Capítulo VIII. Realidade

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Príncipe Louis
Londres
👑

Os pesadelos vieram com tudo naquela noite.

O príncipe encarava o homem de olhos vermelhos, o mesmo de sempre, e ele não conseguia mover um único músculo enquanto aquela figura o olhava. O homem estava sério e extremamente perto de Louis. Estava deitado ao lado dele na cama. Um de frente para o outro e Louis paralisado. “Está chegando a hora”. Foi a primeira vez que o homem disse algo. Sempre que Louis sonhara com ele, o homem apenas o olhava com um sorriso macabro.

Era um homem de uma beleza exuberante,  o príncipe reconhecia. Mas seu sorriso parecia ser capaz de decepar um ser humano. Louis sempre acordava tremendo de frio quando tinha aqueles pesadelos. Mas aquele ainda não tinha acabado.

Quando a imagem do homem de desfez, foi a vez da mulher. A mesma que lhe disseram sobre a maldição,  a mesma que lhe entregara luvas de couro em uma caixa quando Louis ainda era criança, a mesma que assombrava seus sonhos há anos.

Ela usava uma capa com capuz, era um cinza escuro que cobria parcialmente seu rosto, mas Louis sempre sabia que era ela. “Ele vai destruir você” a mulher repetiu a frase três vezes. Parecia com uma serpente sussurrando ao ouvido do príncipe. Ele não tinha medo , no entanto.

Louis nunca sentira medo de seus pesadelos, só era exaustivo demais. E frio. Sempre muito frio.

Mas mal ele teve tempo de lidar com a tremedeira ao acordar, e seu quarto fora invadido.

Mark.

O Rei entrou como um furacão, batendo com as mãos nas portas fazendo com que quase batessem contra a parede. Louis revirou os olhos ao perceber que acabara de acordar de um pesadelo e já estava de frente para outro.

- Você passou de todos os limites William. – William. Louis sabia que Mark só o chamava pelo nome herdado do avô quando Mark estava furioso.

A história era que Mark teria odiado seu próprio pai durante toda a vida do antigo Rei. Somente no leito de morte fora capaz de perdoar o monarca para que descansasse em paz.

Louis sentou-se na cama esperando por mais. Mark estava vermelho e respirando rápido.  Estava com raiva. Haveria muito mais. Louis sabia. Então ele esperou.

- Você é um irresponsável. Um moleque. – Mark gritava e Louis apenas ouvia, com uma sobrancelha arqueada curioso pela parte em que o motivo daquela cena seria revelado.

Q– Eu sempre fiz o melhor que pude, eu tentei te ensinar, mas você faz questão de não fazer nada direito. O que você quer? Destruir nosso reino? O que você quer William? Eu sabia, sabia que tinha alguma coisa errada quando você insistiu em empregar aquela mulher, mas a última coisa que eu poderia imaginar era que você traria um bandidinho para dentro dos portões.

E voilà!

Eis o motivo. Louis riu.

- Você ri? Céus você perdeu de vez o juízo. Você quebra as regras tirando aquele pirralho da forca e agora o coloca dentro do Palácio.  Você que me destruir. O que você acha que vão falar da gente? Acolhendo um ladrão? É o fim.

Louis ouvia. Tinha começado divertido mas já estava se tornando irritante. Ele sentia seu sangue esquentando. Uma voz ecoou em sua mente.

Está chegando a hora.

E depois:

Ele vai destruir você.

Não significava nada, mas aquelas palavras pareciam incendiar Louis de dentro para fora.

Mark ainda perambulava e gritava pelo quarto.

- Eles vão embora hoje. Antes que essa história se espalhe para além dos portões. Deus eu não sei mais –

- Cala a boca. – Louis explodiu. As mesmas palavras ressoando em sua mente e o corpo parecendo se guiar sozinho. Ele se projetou para frente de Mark. – Eles não vão embora.

- A eles vão. Você acha que pode fazer o que quer, mas eu sou o Rei aqui. E eu cansei das suas pirraças.

- Eu estou dizendo que eles não vão. – A mandíbula de Louis doía com os dentes cerrados.

- Você não pode fazer nada.

(Está chegando a hora.)

Louis sentiu. Ele sentiu as palavras. Elas eram fortes. E ele já não tinha nenhum controle. Ele não suportava ver Mark o desafiando. Ele não suportava a ideia de Harry indo embora.

Então tudo aconteceu rápido demais.
O príncipe pensava o Rei contra a parede, uma poltrona havia sido quebrada no percurso até onde os dois se encaravam.

- S-seus olhos. – Mark disse sufocado pelo aperto que Louis fazia contra seu pescoço usando o antebraço.

- Harry e a família dele ficarão aqui pelo tempo que eles quiserem. – Louis ignorou o Rei. – Nem mesmo você os mandará embora. – Ele aumentou o aperto contra Mark. O Rei tremia sob os braços de Louis e seus olhos exalavam terror. – Antes que alguém consiga tocar em Harry, este Palácio todo estará em ruínas.

Mark assentiu.

Levou segundos até Louis se acalmar, foi quando uma lágrima escorrera pela bochecha de Mark que o Príncipe sentiu seu corpo relaxar e soltou o Rei.

Mark passou a mão em seu próprio pescoço e respirou fundo. A voz era quase inaudível quando falou:

- Jeffrey já havia despedido a mulher. Eles devem estar arrumando as malas. – Louis olhou surpreso. Era tarde demais? – O acerto dela ainda não foi feito. Você pode dizer ao Jeffrey para cancelar.

Louis correu.

Apenas quando seus pés alcançaram a grama molhada do jardim que ele notara que estava com roupas de dormir e descalço. Mas que se dane. Ele alcançou a charrete quando Harry estava subindo nela. O garoto encarou o príncipe, incrédulo. Gemma cobriu os olhos. Jeffrey saiu do chalé guiando Anne com um saco de moedas em mãos.

Silêncio.

Todos se encarando sem entender. Louis estava em seu calção xadrez e a camisa branca aberta no peito. Descalço. Gemma espiava entre os dedos. Harry estava boquiaberto.

- Vossa Alteza? – fora Jeffrey quem pronunciara algo.

Louis pigarreou. Jeffrey tomou a iniciativa de cobrir Louis com seu próprio casaco. Louis não agradeceu. E ele estava congelando mesmo.

- Vocês vão ficar. – Pronunciou. Todos se encararam de novo. Gemma havia tirado as mãos dos olhos. Harry ainda encarava sem quase respirar. Louis queria perguntar se ele estava bem.

- Foram ordens do Rei. – Jeffrey sobrepôs.

- Ele mesmo mandou cancelar a demissão. Eles ficam.

Jeffrey franziu o cenho. Ele certamente sabia quem era Harry. E sabia que o Rei nunca permitiria ele ali dentro.

- Você pode ir confirmar. – Louis acrescentou.

Jeffrey encarou. Encarou. E saiu. Louis agarrou o saco de moedas quando o homem passou por ele.

- Eu fico com isso. – Louis afirmou. Jeffrey não contestou.

- O que está acontecendo? – Era a voz de Harry.

- Vossa Alteza deve estar congelando. – Anne envolver os braços ao redor do Príncipe. 

Louis olhou para Harry, mas a mulher o puxou para dentro do chalé. Louis não resistiu.

- O que aconteceu? – Harry perguntou de novo quando Louis já estava sentado no pequeno sofá velho cheirando a cachorro.

Anne lhe dera um par de sandália velha de couro marrom, e jogara um cobertor sobre o príncipe. Era tudo velho. Mas Louis estava a poucos metros do conforto do Palácio e ainda assim não pensava em sair dali. Mas que era tudo velho, isso era.

- Conversei com meu pai. Convenci ele a mudar de ideia. – Convencer não era nem de longe a palavra. Mas Harry não precisava saber disso.

No entanto o menino não pareceu acreditar.

- Você convenceu?

Louis afirmou. Anne colocou uma xícara de chá quente em suas mãos e Louis esqueceu de agradecer. Era hábito.

- Não sei como você fez isso Príncipe,  mas muito obrigada.  – Anne agradeceu, no entanto.

Harry ainda encarava Louis com as sobrancelhas curvadas. Louis não estava entendendo nada.

- Nós não queremos causar problemas. – Gemma se pronunciou. – Mas realmente precisamos que mamãe mantenha esse cargo.

- Ninguém tirará Anne do cargo, a menos que ela queira. – Louis afirmou. – É... obrigada? – Louis deixou a xícara na pequena mesa de madeira velha a frente e o cobertor sobre o sofá.

Anne e Gemma agradeceram mais uma vez tirando apenas um meio sorriso de Louis. Pessoas o agradecendo era algo novo, ao qual Louis não estava familiarizado.

Harry o seguiu para fora.

- Louis. – Harry chamou baixo assim que estavam do lado de fora. O sol tinha nascido há pouco mas as nuvens impediam que ele clareasse completamente o dia. Louis parou. – Eu não quero que você fique arrumando confusão por nós. Você já fez muito. Nós somos muito gratos.

- Não tem confusão alguma Harry.

Tinha. A confusão estava dentro de Louis. Uma bagunça gigantesca que ele era incapaz de lidar. Então ele só cedia ao caos.

Harry esticou as mãos com o saquinho de moedas. – Você esqueceu isso.

- Eu não preciso. Fique com isso, pelo contratempo.

- Louis isso é muito...

- Fique. – Louis deu um passo para trás.  Ele não iria pegar aquelas moedas de volta.

Harry encarou.

- A gente pode dar uma volta? – Harry perguntou receosamente. – Digo, sair do Palácio. Você pode? Nós?

- Claro Harry. Não somos prisioneiros.  ‐ Louis arrumou os ombros exibindo uma postura respeitosa, ergueu o queixo e apontou o nariz para o alto. – Eu sou um príncipe, Harry,  eu vou aonde eu quiser. – Louis tinha um humor divertido, no final das contas.

Harry riu. Riu de verdade. Louis riu junto.

Depois de Louis se trocar e pular o dejejum (ele colocou duas maçãs no bolso do sobretudo), seguiu rumo aos estábulo. Ele esbarrou em Jeffrey pelos corredores do Palácio,  o fiel escudeiro do Rei encarou Louis com um olhar nada gentil e submisso. Louis também ouviu enquanto surrupiava as frutas na cozinha, que Mark pedira pelo dejejum nos seus aposentos, passaria o dia de cama devido a um mal estar.

Louis deveria se sentir culpado. Mas ele não sentia. Ele quase se sentia culpado por não sentir culpa. Esquisito.

Harry já estava rindo junto a Oliver. Louis sentiu um incomodo mas ignorou. Oliver havia  selado um cavalo para Harry. Louis franziu o cenho.

- Escuta só Príncipe, logo o menino Harry começará seus dezoito anos e ainda não tocou o corpo de uma mulher. – Oliver ria. Esse era o assunto deles afinal. Harry corou. – Nem sequer beijou alguém ainda. – Oliver completou indignado.

O príncipe torceu o nariz. Harry havia beijado ele. Não contava? Não foi um beijo decente, profundo, com línguas, mas foi suficiente para quase fazer o coração de Louis começar a bater de fato.

Harry abaixou a cabeça envergonhado. Louis podia ver que ele sabia o que Louis tinha em mente.

- Não se preocupe pequeno cacheado, vou te apresentar um lugar. – Oliver piscou para Louis. Louis entendeu. – O próprio príncipe já me acompanhou algumas vezes.

Não. Oliver não iria levar Harry ao prostibulo.  Não mesmo. Apenas se Louis estivesse morto. Mas Louis não respondeu aquilo.

- Pensei que fosse comigo em Hela. – O príncipe disse, ao invés. Ele se dirigia a Harry. – Você sabe montar?

- Não. – Harry admitiu em um suspiro derrotado.

- Nós tentamos. – Oliver intrometeu. – Hela não deixou ele nem chegar perto.

- Ela é difícil. – Louis admitiu. – Mas ela não vai estranhar ele, estando comigo. – Oliver sorriu e deu de ombros.

Louis buscou Hela.  Como sempre, não usava sela, mas quando parou a égua ao lado de Harry, Hela relinchou e se agitou. Harry se afastou.

- Hey garota, o que foi? – Louis acariciou a crina negra e brilhante. Hela era uma égua robusta, impecável. – Sou eu. – A égua se acalmou ao toque de seu cavaleiro. Nunca ninguém montou Hela além de Louis.

Louis chamou Harry, mas assim que o garoto se aproximou, Hela sacudiu a cabeça e relinchou novamente. Alto. Louis a segurou, olhando nos olhos da sua égua,  eles estavam aflitos.

- Tudo bem Lou, eu posso ir no outro cavalo.

Louis ficou chocado. Ele não sabe se por ter ouvido aquele apelido – nunca ninguém o tratou por nenhum apelido, era sempre seu título, ou seu nome para os mais íntimos – Ou se ficou chocado com Harry falar “outro cavalo”, como se Hela fosse também uma qualquer.

- Ou podemos ir caminhando? – Harry sugeriu quando Louis não apresentou nenhuma reação.

- Você não vai montar sem que saiba fazer isso. – Louis se obrigou a sair do estado de surpresa. – Eu te ensino em outro momento e você poderá usar o animal que quiser. Exceto Hela. – Fez questão de deixar claro.

- Não é como se ela me quisesse, de qualquer forma. – Harry brincou.

- Garota. – Louis olhou Hela nos olhos. – Ele está comigo ok. E nunca montou antes, você pode me ajudar nisso não pode? – Louis conversava com a égua como se ela fosse capaz de entender. Louis acreditava que podia. Eles realmente se entendiam. Louis podia sentir. Hela bufou e sacudiu a crina. Louis podia jurar que ela estava debochando dele. – O que foi em? Você não aguenta o peso de nós dois? Poxa, eu esperava mais de você. – Outra bufada.
Louis se virou para chamar Harry, ele estava rindo.

- Você fala com os animais então?

- Ela me entende, não é garota? – Harry deu um passo para frente e Hela deu dois para o lado. Aquela égua só podia estar de brincadeira. – Hey – Louis falou baixinho. Ele precisava tentar uma abordagem diferente já que zombar da égua não havia funcionado. – Hela, eu sei que sempre fomos só nós dois, e sempre será ok, mas ele...- Louis olhou para Harry, a égua olhou junto. Louis sabia que ela entendia. - ...ele está com a gente agora. Por favor, confia em mim da mesma forma como eu confio em você?

Louis acariciou a crina por mais alguns minutos. Então Hela abaixou a cabeça como se estivesse se rendendo. Louis sabia. Ele chamou Harry para perto, Oliver se prontificou a ajudar o garoto mas Louis interviu. Era Hela, Hela era a égua de Louis,  Louis ajudaria Harry montá-la. Então Louis parou atrás do garoto de cabelos enrolados e analisou. A situação não parecia favorável, mas ele faria. O príncipe posicionou as mãos nas laterais da cintura de Harry, ele precisava segurar firme para impulsionar o garoto para cima...mas era uma cintura tão delicada... Mesmo por cima dos farrapos que Harry chamava de roupa, Louis podia sentir a delicadeza daquela parte do corpo de Harry.

Situação nada favorável. 

- O que eu faço? – Harry perguntou genuinamente.

Louis não percebeu quando deu um passo a frente,  quase colando seu corpo nas costas de Harry. Ele podia sentir o cheiro de alecrim vindo dos fios castanhos do garoto. Talvez ele tenha respirado fundo para sentir o aroma. Ele aproximou seu rosto do ouvido de Harry,  mas ele também não percebeu que havia feito isso.

- Eu vou te dar impulso, e você vai passar uma perna sobre ela. – Sussurrou em resposta.

Louis podia jurar que sentiu Harry estremecer em suas mãos. Ele apertou os dedos na cintura daquele garoto que causava uma confusão por onde passava. Respirou fundo e impulsionou os braços, lançando o corpo de Harry para cima. Harry jogou uma perna e parou sobre a égua, Hela quis reclamar, Louis a viu hesitar ao peso de Harry, mas então ela não fez nada.

Maldição [Larry Stylinsom]Onde histórias criam vida. Descubra agora