteis que…
— Eu estava muito melhor quando estava com as de sempre — falei, sem paciência. — E eu vi as mensagens com meus próprios olhos. Lisa teve azar, ou eu tive sorte, nem sei. Mas enfim, a Virgínia a instruiu direitinho. E sabe o que é pior? Ela me conhecia o suficiente para saber como me atingir.
— Estou decepcionado com a Lisa — confessou. — Vai mandá-la embora?
Suspirei longamente antes de continuar.
— Ela depende desse emprego… Ela tem que quitar um apartamento e...
— Caramba, depois de tudo, você ainda se importa com ela — Romeu disse, surpreso. — Você realmente se apaixonou.
— Eu não consigo deixar de gostar dela do dia para a noite. Tenho muita raiva e, ao mesmo tempo… — Dei um soco fraco no braço do sofá. — É por isso que me sinto tão mal. Na primeira vez, o que senti por Virgínia foi uma paixão avassaladora regada pela luxúria e pela dominância dela. Dessa vez foi diferente, parecia perfeito. Eu me sentia bem comigo mesmo, achava que era uma relação madura onde comecei a fazer planos idiotas para nós dois.
— Sinto muito, Victor. — Meu pai se sentou ao meu lado e me abraçou pelo ombro. — A pessoa certa ainda vai aparecer.
— Obrigado por me ouvir. E pelo apoio.
— Se podemos tirar algo de bom desse episódio é que você voltou a se abrir comigo. É bom perceber que está me deixando aproximar de você. Um pai deve ser o melhor amigo do seu filho, era o que seu avô falava.
Abracei meu pai.
Era uma sexta-feira ainda e aproveitei o final de semana para me preparar emocionalmente para rever Lisa no trabalho. Colocaria os pingos nos “is” e se ela não concordasse com meus termos, não teria outra opção senão demiti-la.
O primeiro compromisso na segunda-feira foi uma reunião com Cristian, Robert Servantes e o novo diretor financeiro.
Domingues era um homem na casa dos cinquenta anos com um currículo robusto e muitos diplomas, além disso, era amigo muito próximo de Octávio Servantes. Queriam uma descrição minuciosa da visita à Buenos Aires, então não me surpreendi quando Lisa se juntou a nós.Ela entrou, e ao me ver, percebi que empalideceu. Infelizmente o lugar vago à mesa era justamente ao meu lado.
— Então, eu acompanhei todos os relatórios diários que nos enviaram. Tenho algumas dúvidas sobre esse apontamento do estoque. E também algumas coisas na legislação trabalhista me chamaram atenção — falou Robert, abrindo a reunião.
Lisa e eu fomos sabatinados nas duas horas seguintes. Ela estava muito séria e um pouco abatida. Por mais que algo em mim quisesse acreditar que ela sofria por minha causa, meu cérebro me lembrava que víboras não tinham coração.
Aquela reunião não foi fácil. Meu corpo ainda reagia ao perfume dela, que chegava até mim devido à proximidade dos nossos acentos. Meus olhos traidores pousavam pelos cabelos que eu adorava.
Quando a reunião acabou, percebi que podia respirar novamente. Saímos todos da sala e Lisa ia voltar para o sétimo andar quando eu a convoquei.— Dona Elisabete, na minha sala, agora!
Me virei de costas e entrei na minha sala. Maribel me olhou, aflita, e eu queria muito acreditar que minha secretária, apesar da amizade com a pilantra, não estava envolvida em nada.
Lisa veio logo na sequência e quando entrou, fechou a porta atrás de si. Ela trajava um conjunto social, sapatos baixos e quase nenhuma maquiagem. Parecia vulnerável e em outra situação eu teria estreitado-a em meus braços. Ela ainda me afetava.
— Que bom que me chamou para conversar, Victor. Sinto que houve um desencontro de informações e...
— Não te chamei aqui para conversarmos, Elisabete — a cortei, sendo propositalmente rude. — Quero apenas instruí-la de algumas coisas.
— Então não vai deixar eu me defender? — protestou.
— Apenas ouça. Quero que finja que aquilo que vivemos na Argentina nunca aconteceu. Foi um delírio, do pior mal gosto possível.
— E se eu não puder? — perguntou, mordendo o lábio inferior. — Não sou um robô que simplesmente vai e deleta um arquivo da memória. Além disso, eu gosto de você. Está cometendo um enorme erro por não me dar uma chance de esclarecer as coisas.
— Eu não quero ouvir uma única palavra sua a esse respeito. Tudo o que diz é falso e você já mostrou que é uma excelente atriz. Pode avisar para sua amiga Virgínia que o plano dela saiu pela culatra.
— Quanta merda você está falando...
— É sério, Lisa. — Bufei, me irritando com ela. — O que eu gostaria mesmo é demiti-la e não te ver nunca mais. No entanto, sou acima de tudo um homem racional que sabe separar negócios da vida pessoal. Você trabalha bem e continuará aqui, desde que siga minhas exigências.
— Você pensou em me demitir? — ela perguntou, num fio de voz.
— Foi o meu primeiro pensamento — confessei. Fui até minha mesa e sentei na poltrona, tentando manter uma postura de indiferença. — Quero o mínimo de contato com você! Só venha tratar pessoalmente comigo assuntos imprescindíveis. O que não for, me comunique por e-mail, deixe com a Maribel ou peça a Raíssa.
— Sim, Victor — assentiu, tentando se manter calma, mas eu percebia que os olhos brilhavam por causa das lágrimas que estava prendendo.
— Victor não. Me chame de Sr. Herrera. Não somos próximos.
— Sim, Sr. Herrera.
— Se me ver no elevador, não entre. Se cruzar comigo em qualquer lugar, não faça contato visual. Faça o máximo para eu esquecer da sua presença nessa empresa — falei, de forma categórica. — Mas se deixar de apresentar resultados, é rua.
— Certo.
— Se tentar dar uma de esperta também é rua. Se eu quiser te mandar embora, nem o Cristian vai me impedir, estamos entendidos?
— Perfeitamente — ela murmurou. — Ajudo em algo mais, Sr. Herrera?
— Não, está dispensada.
Por instante, ela olhou bem no fundo dos meus olhos, como se buscasse em mim alguém que havia desaparecido. Então baixou a cabeça e saiu em silêncio.
E se Lisa estivesse magoada com o que eu disse, mal sabia ela que dizer tudo aquilo tinha doído muito mais em mim.
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Incontrolável - Subjugada pelo desejo
RomanceVictor prometeu nunca mais se apaixonar... Lisa, uma profissional determinada e destemida, vê-se constantemente desafiada por seu arrogante chefe, Víctor, sem entender porque ele a trata tão mal. Seus embates no escritório são apenas o prelúdio de u...