Lá fora, num banco, numa clareira entre árvores nas quais os raios do sol do fim de tarde passavam tímidos por suas folhas e galhos, uma mulher sentia a brisa bater nos seus cabelos grisalhos e refrescar sua pele enrugada pelo tempo. Em seus olhos havia lágrimas, em seus lábios, um singelo sorriso, e em suas mãos trêmulas, a foto de um menino.
- Que saudade de ocê, meu pequetito.
Uma jovem se aproximou daquela senhora com ares saudosistas e suavemente sentou-se ao lado dela puxando assunto, com o intuito de tirá-la um pouco daquela solidão.
- Dona Neves? A senhora tá bem?
A idosa deu um longo suspiro sem parar de admirar o horizonte e o sol que começava a se pôr.
- Tô, minha fia. Só tô aqui... Como sempre... Rezando pra que meu fi teja bem.
A mulher olhou de relance para a foto que ela segurava. - Esse era seu filho quando ele era pequeno? Eu comecei há pouco tempo aqui, a senhora ainda não me falou muito dele. Foi ele que deixou a senhora aqui?
- Não, minha fia. Acho que se o meu menino soubesse que eu tô aqui num ia deixar eu ter ficado esses ano todo. Mai eu nunca quis contar pra ele. Ele tá seguindo com a vida dele... E eu sigo com a minha até quando Deus quiser.
- Mas, a senhora não gostaria que ele a visitasse ou que levasse a senhora pra morar com ele, talvez?
A senhora sorriu virando-se para a moça: - Ô, minha fia... Cê é muito novinha. Meu fi é mais véi que ocê já, sabe? Mai... Cê tá aqui, cê tem um trabaio que ocê teve educação pra ter, né? O meu fi... Meu fi nunca teve como estudar, não. Quando ele era assim, pequetitín... - Acariciou a foto. - Se eu soubesse que ele tendo educação ele ia ser alguém na vida, eu mema tinha levado ele pra estudar. Memo eu nunca tendo aprendido a ler, nem escrever, eu mema tinha levado meu Ramiro pra escola.
- Mas, por que a senhora não levou?
- Porque eu num pensava nisso naquela época. Eu tinha aprendido minha vida todinha que a gente tinha que trabaiá pra sobreviver. E foi só isso que eu pude ensinar pra meu menino. Agora ele tem a vida dele... Diz que trabaia numa fazenda grandona, lá pras banda de Nova Primavera.
- É no Mato Grosso do Sul, né?
- É, sim.
- Então, ele conseguiu um bom trabalho?
Aquela mãe demonstrou desgosto no olhar. - Se fosse bom ele num tava preso lá. Ele num tava lá pras ordem de um patrão que nunca deixou nem ele voltar pra casa pra ver a mãe. - Lágrimas escorreram dos olhos da senhora, mas ele mantinha um tímido sorriso saudosista, como se já fosse conformada com essa situação há tempos, embora sofresse de saudades.
- Quer dizer que faz muito tempo que a senhora não vê seu filho? Se falar disso faz a senhora sofrer, não precisa...
- Não, minha fia, eu gosto de falar do meu Ramiro. Mai é que coração de mãe sofre... Tem as vez que eu falo com ele no telefone. Ano passado ele num ligou nenhuma vez, num sei o que houve. Mai, vê ele eu num vejo. E já faz mai de vinte ano.
A moça se surpreendeu. - Faz mais de vinte anos que a senhora não vê seu filho?
- Faz.
- Nossa! Mas, pelo menos, ele sempre fala com a senhora por telefone, né?
- Sempre, não, minha fia. Quando ele telefona é lá uma vez no ano pra saber como eu tô. Eu acho inté mió assim, sabe?
- Por quê?
Ela desfez o sorriso, com uma profunda tristeza no olhar.
- Porque eu num quero dar ao meu fi o memo desgosto que eu tive. De saber que o tio dele, meu irmão mai novo, me deixou aqui e foi simbora, só pra pegar a casinha que nós vivia. Eu num queria que meu fi perdesse o trabaio dele por causa d'eu. Ele tando lá, memo que o trabaio num seja bom, ele ainda pode ter uma chance de ser feliz nessa vida.
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Liberdade e Paixão
FanfictionE depois que Ramiro saiu da prisão? Ele era outro homem. Completamente mudado como Kelvin havia dito em seus votos de casamento. Bom, talvez não completamente, porque um pedacinho de Ramiro não mudou. Este pedacinho já era de Kelvin desde a primeira...