01

1K 53 6
                                    

🌸 Vitória 🌸

Acordei com zero vontade ao ouvir o meu pai gritando da sala. A primeira coisa que vejo quando abro os olhos é o horário marcado no relógio digital: 08:23.

— Vitória de Reis Santorini! - ele reforça o chamamento com um tom de voz ligeiramente mais alto. — Já sequer se levantou da cama?

É sério isso gente? Depois de um ano inteiro de cansaço por conta da universidade — estudo biologia marinha, curso que eu amo mas me deixa absolutamente doida—, posso nem dormir até tarde! O que será que ele quer?

Bem na força do ódio, me levanto. Quase caio por não conseguir me equilibrar direito, mal consigo abrir os olhos de tanto sono. Caminho até à grande janela do quarto e separo as cortinas brancas, revelando a vista que adoro admirar todas as manhãs: a praia. Moro num apartamento bem chique à beira-mar, consequência do emprego dos meus pais, embora eles já não estejam mais juntos.

Minha mãe deixou o meu pai quando eu era mais nova, e não a culpo, ele tava passando por uma má fase e descarregou forte em nós. Ao menos ainda mantêm uma amizade. Entretanto arrumou um namorado, o Marcos, e ele é bem gente boa, sempre fui com a cara dele. Já meu pai, nada de compromissos, se bem que por vezes ouço uns barulhos vindos do quarto dele. Nunca questionei, nem pretendo.

Saio do quarto e desço as escadas rapidamente para que o homem não solte mais um berro que seja.

— O que foi pai? - pergunto com uma voz sonolenta. — Sério, me acordou num pleno sábado de verão...

— Eu finalmente consegui. - ele sorri orgulhoso e eu continuo na mesma.

— Oi? Conseguiu o quê? - solto uma risada ao me sentar no banco da cozinha, encarando ele a preparar o que parecem ser panquecas.

— Você sabe que eu sempre te achei muito linda, puxou sua mãe. - com isso, percebi onde ele queria chegar e já me preparei para interromper, mas ele prossegue. — Antes que você recuse, vai ser muito bem paga. Me esforcei demais para conseguir essa vaga para você, Vi, então por favor, facilita pro teu velho.

— E o que é dessa vez?

— Uma sessão de fotos para uma revista local. - vira a sua cara para mim e pousa um prato cheio de comida apetitosa na minha frente. — Tem gente famosa envolvida.

Um pouco de contexto. Meu pai sempre achou que eu tenho beleza para ser modelo, então cresci com propostas dele para seguir essa área e cursar moda. Ele super apoia biologia marinha, mas acha que estou desperdiçando meus genes. Sempre adorei os seus elogios, mas nunca tive coragem para aceitar um único trabalho que ele me arranja. Não me acho assim tão bonita, sinto que passaria vergonha, sei lá. Mais vale deixar a vaga para quem vive nessa área, né?

— Fala alguma coisa, filha. - ele cruza os braços. — Não me desaponta dessa vez pelo amor de Deus, se você soubesse o tanto de tempo que perdi convencendo a chefia da revista.

Normalmente eu rejeitaria, mas por alguma razão senti uma vontade de aceitar. No entanto, ainda tinha uma pergunta.

— Que gente famosa tá envolvida?

— Ah, sabe... - o meu pai dá de ombros. — Só uns cara que faz música aí. Não captei o nome deles.

Levo alguns fios de cabelo perdidos para trás da orelha enquanto encaro a cara do meu pai, quase que implorando que aceite. Realmente, deve ter sido bastante difícil para fazer com que me contratassem para tirar fotos com famosos, digo, de experiência eu só tenho as fotos da escola mesmo.

— Aceita ou não? Tenho que ir trabalhar. - o mais velho olha o relógio de pulso.

— Tá bom, por enquanto é um sim. - respondo. Nem acho que isso vá dar em algo, mas porque não experimentar? Coitado, ele sempre tentou, vou dar um desconto.

Assim que ouve a minha resposta, o homem abre um sorriso cheio de dentes e vem me abraçar com força, o que me faz rir que nem uma retardada.

— Eu sempre soube que um dia ia ceder! - ele festeja. — Obrigado filha, tá deixando teu pai muito orgulhoso mesmo. Te amo muito, deusa grega. - sorrio ao ouvir o mesmo apelido de sempre, uma referência à nossa descendência grega.

— Também te amo pai. - deixo ele me abraçar. - Agora vai lá, não quero te atrasar mais não.

— Quer que eu te leve em algum lugar? - pergunta. — Combinou algo com a Duda?

Duda, mais especificamente Eduarda, é a minha melhor amiga de sempre. Minha família simplesmente a adora, e eu percebo porquê, é uma garota incrível. Sempre me ajuda quando preciso, sempre mesmo. Muita gente me deixou ao longo dos anos, mas ela nunca, e a valorizo muito por isso. Só não apoio o seu gosto pra homem, mas isso é outra história.

— Combinei não. - nego. — Pode ir pai, qualquer coisa eu pego o ônibus.

— Tá, então vou deixar cem reais na mesa da entrada. - diz. — Leva se quiser.

— Obrigada. - sorrio e beijo a sua bochecha. Assim que o faço, meu pai sai correndo da cozinha e me deixa sozinha com meu café da manhã que, meu deus, parecia uma autêntica delícia. Amo os cozinhados dele!

[•••]

Como não me aguentava sozinha em casa, decidi sair com a Eduarda. É uma da tarde e a gente tá indo pra praia, ela me veio buscar. No meio de muitos assuntos, decidi mencionar a conversa de hoje mais cedo que tive com o meu pai.

— É sério, você aceitou mesmo? - ela me olha por segundos mas não tira a atenção da estrada. — Isso nem parece seu. Algum motivo em específico?

— Sei lá, tipo, o que pode correr mal? - pergunto olhando para o monte de palmeiras pelas quais estávamos passando que impediam visão total para o areal claro da praia. — Tô de férias, sem trabalho, porque não fazer um dinheirinho?

— Né menina, sempre te falei isso e o seu pai também! - a minha amiga ri. Ela sempre apoiou o meu pai nessa questão. — Pralém do mais, esse papo de cantor famoso, gostei viu. Talvez tenha algum gatinho pra ti. - pisca o olho.

— Nem vem com conversa de homem não, eu em. - reviro os olhos. — Já te falei que não tô afim não.

— Meu Deus, nem beijar tu beija! - diz. — Aproveita enquanto somos jovens, Vi.

Parece a minha mãe.

— Desculpa, fui muito adulta agora. - ela se ri depois de um silêncio que se instalou após o que disse, e eu ri junto. — Mas sério, bora combinar de ir numa festa um dia desses, pra ver se tu conhece alguém aí.

— Tem como eu discordar?

— O que tu acha?

— Eu te odeio, Eduarda. - abro a janela, sentindo o vento forte sobre meus cabelos loiros, e ao meu lado consigo escutar os risos da morena.

Namorar? Eu? Impossível.

Meu Ódio || Kayblack Onde histórias criam vida. Descubra agora