II • "Adrenalina"

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É sempre difícil olhar para a vida acontecendo nessa cidade sem lembrar que nós deveríamos fazer parte disso

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É sempre difícil olhar para a vida acontecendo nessa cidade sem lembrar que nós deveríamos fazer parte disso. Fazer parte da multidão de pessoas que se desloca ao longo do dia entre os carros engarrafados e os arranha-céus empresariais.

Lembrar de promessas feitas em silêncio e de toda a bagunça que me fez chegar até o lugar que eu queria, ou nem sei mais distinguir do que se tratavam os meus desejos, se eu tive tempo de ter certeza de decisões que só foram sendo tomadas, sem achar que eu mesma tinha as rédeas. Eu sigo perdida de alguma forma, achando que algum título social de pessoa adulta me faria diferente do que fui há meses atrás. Mas não é numa madrugada qualquer, assoprando velas ao usar um scarpin no lugar de tênis confortáveis, em que tudo muda. Talvez seja a pretensão das pessoas por ai, com as expressões sérias demais, nos fazendo crer que têm tudo sob controle em suas vidas, quando estamos só fingindo uns pros outros.

E eu me incluo na conversa. Com alguma reluta, mas costumo ser um pouco mais consciente do que os adultos que fui apresentada.

Abraço meu corpo ao sentir o vento frio da noite chuvosa me acertar sem dó. Fosse ingênua o suficiente para estar com os braços expostos na porta do prédio, ou fosse a ansiedade de estar em casa e poder reclamar da rotina como todos parecem fazer, mas nem sei se teria algo para reclamar efetivamente.

- Será que hoje você aceita minha carona?

A voz grave tira meus olhos do trânsito lento a nossa frente. Suas mãos nos bolsos da calça cinza alinhada e o sorriso aberto como todas as vezes.

Acho que ele com certeza é um dos poucos adultos conscientes que classifico, não tem como ele ser do tipo que se contenta. Admiro isso.

- Meu carro já vai chegar.

- Essa chuva só vai aumentar, não vou te deixar esperando aqui sozinha.

As palavras são decisivas, como uma declaração importante no trabalho, mesmo que nesse momento não estejamos nessas posições. Me dou por vencida facilmente ao observar os limpadores de para-brisas dos carros e as intermináveis gotas de chuva que atingem os vidros.

- Obrigada.

Me limito a dizer, já me encolhendo embaixo do seu guarda-chuva.

Visualizo parte da paisagem através da transparência do guarda-chuva, as luzes acesas em outros prédios da rua e as gotas se chocando contra o material, deixando um efeito borrado nas imagens. Mesmo assim, distingo do outro lado da rua o prédio de tom amarronzado e janelas espelhadas e nem sei se o arrepio que sobe por meu braço é culpa do vento gelado. A verdade é que tenho sido obrigada a passar pelo escritório do seu pai diariamente, por ficar localizado na mesma área do escritório de arquitetura que comecei a trabalhar recentemente.

Não existe amor em SP • JJKOnde histórias criam vida. Descubra agora