Gostinho de espanto

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Rosamaria acordou em um sobressalto, o ar escapando por entre seus lábios entreabertos dando som a algo que estava entre um grito e um arfar, seus braços se movendo por conta própria como se quisessem agarrar algo que não estava ali, e seus olhos se abrindo sem enxergar nada no quarto escuro. Seu susto durou um ou dois segundos, mas os efeitos dele permaneceram no seu corpo por muito mais tempo. Após fechar os olhos e tentar forçar seu corpo a relaxar na cama novamente, Rosamaria ainda conseguia sentir seu coração batendo tão alto no seu peito que ela quase podia ouví-lo. O pulsar nas suas orelhas somado ao jeito que todos os seus músculos haviam se contraído também não ajudava em nada em sua vã tentativa de se acalmar.

Um pesadelo.

Mais um.

Rosamaria andava tendo vários deles ultimamente. Ela havia ouvido falar que algumas grávidas começavam a ter pesadelos com mais frequência - explicado por algo sobre aumento do estresse - mas ela não achava que aqueles sonhos estranhos eram mais um sintoma de sua gravidez. Eles não haviam começado até a primeira vez que ela teve um sangramento e pareciam surgir puramente do medo de algo acontecer que pusesse a vida do bebê em risco.

Ela ainda conseguia ver, mesmo com os olhos agora fechados e seu corpo lutando para se recuperar dos terrores do sonho, as imagens que assombram seu inconsciente momentos antes. O sangue, um bebê sem rosto e sem vida, sua incapacidade de gritar por socorro, suas mãos que não conseguiam segurar o corpo para ajudar ou acalentar, a expressão de decepção de Caroline, que surgiu do nada pouco antes de Rosamaria ser desperta do pesadelo por sua própria mente desesperada por uma saída. Seus pesadelos costumavam girar sempre em torno do mesmo tema: ou a perda de sua filha ou o bebê se machucando por sua própria incapacidade de cuidar dele. Ultimamente ela também teve alguns envolvendo Caroline e o bem estar de sua esposa, e esses conseguiam tirar ainda mais seu chão.

Rosamaria nunca se deu muito bem com sua mente fértil e seus sonhos constantes, mas as coisas pioraram consideravelmente agora que ela não conseguia passar uma noite sequer sem despertar em pânico. Já fazia duas semanas desde sua última ida ao hospital, apesar de que parecia muito mais tempo para o seu corpo cansado. Corpo e mente, ela pensou com certa amargura.

Sabendo que não ia mais conseguir pegar no sono, pelo menos não sem antes se distrair um pouco, Rosamaria abriu os olhos novamente enquanto tateava o espaço ao lado da cama em busca do seu celular na mesa de cabeceira. Ele estava carregando, como ficava toda noite, e ela puxou o fio do carregador antes de puxar ele para perto do rosto. Ela estreitou os olhos o máximo que pode antes de dar dois toques na tela para ver o relógio.

04h17.

Bom, mais tempo do que na noite anterior.

Com um suspiro, Rosamaria abaixou o celular para o peito e ficou olhando para o teto enquanto esperava seus olhos se adaptarem à escuridão. Ao seu lado, o corpo quente permanecia imóvel exceto pelo suave movimento das costas subindo e descendo a cada respiração. Caroline dormia de barriga para baixo, um braço esticado do seu lado e o outro jogado por cima de Rosamaria, e havia sido dessa forma desde que a barriga da oposta começou a crescer. Ela já estava sentindo desconforto para dormir de lado e havia sido obrigada a aprender a dormir de barriga para cima, mas Caroline se adaptou depressa à mudança de posição para dormir. Caroline era assim sempre. Fácil para se adaptar, o que batia de frente com a própria relutância que Rosamaria sentia às vezes ao se ver de frente do novo. Talvez por esse mesmo motivo que elas se completavam com tanta sintonia.

Depois de alguns minutos, Rosamaria começou a se mover devagar, com cuidado para não perturbar o sono de sua esposa. Ela segurou o braço de Caroline e o colocou na cama antes de tirar o lençol de suas próprias pernas para poder se sentar na beirada da cama. Ela esperou alguns segundos antes de se levantar para ter certeza que Caroline não havia acordado com seu movimento, mas, como de costume, sua esposa pareceu nem perceber que algo havia mudado.

Drops of JupiterWhere stories live. Discover now