029.

96 11 97
                                    

07 de Outubro de 2016 - 00h25

Casa da família Alcock - Redwood, Califórnia

Milly não conseguia dormir, então abriu a primeira gaveta da penteadeira e remexeu lá dentro até encontrar o que procurava. Era uma foto dela com Ewan. Eles pareciam tão felizes. E estavam. Eles eram felizes. Ele estava segurando uma cerveja e olhava para ela, ela estava abraçada na cintura dele e ria tanto que era possível ver suas amídalas na foto. Estavam sentados numa rocha gigante à beira de um lago. Ela achava que tinha sido America que tirara a foto. America, sua amiga, que agora também estava morta. 

Ela tocou o rosto sorridente de Ewan na fotografia. Ainda podia ouvir sua voz alta e clara. Ainda o ouvia daquele seu jeito, ao mesmo tempo, romântico e tímido:


— Milly.. — Ele chamou, esticando-se para descer da rocha e inclinando-se para pegar uma pedra com a mão livre. Ele deu alguns passos em direção ao lago e lançou a pedra na superfície. Ela pulou uma, duas, três vezes antes de afundar. — Você já pensou em deixar tudo para trás?


Milly puxou as pernas que estavam esticadas e abraçou os joelhos. Ela olhou para ele e se pegou pensando na briga de seus pais na noite anterior. Na voz de sua mãe erguendo-se pela sala e através da escada, as palavras incompreensíveis, mas o tom venenoso. Pensou no pai saindo de casa, perto da meia-noite, a porta fechando sem fazer barulho atrás dele.


— Você quer dizer, tipo, fugir?


Ewan ficou em silêncio durante um bom tempo. Pegou outra pedra e a jogou na superfície do lago. Ela quicou duas vezes e afundou.


— Sim. — Disse ele. —  Ou, sabe, tipo, acelerar o carro até o abismo e não olhar para trás. Sei lá, tenho pensado muito nisso ultimamente.


Milly ficou olhando o sol se pôr e pensou naquilo.


— É. Acho que todo mundo pensa nisso às vezes..


Ewan se virou para ela e seus lábios se curvaram em um sorriso curto e triste. Ele tomou o resto da sua cerveja e jogou a garrafa no saquinho de lixo que estava no chão.

Ele se inclinou sobre ela e roçou seus narizes, fazendo ela rir e então a agarrou pela cintura. Ele a ergueu até que seus pés saíram do chão e Milly não pôde evitar o grito que saiu como uma gargalhada. Ele a beijou e ela sentiu seu corpo tão eletrificado junto ao dele que os dedos dos pés formigaram. Foi o segundo beijo deles e parecia que ela tinha ficado esperando por toda a eternidade ele fazer isso de novo.


— Ah não.. Que droga. — Ela resmungou no meio do beijo.

— O que foi? — Ewan franziu o cenho, preocupado que algo estivesse errado.

— Acho que estou afim por você. — Ela admitiu com as bochechas coradas e  então ele abriu o sorriso mais lindo que ela já viu.

— Que bom. Porque eu estou muito, muito afim de você. — Disse ele, dando ênfase no “muito”.


Ela podia jurar que quando tocou seu rosto na fotografia, o ouviu repetir aquilo de novo. Ela quase podia sentir ele no quarto com ela.

Milly segurou a foto contra o peito e jogou o corpo de volta na cama. Deitada, ela afundou a cabeça no travesseiro e se permitiu chorar novamente, dessa vez com a consciência tranquila de que seus pais e seu avô já estavam em um sono profundo e não iriam acordar com os sons de seus soluços.

Ela estava chorando por Ewan, por America, por Katherine e por todos que perderam a vida recentemente. Ela sentia que tinha chegado ao limite. Agora ela entendia Ewan e a razão por ele ter tentado colocar um fim na própria vida. Toda aquela dor era insuportável e pesada demais para carregar, Milly se pegou pensando que talvez o suicídio fosse uma saída para aquele sentimento terrível que a dominava.


𝐒𝐂𝐑𝐄𝐀𝐌Onde histórias criam vida. Descubra agora