23 de Setembro de 2016 - 08h50.
Hospital Mackenzie - Los Angeles, Califórnia
Ewan Mitchell chegou ao hospital acompanhado pelo vento gélido da manhã. As árvores começavam a perder suas folhas e o céu estava branco, com poucas nuvens. De pé na entrada, checou o relógio no pulso. Estava adiantado dez minutos, então buscou o maço de cigarros no bolso. Estava há mais de uma semana sem fumar, tinha prometido a si mesmo que dessa vez era pra valer, ia largar de verdade. Mas ali estava ele, já fraquejando. Acendeu um cigarro, irritado. Em uma de suas sessões, seu terapeuta disse a ele que o hábito de fumar possuía uma ligação direta com uma dependência não resolvida e ele certamente não duvidava disso.
Ewan não queria entrar cheirando a cigarro, então o jogou no chão e apagou com a sola do tênis, imediatamente levou as mãos trêmulas ao bolso da jaqueta a procura de balas de menta para chupar.
Hesitante, ele caminhou em direção a porta. A ala psiquiátrica ficava na parte mais antiga do hospital Mackenzie. O prédio original de tijolos aparentes em estilo vitoriano há muito tinha sido cercado e engolido por ampliações e anexos maiores e, em geral, mais bonitos e modernos também.
A única indicação do caráter perigoso dos ocupantes dessa ala era a fileira de câmeras de segurança empoleiradas nas cercas. Na recepção, todos os esforços foram feitos para que tudo parecesse bastante amistoso: amplos sofás bege, pinturas e desenhos rústicos e infantis dos pacientes pendurados nas paredes.
— Bom dia, senhor Mitchell. — Louise, a recepcionista o cumprimentou com um sorriso caloroso.
— Bom dia. — Ewan sorriu, arqueando o corpo para frente e encostando no balcão, enquanto a recepcionista lhe dava as costas para buscar sua ficha.
— Oh, acabei de ver aqui... Hoje é seu último encontro? — Louise voltou com a ficha embaixo do braço, fazendo um sinal para que ele a seguisse.
— É, acho que sim. — Ele respondeu, sem jeito.
— Sentiremos sua falta. É um dos nossos melhores pacientes, e provavelmente o mais calmo. — A recepcionista brincou, mas Ewan sabia que tinha um fundo de verdade em suas palavras.
Ewan ainda se lembrava do seu primeiro dia no hospital psiquiátrico. Minutos depois de chegar, um paciente abaixou as calças, agachou e defecou na sua frente. Um amontoado fedorento de merda. E houve outros incidentes posteriores, nem todos de embrulhar o estômago, mas não menos dramáticos, tentativas de suicídio terríveis, histeria e sofrimento descontrolados. Todos casos mais graves que o dele, mas ainda assim, ele ficou ali, temendo que o sofrimento que lhe assombrava pudesse se tornar mais do que ele era capaz de suportar e lhe desse um final como o de tantos outros internados ali.
A recepcionista o conduziu pelos corredores interligados e pontuados por portas trancadas, uma sucessão de portas batidas, ferrolhos abertos e chaves giradas nas fechaduras. Louise parou em frente a uma porta fechada e indicou com a cabeça.
— Eles estão aí. Pode entrar.
— Ok, obrigado. — Agradeceu Ewan, e então abriu a porta e entrou.
O encontro era realizado num salão com janelas altas e gradeadas, que davam para um muro de tijolos aparentes. No ar, um cheiro forte de café e rosquinhas. Eram cerca de oito pessoas sentadas em círculo, em sua maioria segurando copos descartáveis com chá ou café, bocejando e se esforçando para não cochilar. Algumas, depois de beber o café, brincavam com os copos vazios, amassando-os, achatando-os ou rasgando-os. O encontro ocorria uma ou duas vezes por semana, era uma sessão de terapia em grupo.
— Ah, Ewan! Aí está você. — Thobias Velmond, o psiquiatra chefe, tirou os óculos e sorriu sem abrir a boca, o que conferiu um ar triste aos seus olhos. Ou talvez seus olhos fossem sempre tristes. Pensou Ewan. Se eu passasse o dia todo ouvindo histórias de dor e miséria, também teria olhos tristes. — Venha aqui, sente-se. — Apontou para uma cadeira vazia.
Ewan se sentou desleixadamente na cadeira, cruzando os braços na altura do peito. Uma pessoa da equipe de apoio se aproximou e ofereceu a ele um copo de café, Ewan aceitou.
— Que tal falarmos um pouco sobre nossos sentimentos dessa semana? — Propôs Alicia Hankins, a terapeuta de apoio.
O Doutor Velmond fez que sim com a cabeça, parecendo satisfeito. E deu início ao assunto, tentando atrair os pacientes para um debate sobre seus sentimentos.
Conforme a terapia foi adiante, a mão trêmula de Ewan derramava constantemente o café no chão. Mas ele estava tão imerso em seus próprios pensamentos que sequer tinha notado. Ninguém se aproximou para endireitar o copo ou lhe chamar a atenção, era parte do tratamento respeitar o paciente em sua totalidade, desde que ele não se ferisse ou ferisse alguém, ele poderia fazer o que quisesse.
— Ewan. — A Doutora Hankins o chamou. — Gostaria de compartilhar algo com a gente?
— Não.. Agora não. — Ewan se afundou na cadeira, como se tentasse se esconder dos olhares dos outros pacientes.
— É nossa última sessão, Ewan. — Começou o Doutor Velmond. — Você está recebendo alta hoje. Voltará para sua cidade. Como está se sentindo com isso?
O estômago de Ewan embrulhou com a pergunta.
—Acho que não vou conseguir. — Ele confessou, depois de um tempo em silêncio. — Não estou pronto. Acho que nunca estarei pronto. Acho que não foi uma boa ideia e...
— Ewan. — Interrompeu o psiquiatra. — Pare. Você consegue. Você está pronto. Conversamos bastante sobre isso. Vai ser difícil, mas você consegue. Você passou por coisa pior, há alguns anos, certo? Vai ser duro. — Avisou o doutor. — Você vai ter de encarar muitos monstros, mas você mesmo disse que não há nada de novo nisso e que é capaz de lidar com seus monstros.
Ewan queria retrucar e dizer que isso foi no começo do verão, há muito tempo. Quando "voltar" era apenas uma ideia, não uma realidade. Como ideia, ainda acreditava nela. Mas, agora que tinha de colocar a ideia em prática, não estava apenas com medo, estava apavorado.
— Você teve o verão inteiro para mudar de ideia. — Disse o Doutor, como se tivesse lido seus pensamentos. Lágrimas brotaram nos olhos de Ewan e ele as enxugou com o polegar. — Concordamos que fugir não é uma boa opção. Você concordou. Você disse que sente falta da família e dos amigos. Disse que se preocupa com seus irmãos e se arrepende de abandoná-los com seu pai instável.
— É, eu sei. — Ewan fungou, desviando o olhar para a janela. — Mas talvez estejam todos melhor sem mim, e talvez...
— Esqueça os talvez, não interprete as coisas. Seu pai o aceitou de volta, ele fez sua matrícula no seu antigo colégio. Veja o que está realmente acontecendo. Quando chegar na cidade, ligue-me. Vou dizer para a Louise passar você para mim mesmo que eu esteja atendendo, certo? — O Doutor olhou para ele, esperando uma resposta. Ewan assentiu em concordância. — Já encaminhei você para um profissional da sua cidade, é importante dar continuidade ao tratamento, e não se esqueça dos remédios, lembre-se que nem tudo que vê é o que realmente está lá. Certo?
— Certo.
— Mas de imediato, concentre-se apenas em estar lá no momento. — Finalizou o psiquiatra.

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𝐒𝐂𝐑𝐄𝐀𝐌
أدب الهواةQuando os adolescentes de uma pacata cidade na Califórnia se tornam alvos de um assassino mascarado, uma série de assassinatos que ocorreram no passado reacendem na memória dos moradores de Redwood e eles percebem que há um novo serial killer imitan...