Diego
Acordar com a missão de conversar com meu pai já é difícil por si só, mas hoje eu estava mais determinado do que nunca. Levantei da cama, sentindo o peso das últimas semanas, mas também uma nova força. O quarto, com suas paredes de madeira escura e móveis de design clássico, parecia opressivo, como se estivesse absorvendo toda a tensão que eu carregava. Vesti uma camisa de linho azul-clara e uma calça de sarja marrom, tentando me manter o mais casual possível para o que estava por vir. Antes de enfrentar a "fera", decidi mandar uma mensagem para Mayla, mas sem sucesso. A mensagem não foi entregue. Acredito que estou bloqueado. Tenho certeza de que isso tem a ver com aquele envelope e com meu pai.Da janela do meu quarto, vi meu pai no jardim, vestindo seu habitual roupão de seda bordô, uma xícara de café fumegante em uma mão e seu charuto na outra. O cheiro amargo do charuto misturado ao aroma forte do café invadia o ar, criando uma atmosfera quase sufocante. Ele tinha aquele olhar distante e frio, um reflexo da solidão que se instalou desde que minha mãe se foi. Desci as escadas, sentindo o ranger das tábuas antigas sob meus pés, cada passo ecoando pela casa como um lembrete das tradições que ele tanto valorizava. Imaginei como minha mãe adoraria essa casa cheia de móveis rústicos e aquele lindo espelho d'água na entrada. É, mãe, tudo que você sempre sonhou, nós temos, mas o mais importante nós não temos: você aqui.
O sol brilhava intensamente no céu azul, e uma brisa suave tocava meu rosto enquanto eu caminhava pela varanda. Os raios de sol iluminavam as plantas cuidadosamente podadas e os pássaros cantavam uma melodia quase irônica. Pensei em como seria incrível curtir esse dia com a Mayla e como ela iria adorar esse lugar. Quando me aproximei do meu pai, ele despertou do seu transe e me deu um bom dia meio envergonhado, algo que eu nunca tinha visto antes. Ele estava vulnerável, como se, de repente, o peso dos anos tivesse caído sobre ele.
— Pai, precisamos conversar — disse, tentando manter a calma, mas sentindo o nó se formando em minha garganta.
— Filho, eu sei que tenho sido difícil. Às vezes, um pai acha que sabe o que é melhor para o filho, mas eu percebo que tenho errado — ele respondeu, olhando para o chão de pedra, sua voz carregada de arrependimento. Seus olhos, outrora cheios de autoridade, agora refletiam apenas o peso de suas decisões.
— Pai, você sempre quis me proteger, mas acabou me prejudicando. E aquela história com a Mayla? O que tinha naquele envelope que a Adriana devolveu?
Ele suspirou profundamente, como se estivesse exalando todos os segredos que havia guardado por tanto tempo.
— Enviei dinheiro para a Mayla sumir da sua vida. Achei que ela estava com você pelo seu dinheiro, não pelos seus sentimentos. Eu me enganei. Ela devolveu o dinheiro e se sentiu ofendida. Eu sinto muito.
Minha mente girava com essa revelação, como se estivesse sendo puxado para um turbilhão de emoções. Não acreditava no que estava ouvindo.
— Pai, você realmente não entende o que eu sinto por ela.
— Filho, fui eu que chamei a imprensa para você, queria que você acreditasse que foi a Mayla, pedi à Drika para me ajudar, colocando o número na agenda da Mayla.
— Você tentou sabotar nosso relacionamento? Tentou incriminar a Mayla? Isso é demais — minha voz tremia de raiva, as palavras saindo com uma força que eu não sabia que tinha.
— Eu só queria que você ficasse com a Drika para ganhar mais fama, filho. Fui cego. Sinto muito.
— Chega! — gritei. — Eu não quero mais ouvir nada. Vou sair e pensar um pouco. Você destruiu tudo entre mim e a Mayla, e ela não vai me perdoar.
Saí correndo, precisando de ar. As paredes da casa, que antes pareciam tão grandiosas, agora me sufocavam. Dirigi pelo condomínio, acelerando mais do que o normal, tentando deixar para trás a dor que parecia me seguir. Até que encontrei um parquinho de diversões. Estacionei o carro de qualquer jeito e me sentei em um banco de madeira. A pintura descascada do banco e o som das risadas das crianças me traziam uma sensação de nostalgia, lembranças de uma época em que as coisas eram mais simples.
Uma criança brincava com sua mãe no balanço. O sorriso deles me lembrou de minha mãe, e uma saudade profunda me atingiu como uma faca no peito. O menino, com cabelo liso e olhos castanhos, estava vidrado em tudo que sua mãe dizia, como se ela fosse sua heroína. O som das risadas das crianças, o chiado dos balanços e o cheiro de algodão-doce no ar criavam uma atmosfera nostálgica e reconfortante, mas que só fazia minha dor se intensificar.
Enquanto olhava para eles, ouvi a mãe dizer:
— Filho, sempre busque a sua felicidade, não importa o que os outros digam.
Aquilo me atingiu como um raio. Levantei, decidido a lutar pela minha felicidade. Peguei meu carro e dirigi até a casa da Mayla. Minhas mãos suavam, e meu coração batia forte, como se estivesse prestes a explodir. Toquei a campainha, e Adriana abriu a porta, com uma expressão de surpresa, suas sobrancelhas arqueadas e os lábios apertados.
— O que você quer aqui, Diego? — perguntou, cruzando os braços e me olhando como se eu fosse a última pessoa que ela queria ver.
— Preciso falar com a Mayla. Por favor, só me dê essa chance — implorei, a voz quase falhando.
— Sinto muito, Diego, mas a Mayla não está.
Sai de lá triste, derrotado, tentando entrar em contato com ela pelas redes sociais novamente, mas não consegui. Liguei diversas vezes, mas todas as chamadas foram para a caixa postal. Decidi ir para a gravadora, precisava me distrair e resolver alguns detalhes do meu novo clipe; afinal, ainda tenho compromisso com os meus fãs. Chegando na gravadora, encontrei a Carmen, e o sorriso acolhedor dela me deu algum conforto. Contei a ela tudo o que havia acontecido, esperando algum conselho que pudesse me ajudar a sair daquele buraco emocional.
— Diego, vamos alinhar os últimos detalhes do seu clipe. Tenho uma notícia que vai te animar — disse Carmen, com um olhar de quem estava prestes a revelar algo importante.
— Claro, Carmen — respondi, um pouco desanimado, mas tentando focar na responsabilidade.
Carmen me mostrou tudo o que ela tinha planejado, totalmente animada para o clipe, e me disse que escolheu a escola para a gravação e já havia anunciado nas minhas redes sociais. Agradeci a ela, mas fiquei surpreso quando ela revelou que era a escola da Mayla.
— Como assim, a escola da Mayla?
— Bom, Diego, quando eu a contratei, precisei pegar todos os dados dela para enviar para contabilidade, inclusive seus boletins escolares e declaração. Talvez seja uma chance para vocês ficarem mais perto e você se explicar.
— Obrigado, Carmen. Vou surpreendê-la e pedir desculpas em rede nacional. Amanhã, nós vamos lá. Quero muitos holofotes, quero que todos saibam que eu a amo e sinto muito. Chame os repórteres, Carmen. Quero mostrar para todos.
Sai correndo, dando ordens para todos na gravadora, o coração batendo mais rápido a cada ideia que surgia.
— Eu quero flores, balões, eu quero uma decoração perfeita!
Enquanto todos corriam para realizar os preparativos, meu coração batia forte. Amanhã seria o dia em que eu finalmente mostraria para a Mayla e para o mundo inteiro o quanto ela significa para mim. E nada, nem mesmo meu pai, iria me impedir
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Entre Funk e Espinhas
RomanceMayla acaba de se mudar para Belo Horizonte após a separação dos pais, e a nova vida na escola é um desafio. Ela nunca imaginou que a música funk, que sempre desprezou, pudesse mudar sua perspectiva. Mas quando conhece Diego, um cantor de funk com u...