Existem quatro possíveis razões que preventivamente impedem alguém de cometer um crime: medo, ética, correntes ou morte. Como o Errante não estava sob o efeito de nenhum dos quatro, começou a traçar planos para invadir na surdina aquela torre, com quem quer que seja o amigo misterioso a ser encontrado. Entretanto, não tinha quase nenhuma informação a respeito do lugar ou a quem a velha se referira. Caso não reverta esse quadro, será uma missão fadada ao fracasso. Logo, marchou àquele lugar onde lhe foram prometidas valiosas dicas.
A direção veio na forma das luzes alaranjadas e do coro caótico de vozes que saía das janelas de uma barulhenta estalagem. Talvez seja um lugar ideal para reunir dados para seu plano, afinal, haja vista a tendência dos ébrios em não conter a língua.
Abrindo a porta viu uma algazarra. Canecas e empurrões cruzavam o salão, alguns homens e mulheres batiam as mãos e os pés no ritmo da música animada de um homem que dançava em pé em uma das mesas, tocando um alaúde.
Ah sim, eu me lembro dele.
Ai querida, ai amada, amada minha!
Todos param a ver quando caminha!
Ai querida, ai amor, amor meu!
Cabelos tão negros que a noite teceu!Ai coração, que me dará infarto!
Pois para longe de você eu parto!
Ai coração, pare de me torturar!
Sei que nunca com você serei par!A platéia urrou gritos e aplausos ao término do poema cantado. "Obrigado! Obrigado! Esta eu dedico à minha amada que agora está serena e solitária em seu belo palácio!", disse o Poeta. "Ai querida, ai amada, amada Pintora!", e a multidão irrompeu em mais aplausos.
"Anunciou a Gloriosa Imperatriz Escultora que apenas o maior dentre os criadores há de se casar com sua filha! E todos sabem que sou eu!", completou, e aquela massa gritou entusiasmada.
Talvez seja este quem eu devo encontrar, pensou o menino. Antes de se dirigir à multidão para falar com ele, ouviu uma risada de escárnio vindo detrás de si.
Virou-se e viu uma figura encapuzada sentada sozinha em um canto afastado, bebendo uma cerveja. O manto não permitia que se visse nada do rosto daquela pessoa, e o Errante teve uma idéia. Queria solucionar um mistério, e quem melhor que alguém misterioso para solucionar um mistério?
Em seguida, sentou-se na mesa na mesa com o desconhecido e cumprimentou um olá.
"Claro, pode sentar né, por que não?", disse a figura sarcasticamente. Era uma voz feminina.
"uuuhh... então, o que achou do poema? vi que você estava... uhhh estava rindo dele né?", gaguejou o menino. Em realidade ele não fazia idéia de como deveria iniciar uma conversa de fins criminosos, mas tentou seu melhor.
"Você sentou aqui para discutir poesia??", riu a estranha. "Bem, achei uma droga." O menino riu envergonhado, pensou que estragara tudo.
"Cara, você é muito esquisito. Quem raios é você?", disse ela rindo.
"Me chamam de Errante, e você?", respondeu.
"Errante, é? Então você não... sabe... cria nada?", perguntou. Parecia genuinamente curiosa.
"Ah não, eu nem sequer sou daqui, sabe. Eu acordei em uma redoma com uma cortina estrelada e caí aqui sendo levado por uma corrente de vento. Sim, eu sei que parece mentira."
Repentinamente a encapuzada ajustou a postura, e pôde se ver seu rosto. Era belo e jovem, e estava pálida de susto. "Uma cortina... o quê? Como assim?", gaguejou ela.
"Sim, era um gramado circular pequeno, cercado por uma cortina com estrelas... espera, você sabe do que eu estou falando, não sabe?", disse ele.
A menina assentiu, com olhos vidrados.
"Você não está mentindo para mim, está? Se estiver vai se arrepender muito!", ela alertou.
"Não! Não é mentira! Como você conhece aquele lugar?"
"Shhh. Não fale disso com mais ninguém. Venha comigo." Logo após, ela agarrou o pulso do menino e o arrastou pela multidão, que se distraía mais um poema do homem que cantava sobre a mesa.
Juntos eles saíram. "Então... sucesso?", pensou o menino.
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O Ateliê de Rascunhos
Mystery / ThrillerCentral ao nada, onde a noite cerra, Fica o eterno Ateliê de Rascunhos, Alheio ao tempo, alheio à terra. Lá jaz Ela e, de seu próprio punho, Pinta a arte, pinta os mundos, e pinta a guerra. _____________________________________ Um menino acorda sem...