Capítulo 15- A Pintora e seu Ateliê

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Oito paredes, oito janelas, um cômodo pouco maior que uma redoma no vazio. Por elas se via todo o deserto e sua imensidão vazia, assim como as estrelas a cercar o horizonte. Lá, no topo da torre, ficava o ateliê da Pintora, calmo e sereno. Escondida da corte, de sua mãe e da cidade ela pintava seus quadros, retratando, através da arte, seu mundo e sua dor.

"Venha, aqui, olhe isso!", chamou ela, se aproximando de um volume escondido por um pano, revelando uma obra de suma importância pessoal para sua criadora. Ainda que estivesse sob o filtro de um forte estilo artístico, seu conteúdo era claro.

Era uma imagem da Cortina Constelada.

"Você... você esteve lá também?", perguntou o Errante, tão assustado quanto maravilhado.

"Não, não estive. Essa imagem tem aparecido nos meus sonhos a alguns ciclos. Eu não fazia idéia do que era. Eu... eu AINDA não sei o que é! Nunca falei isso para ninguém, e só te mostrei porque você falou disso primeiro. O que é?"

"Queria eu saber! Eu acordei lá pouco tempo atrás sem memória alguma de quem eu sou ou como fui parar lá. Vendo que não tinha nada para mim naquele lugar, eu pulei da cortina e caí aqui, no deserto. Eu juro, é tudo que eu sei.", respondeu, tentando ser o mais útil possível, a despeito da falta de conhecimento.

A menina ponderou por um momento, tentando formular hipóteses. "Isso é algo grande, eu sinto isso. Nós raramente temos alguém vindo do vazio aqui, se é que já houve antes! E logo agora eu comecei a ter esses sonhos! Não pode ser coincidência!"

"Talvez tenha alguma coisa na biblioteca sobre isso! Vamos lá procurar!", sugeriu animadamente o jovem, mas ela logo descartou a idéia. "Não tem nada sobre esse tipo de assunto profundo na biblioteca que atravessamos", avisou, "Lá você só vai encontrar técnicas de arte, relatórios do governo, contos bobos e histórias do reino e da sua glória após a grande Imperatriz assumir o trono. Uma quantidade ridícula disso, aliás", ela disse revirando os olhos.

"Todos os livros sobre conhecimentos proibidos são mantidos na segunda biblioteca, no subsolo, abaixo da torre onde estamos", adicionou, "Já ouvi dizer que a torre é muito mais profunda que alta, mas minha mãe não permite ninguém acessar o conteúdo, nem mesmo eu."

"Mas ela é sua mãe, ela não te ajudaria a desvendar esses sonhos? Você contou para ela?", perguntou.

"Céus! Não! Ela jamais me ajudaria, ela está sempre escondendo coisas de mim, dizendo que é para o meu bem e que certas coisas não devem ser conhecidas. Odeio quando ela faz isso. Além disso, se ela te ver vai te jogar na masmorra. Acho que deveria ter avisado antes, desculpe."

De fato, algumas verdades realmente são poderosas demais para as mentes comuns, segredos que revelam os mecanismos por trás do cosmo, conhecimento divino impossível de ser assimilado por seres de carne, mas isso não justifica negligência parental, na minha opinião.

"Então, retornamos à estaca zero. Não sabemos o que é a redoma, não sabemos quem colocou ela lá, não sabemos o que tem além do deserto, não sabemos nem o que são de verdade as estrelas no céu!", disse o Errante, frustrado.

"Bem, realmente temos muitas dúvidas, mas desta última pelo menos eu tenho a resposta.", completou ela com um sorriso.

Em seguida, pegou uma escada de mão que estava encostada no canto e a posicionou abaixo de uma porta de alçapão na qual o menino não havia reparado. Ao abrir a porta, uma luz azulada jorrou da fresta, inundando o Ateliê. "Venha", ela disse, subindo os degraus.

Assim que subiu, foi momentaneamente cegado, como quando o sol recebe as criaturas subterrâneas, e após seus olhos se acostumarem à intensa claridade, vislumbrou toda a glória de uma estrela cadente, um cristal branco translúcido, com suas protuberâncias pontiagudas crescendo em todas as direções. Jazia em um pedestal prateado, cuspindo luz para todos os lados.

Subitamente imagens jorraram em sua mente, imagens do cosmo, da terra, de luz. Visões familiares que havia visto naquele mercado. Sem ter controle de seus lábios, sussurrou:

Louvada seja a Segunda Obra.

"O que disse?", perguntou a menina.

Chacoalhou a cabeça, ele estava tonto. Não se lembrava de ter dito nada ainda que se lembrasse das imagens. Tentou balbuciar mas o choque o impediu de formar palavras.

"Ele não disse nada demais, filha", respondeu uma voz atrás de si que, após uma breve pausa, completou: "Por que não me avisou que tínhamos visitas?"

O Ateliê de RascunhosOnde histórias criam vida. Descubra agora