Capítulo 12- O Mercado de Arte

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Ao passo que o lamento musical morria, a algazarra sonora de uma multidão prosperava: preços sendo gritados e ofertas contragritadas. Moedas sendo passadas de mão em mesa em saco em mão em bolso em chão em mão em PEGA LADRÃO... enfim, um mercado em praça pública.

Vendia-se todo tipo de artesanato: cerâmicas, vidrarias, joias e até mesmo pratos culinários, que exalavam perfumes intoxicantes. Tudo que um artista produz se vendia ali, e apenas o que um artista produz se comprava lá.

O que mais chamou a atenção do menino foram as pinturas a óleo. Haviam várias, uma enorme representando uma rica sala do trono, lotada de pessoas lindas e bem vestidas. Outra mostrava uma mulher alva, bela e de aparência forte, com vestes extravagantes. em uma mão carregava um martelo de bronze e na outra um formão. Entretanto, por mais imponentes que eram estas pinturas, não foram estas que chamaram a atenção dele;

Mas sim um quadro minúsculo, largado em um canto, ignorado por todos, a tinta descascando.

Naquela moldura via-se um homem de pele muito escura, completamente nu, sem pelo algum, ostentando um poderoso corpo esculpido. Suas mãos, seus olhos e seu peito pareciam estar ardendo em fogo. Ao passo que a mão esquerda segurava uma montanha, da direita jorrava uma luz cegante. Trazia uma expressão séria, porém gentil. Resoluta. Estoica.

Sob a base da pintura, uma plaqueta com nada além de um número: II.

Como se estivesse vivo, o homem no quadro encarava o menino, e o menino o encarou de volta.

Ele sorriu, e o Errante sentiu como se raios de luz acolhedores aquecessem seu rosto em um dia frio.

Mas começou a queimar, viu sua pele arder em bolhas. Luz e calor consumindo seu corpo e o desfazendo em pó, soprado ao vento.

Deste vento viu o movimento dos gases, o choque das moléculas e as vibrações. Viu férmions e bósons em sua dança quântica de estar e não estar. Viu átomos colidirem e se destruírem em energia pura, que depois se recondensou em matéria.

Viu rochas flutuando pelo vácuo e as viu se unirem em esferas. Viu a dança orbital celeste e viu nuvens de hidrogênio, maiores do que sua mente jamais seria capaz de compreender, gestando sóis. Viu planetas, planetoides e asteroides. Viu a gravidade esmagar aqueles astros até o núcleo virar polpa e viu o solo, em resposta, rachar e cuspir magma.

Sentiu a terra tremer sob seus pés. Repentinamente o chão não era mais firme, e o tectonismo movia pedra sólida como um fluido.

Viu o caos se assentar e os vulcões se calarem, um vento suave beijou seu rosto.

Viu seus pés mergulhados em água límpida e pura, repleta de minerais.

Mas viu o calor ameno daquele mundo irradiar ao espaço e o manto esfriar. Chão frio, cinza, rachado se desfez em pó. Os mares congelaram.

Ao longe, viu núcleos se fundindo e se aquecendo, forjando elementos pesados na mais poderosa das forjas. Aquele sol, velho e cansado, explodiu, e o planeta morto se viu varrido por uma supernova, novamente queimando a pele do menino.

E enfim, sob a luz cegante, o homem sussurrou um segredo no ouvido do menino:

Louvada seja a Segunda Obra.

Imediatamente acordou, pescado à realidade por uma voz desagradavelmente familiar. Piscou uma vez, chacoalhou a cabeça e mirou novamente o quadro.

O homem estava agora olhando para frente, imóvel. Pareceu voltar a ser apenas uma pintura normal, pode-se até dizer que era uma medíocre.

O que foi isso, se perguntou.

Ao seu redor, via-se o mesmo mercado de sempre, porém agora todos os sons estavam amplificados pela adrenalina que corria em suas veias. Ofegava ao ponto de tontura.

Tentou afastar a visão de sua mente. Nada daquilo fora real, não podia ser, ele pensava. Apenas um sonho, nada mais.

Entretanto, seus pensamentos foram interrompidos pela a voz que o acordara, novamente soando esganiçada.

"AAAAH, olá olá, meu bem! Você aí, moça bonita, que tal esse belíssimo retrato de Nossa Majestade A Imperatriz, pintado por ninguém menos que a alteza imperial A Pintora! Apenas 500 mil glípti! Super oferta! Que tal você então, meu senhor? Não? E que tal v... O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO AQUI, MOLEQUE?"

"O que VOCÊ tá fazendo aqui??", respondeu o Errante, irritado de ter que ver aquela cabeça outra vez.

"Eu? Estou fazendo lucrativos negócios, é claro! Tudo em nome de Nossa Majestade Imperial.", retrucou a Comerciante, claramente orgulhosa de esfregar sua posição de poder na cara dele.

Tola. Rato algum se curva ao poder de um rei.

"Não estou nem aí para em nome de quem você faz o que não interessa! Com licença, eu tenho assuntos a tratar!", esbravejou o menino, ressentido do encontro anterior, enquanto abria espaço pela multidão, que se acotovelava naquela área pública.

"Mas o que assuntos são esses mais importantes que os assuntos da magistral Escultora?", gritou a velha, curiosa, e o mais jovem viu diante de seus olhos oportunidade de saborear uma pequena vingança.

"Não é da sua conta. Está me devendo 400 glípti por essa resposta.", disse ele com um sorriso sádico.

"AAAAHH, meu bem, está espertinho, né? Que tal uma troca? Um segredo por outro. Essa sempre é uma boa troca, pois nós dois saímos com dois segredos no fim, não é maravilhoso!? Façamos o seguinte: eu faço a você uma pergunta à minha escolha e você faz a mim uma que escolher, que tal?", ela propôs."

Era uma proposta tentadora, poderia perguntar qualquer coisa à mulher, e deduziu que, se aquela velha era próxima à imperatriz, deveria saber muito, logo arriscou o trato com a cobra gananciosa do deserto.

"Para mostrar que tenho apenas boas intenções, vou deixar você perguntar primeiro, meu bem", disse ela, esperando mais uma pergunta tola como a que fizera da primeira vez, mas a interrogação do outro viera como um tapa.

"Como eu posso entrar na biblioteca?", disse ele, sério.

"Uhhh.. bem... meu bem.... uhh... Ahem. Você não pode entrar lá, meu bem!"

"Eu não perguntei se podia, perguntei como", retrucou.

Aparentava uma face confiante, mas na realidade o menino estava extremamente nervoso. Tinha um medo real da astúcia daquela mulher, e tentava dosar suas palavras com cuidado.

"Bem, não me importa! Não é o meu cadáver que vai apodrecer na masmorra mesmo! Escute, guri. Procure a taverna no fim daquela rua, lá você encontrará alguém; a sua melhor chance de entrar lá.", respondeu. Ao ver o assentir de compreensão do Errante, ela prosseguiu: "Agora, minha vez;"

"Onde está o Homem Sem Mãos?"

O menino gaguejou, estava surpreso com a pergunta dela, mais que ela com a dele, no entanto deveria ter esperado tal coisa. Era óbvio.

"Está longe daqui", respondeu, tentando manter a postura.

"Ótimo. Isso era tudo que eu precisava saber", disse um sorriso maquiavélico e amarelado. "Tchauzinho, meu bem, obrigado pelos negócios! Foram muito produtivos!"

Ele não compreendeu a satisfação daquela megera, não havia revelado a localização do amigo. Não via como ele poderia ser posto em perigo. Em seguida, hesitante virou as costas àquela mulher e seguiu a rua na direção que lhe fora apontada, buscando seu suposto guia.

O Ateliê de RascunhosOnde histórias criam vida. Descubra agora