Atlas estava na cozinha, tentando ajudar sua mãe a arrumar a mesa de jantar. Ele cuidadosamente colocava os pratos e talheres, alinhando tudo com precisão.
Apesar de seu esforço em deixar tudo perfeito, sabia que, no final, ela provavelmente diria que tudo estava fora de lugar.Com a mesa finalmente arrumada, ele deu uma última olhada para verificar se estava tudo certo. Quando terminou, sua mãe entrou na cozinha, inspecionando o trabalho com um olhar crítico. Sem surpresa, ela começou a fazer pequenos ajustes aqui e ali, comentando sobre como os talheres estavam mal posicionados e como os pratos não estavam alinhados corretamente.
A senhora Boyle estava nervosa porque receberia grande parte da família Boliviana em casa para um jantar.
Atlas percebia que sua mãe queria tudo perfeito, porque ele sabia que ela também, assim como ele, às vezes, era só uma criança com medo de ser criticada pelos pais.— Mãe, fica calma, todo mundo vai adorar o jantar.
Sua mãe, ainda com um olhar preocupado, ajustava uma toalha de mesa que estava um pouco torta.
— Você acha mesmo? — Ela questionou, examinando a mesa com um olhar crítico, claramente preocupada com a apresentação.
— Mas é claro! — Ele fez um gesto amplo para a mesa bem arrumada, tentando dissipar as dúvidas de sua mãe e infundir um pouco de entusiasmo na situação.
Em pouco mais de dez minutos, toda a família chegou. Os avós maternos de Atlas, sua tia Bárbara e sua tia Grace, o marido divertido da sua tia Grace e um primo e uma prima mais ou menos da mesma idade que ele.
Depois dos cumprimentos, abraços e perguntas indiscretas, não demorou muito para um climão se formar.
Todos comiam silenciosamente, vez ou outra, a senhora Boyle puxava um assunto sobre o trabalho do pai, sobre o bebê que a irmã estava esperando, mas uma distância desconfortável parecia separá-los.A verdade é que todos estavam lá pelo casamento de Bárbara, que aconteceria em três semanas, ela estava grávida e a família queria que ela se casasse o quanto antes. Então, estar na casa dos Boyle para uma visita era só um acaso ou um encontro inevitável.
O silêncio constrangedor foi quebrado quando a campainha tocou. Atlas sabia que não estavam esperando mais ninguém naquela noite de sábado, mas foi uma deixa para deixar a mesa, ele não aguentava mais comer com aquelas pessoas, que apesar de serem sua família, agiam como completos desconhecidos. Não havia intimidade alguma.
— Oi, Atlas.
Antes que pudesse cerrar a porta novamente na cara daquele ser que estava parado na frente de sua casa, ele segurou a porta.
— Está frio aqui fora. Vai, deixa eu entrar. — O garoto disse, sua voz ligeiramente abafada pelo cachecol grosso que envolvia seu pescoço. Ele estava carregando três casacos pesados, cada um mais volumoso que o anterior, e estava visivelmente agitado pelo frio, com as bochechas rosadas e o vapor de sua respiração visível no ar gelado.
— O que você está fazendo aq... — Esbravejou Atlas, o que fez todos encararem os dois. Então, respirou fundo e abaixou o tom, percebendo que não podia constranger a mãe. — Austin, pode me dizer o porquê da sua ilustre presença? — Disse sorrindo forçadamente, tentando apaziguar a situação. Uma que ele mal podia esperar.
— Querido, é seu colega de escola? — Sua mãe se aproximou abrindo a porta completamente. — Chame ele para entrar e jantar conosco. A mulher sorriu calorosamente para Austin. — O que você acha? Quer jantar com a gente...? — Disse tentando adivinhar o nome do jovem.
— Austin Grandy, senhora Boyle. — Disse o garoto, erguendo a mão para um cumprimento formal. — É um prazer conhecê-la. — Ele sorriu cortês enquanto eles apertavam as mãos — Sou amigo de Atlas e adoraria jantar com vocês.
Simpático, simpático demais.
Atlas ficou boquiaberto e embasbacado. Como ele já havia conquistado até a sua mãe tão rapidamente? Logo a sua mãe, que não gostava de ninguém, mas gostou dele.
— Vamos, venha logo! Não fique aí no frio. — A Senhora Boyle o puxou para dentro de casa. Atlas não acreditava que aquilo estava acontecendo. Invadir o seu convívio familiar e roubar a sua família já era demais.
— Olá a todos! — Austin cumprimentou felicíssimo, como se já conhecesse a todos a vida inteira.
— Esse é o Austin, é amigo do Atlas da escola. — A senhora Boyle disse segurando os ombros do garoto, ficando mais animada com a presença dele ali do que da própria família. — Sente-se e sirva-se, Austin. Você gosta de torta de frango?
— Nossa, senhora Boyle. Eu amo!
— Então vou colocar um pedaço bem grande pra você. — Disse servindo-o muito entusiasmada. — E não precisa me chamar assim, me chame de Susan.
— Certo, Susan. Muito obrigado! — Ele sorriu carinhosamente, já cativando a todos.
Atlas observava enfurecido.
Austin conseguia fazer com que todos conversassem.
A família inteira, menos Atlas, estavam animados com a presença do garoto. Todos riam de suas piadas e o achavam super fofo. Eles desabafavam e contavam suas histórias de vida para ele, como se fosse o ruivo fosse algum tipo de psicológo.
Atlas achava que ele até havia conseguido sanar os problemas do passado entre sua mãe e o seu avô. Agora os dois estavam se abraçando e chorando copiosamente, pedindo desculpas pelos anos perdidos devido a raiva e a mágoa.
Austin repetia para eles "está tudo bem, o ciclo foi quebrado, o ciclo foi quebrado"
Que merda era aquela? Como ele fazia isso? Que magia era essa?
— Acho que Austin já vai embora, família. — Atlas disse o puxando pra um canto, com um olhar preocupado e um tom de urgência.
— Ah, não! O Tin não. — Todos resmungavam com expressões de surpresa e desapontamento, como se a ideia de Austin ir embora fosse uma perda lastimável para a família.
Mas eles não o conheciam há até pouco tempo.
— Quem é Tin? — Atlas estava confuso com a reação de sua família, olhando para todos com uma mistura de curiosidade e perplexidade.
— É o apelido que me deram, não é fofo? Eu adorei! — Austin sorriu bobo, apenas seguindo Atlas que o agarrava pela camisa, caminhando até a porta.
— Apelido? Eu nem tenho apelido. Não me deram um. — Atlas sussurrou de modo inaudível. Austin perguntou o que era, mas o garoto apenas balançou a cabeça negando que não era nada.
— Eu não quero ir embora. — Austin empurrou a mão de Atlas que segurava sua camisa.
— Você não tem família? Quer o que aqui?
— Só vim passar um tempo de qualidade com você, amigo.
— Argh, Austin! Não somos amigos! — Atlas grunhiu nervoso. Sua paciência claramente esgotada.
Ele cruzou os braços, seu rosto vermelho de raiva, enquanto tentava lidar com a permanencia de Austin. O desconforto de Atlas era evidente em sua postura rígida e nas veias saltadas em seu pescoço.
— Estou vendo que você está nervoso. Descansa, amanhã é outro dia. — Disse Austin, passando a mão pelo cabelo do garoto, como se tentasse amansar um cavalo selvagem. — Tchau, família!
E todos gritaram "tchau, Austin" em uníssono. Antes mesmo de terminarem a frase, Atlas fechou a porta na cara do rapaz.
Atlas achava que se ele fosse embora agora mesmo ninguém sentiria sua falta, pois estariam muito ocupados falando sobre como Austin Grandy era incrível e blá, blá, blá, o que parecia engolir toda a atenção e afeto disponíveis.
O ruivo já havia se tornado um membro da família mais importante que ele. Talvez fosse até mais boliviano, mais querido, mais tudo.
Austin, com sua atitude encantadora e charme parecia ter conquistado um espaço que era seu por direito.
— Aquele garoto é muito legal. — O avô de Atlas comentou, sua voz cheia de aprovação. Todos ao redor da mesa assentiram com sorrisos satisfeitos, imersos em uma conversa animada sobre as qualidades de Austin. O ambiente estava repleto de elogios e admiração, deixando Atlas se sentir cada vez mais deslocado e invisível.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Desafeto
HumorAustin e Atlas nunca se falaram de verdade na vida. Atlas acredita que Austin nem ao menos tem consciência da sua existência. Austin acha que se ele sumisse hoje mesmo, Atlas agradeceria, talvez até soltasse fogos de artifício. Mas toda essa parede...