Capítulo 16: Dona lua

310 44 38
                                    

Lá fora, num banco, numa clareira entre árvores nas quais os raios do sol do fim de tarde passavam tímidos por suas folhas e galhos, uma mulher sentia a brisa bater nos seus cabelos grisalhos e refrescar sua pele enrugada pelo tempo. Em seus olhos havia lágrimas, em seus lábios, um singelo sorriso, e em suas mãos trêmulas, a foto de um menino.

- Que saudade de ocê, meu pequetito.

Uma jovem se aproximou daquela senhora com ares saudosistas e suavemente sentou-se ao lado dela puxando assunto, com o intuito de tirá-la um pouco daquela solidão.

- Dona Neves? A senhora tá bem?

A idosa deu um longo suspiro sem parar de admirar o horizonte e o sol que começava a se pôr.

- Tô, minha fia. Só tô aqui... Como sempre... Rezando pra que meu fi teja bem.

A mulher olhou de relance para a foto que ela segurava. - Esse era seu filho quando ele era pequeno? Eu comecei há pouco tempo aqui, a senhora ainda não me falou muito dele. Foi ele que deixou a senhora aqui?

- Não, minha fia. Acho que se o meu menino soubesse que eu tô aqui num ia deixar eu ter ficado esses ano todo. Mai eu nunca quis contar pra ele. Ele tá seguindo com a vida dele... E eu sigo com a minha até quando Deus quiser.

- Mas, a senhora não gostaria que ele a visitasse ou que levasse a senhora pra morar com ele, talvez?

A senhora sorriu virando-se para a moça: - Ô, minha fia... Cê é muito novinha. Meu fi é mais véi que ocê já, sabe? Mai... Cê tá aqui, cê tem um trabaio que ocê teve educação pra ter, né? O meu fi... Meu fi nunca teve como estudar, não. Quando ele era assim, pequetitín... - Acariciou a foto. - Se eu soubesse que ele tendo educação ele ia ser alguém na vida, eu mema tinha levado ele pra estudar. Memo eu nunca tendo aprendido a ler, nem escrever, eu mema tinha levado meu Ramiro pra escola.

- Mas, por que a senhora não levou?

- Porque eu num pensava nisso naquela época. Eu tinha aprendido minha vida todinha que a gente tinha que trabaiá pra sobreviver. E foi só isso que eu pude ensinar pra meu menino. Agora ele tem a vida dele... Diz que trabaia numa fazenda grandona, lá pras banda de Nova Primavera.

- É no Mato Grosso do Sul, né?

- É, sim.

- Então, ele conseguiu um bom trabalho?

Aquela mãe demonstrou desgosto no olhar. - Se fosse bom ele num tava preso lá. Ele num tava lá pras ordem de um patrão que nunca deixou nem ele voltar pra casa pra ver a mãe. - Lágrimas escorreram dos olhos da senhora, mas ele mantinha um tímido sorriso saudosista, como se já fosse conformada com essa situação há tempos, embora sofresse de saudades.

- Quer dizer que faz muito tempo que a senhora não vê seu filho? Se falar disso faz a senhora sofrer, não precisa...

- Não, minha fia, eu gosto de falar do meu Ramiro. Mai é que coração de mãe sofre... Tem as vez que eu falo com ele no telefone. Ano passado ele num ligou nenhuma vez, num sei o que houve. Mai, vê ele eu num vejo. E já faz mai de vinte ano.

A moça se surpreendeu. - Faz mais de vinte anos que a senhora não vê seu filho?

- Faz.

- Nossa! Mas, pelo menos, ele sempre fala com a senhora por telefone, né?

- Sempre, não, minha fia. Quando ele telefona é lá uma vez no ano pra saber como eu tô. Eu acho inté mió assim, sabe?

- Por quê?

Ela desfez o sorriso, com uma profunda tristeza no olhar.

- Porque eu num quero dar ao meu fi o memo desgosto que eu tive. De saber que o tio dele, meu irmão mai novo, me deixou aqui e foi simbora, só pra pegar a casinha que nós vivia. Eu num queria que meu fi perdesse o trabaio dele por causa d'eu. Ele tando lá, memo que o trabaio num seja bom, ele ainda pode ter uma chance de ser feliz nessa vida.

Liberdade e PaixãoOnde histórias criam vida. Descubra agora