"Finalmente este inferno terminou", disse o Errante quando o monstro tombou, levantando uma cortina de poeira. "Você está ferido?", perguntou o homem em resposta. Sim, você está.
Como se tivesse ouvido a pergunta, o corte no abdome repentinamente se lembrou que deveria estar doendo, e fez o menino soltar um gemido contido enquanto pressionava a mão no machucado.
"Não é nada", respondeu. Obviamente estava mentindo, mas depois de testemunhar o colega finalizando a fera, passou a sentir uma certa admiração e, dessa forma, não quis aparentar ser fraco.
"Deixe-me ver", disse o homem. Na realidade estava bem feio, e ele concluiu que seria melhor cauterizar. Felizmente esta não era a primeira vez que isso ocorrera, e já levava uma pedra de fogo no bolso.
Com uma destreza surpreendente para alguém sem dedos, enrolou um ferro na sua roupa e rasgou. Em seguida, tirou a pequena pedra do bolso, a colocou no chão e raspou as garras metálicas, criando uma faísca que ateou fogo ao pano rústico.
As chamas consumiram rapidamente o tecido, deixando o metal quente. Entretanto, o calor doía. Muito. Pelos exatos mesmos motivos do Errante, o Inválido reprimiu demonstrar o quão incômodo era ter mãos pegando fogo e pressionou o ferro na ferida.
A carne chiou. Um gritou, o outro quis também, mas não o fez.
Terminada a operação médica, o homem enterrou as mãos na areia fria, suspirando de alívio. Pediu para que o colega recolocasse a pedra em seu bolso e se levantou.
"Sinto muito ter feito você passar por isso, mas confie em mim quando digo que assim o mal é menor", afirmou, "imagine o que teria acontecido se ele tivesse te avistado vagando sozinho. Mas não se preocupe, não é tão comum assim eles aparecerem por aqui. Este eu já sabia que estava rodeando a região", completou.
Em seguida, a fim de tentar apaziguar o receio que se mostrava na face do jovem, o homem o parabenizou pela coragem. De fato, foi um feito respeitável ter enfrentado a criatura.
Se aproximou da carcaça e cortou com os ganchos um pedaço generoso da carne. Segundo ele, era amarga, mas continha muita energia o sangue gorduroso, e usaria para preparar algo não melhor que uma abominação culinária.
Durante o caminho de volta à caverna, o menino se pegou perguntando quantas vezes o homem matara aqueles monstros e quanto tempo passara sozinho nesta vida de caçador.
Muitas e muito.
Dentre todas as quedas, andanças e descansos, haviam se passado míseros cinco ciclos do deserto desde que despertara da redoma, e este estilo mortal de vida foi o único que conhecera. Nessa linha de pensamento, começou a hipotetizar a forma que o futuro tomaria caso acompanhasse o amigo em suas andanças.
Seria ele um bom caçador? Iria se adaptar a esse destino? Seria para isso que caiu naquele mar arenoso?
Ah, sim. Não estou surpresa.
Conheço você, meu pequeno Errante. Você não me engana.
Eu sei que você nunca poderia seguir esse caminho.
Só eu compreendo o que você mais deseja, e a vida de um caçador jamais lho dará.
Assim, tomou uma decisão.
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O Ateliê de Rascunhos
Mystery / ThrillerCentral ao nada, onde a noite cerra, Fica o eterno Ateliê de Rascunhos, Alheio ao tempo, alheio à terra. Lá jaz Ela e, de seu próprio punho, Pinta a arte, pinta os mundos, e pinta a guerra. _____________________________________ Um menino acorda sem...