Capítulo 17- Convidado de Honra

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Porta adentro o menino foi atirado pela dura mão branca, o desequilibrando.

"A Imperatriz ordenou que você tome um banho", roncou a estátua, fechando a porta com um baque.

Enquanto os passos pesados daquela coisa se afastavam, o jovem pôs-se de pé, observando o quarto. Ainda que para sempre guardaria memória da caverna, ela certamente perdera seu posto de lugar mais confortável, pois o ambiente ao redor de si era belíssimo, com móveis de madeira entalhada, cortinas coloridas e uma grande cama vermelha. Imagens pintadas diretamente na pedra adornavam as paredes, retratando o deserto e seu povo com cores vibrantes.

Em um canto havia também uma cortina separando um banheiro, mas ao adentrar foi surpreendido por um homem sujo e maltratado, com cabelos desgrenhados terrivelmente empiolhados com areia.

Inclinou-se na frente daquele espelho a fim de destrinchar os traços sua face. Então é assim a minha aparência, pensou.

Naquele instante, talvez decepção seja o sentimento principal ao ver seu rosto pela primeira vez, o que na minha opinião é perfeitamente esperado, pois raramente algo é mais belo que nossas expectativas. Além disso, não estava realmente bem arrumado para o encontro consigo mesmo.

Bem, lembremos que se você é quem menos vê seu próprio rosto, você é quem menos deve se sentir afetado. Tal é o consolo dos feios.

Subitamente seus devaneios antinarcisistas foram cortados por uma menina aflita, que irrompeu, interrompeu e quase rompeu pela porta.

"A gente tá fudido", gritou ela.

"O que aconteceu?", respondeu, assustado. "Sua mãe disse alguma coisa?"

"Não! Ela não disse nada, mas está agindo muito estranha. Ela nunca recebe ninguém desse jeito, eu acho que ela só fez isso porque você... sabe?... a cortina"

Em seguida o menino apoiou-se na janela, para pensar. De fato a atitude da mulher havia se alterado subitamente após ver o quadro. Talvez ela soubesse o que significava.

"Você sabe o que fazer?", perguntou o Errante. "Nós podemos confiar na sua mãe?"

"Não sei... E não, não podemos", concluiu após uma curta hesitação. "Creio que agora não possamos fazer nada além de esperar. Falando nisso, é melhor você ir se aprontar para o jantar. Tome um banho, você está imundo"

O jovem concordou, afinal já havia se visto mais cedo. Após lhe ser entregue pela menina uma veste tirada do armário, entrou no banheiro e despiu-se para imergir-se na tina com água que havia sido deixada lá anteriormente pelos guardas. Reparou por detrás da cortina que a Pintora sentara em sua cama, esperando por ele.

A água envelopando seu corpo era uma sensação reconfortante. Não estava quente, mas não estava fria também. Provavelmente fora aquecida antes de ser levada para o quarto. Naquela bacia, após serem arrastados torre abaixo pelos guardas, os músculos cansados se relaxaram sob o abraço do líquido, e as impurezas das feridas se lavaram embora.

Terminado o banho, secou-se e vestiu a roupa selecionada pela amiga. Tratava-se de um manto em lindos tons flutuantes de laranja, vermelho e roxo. Impressionava pelas cores, mas em termos de ornamentação era bastante simples. Nada de babados, nada de penduricalhos, nada de joias, apenas o tecido colorido. Mesmo que ele preferisse algo mais discreto, digo que foi uma escolha boa, eu pessoalmente gostei. Gosto de cores vibrantes.

"Ah sim, MUITO melhor", disse ela quando ele saiu do banheiro. "Fique aqui, alguém deve chamá-lo em breve para o jantar. Eu vou agora tomar meu próprio banho e nos encontramos no salão"

Após uma pausa, completou:

"Escute, eu sei que nós acabamos de nos conhecer, mas eu queria que você entendesse que estamos juntos nessa. Nós temos um segredo em comum, um objetivo em comum. Por favor confie em mim e NÃO CONFIE NA MINHA MÃE. Eu conheço ela, ela está escondendo alguma coisa."

Assim ela saiu, mas não a acompanhou quarto afora a ansiedade no ar. Sentado em sua cama, ele imaginou as possibilidades acerca do possível desfecho do encontro com a monarca. Quais as reais intenções dela? Por que ela mudou de postura ao ver o quadro? O horário do jantar se aproximava como uma escura nuvem de tempestade, o lento arauto do conflito.

Enfim, a porta trovejou, chovendo um guarda para dentro do cômodo. Rude e caladamente tomou a mão do menino e o guiou pelos corredores.

Bon appétit, meu caro. Espero que esteja com fome, eu sem dúvida estou.

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⏰ Última atualização: Aug 06 ⏰

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