Estou tentando ser normal sendo gay e superdotado. [As palavras "gay" e "superdotado" parece que ganham um sentido errado quando estão juntas. Mas você entendeu o que estou falando de Altas Habilidades/Superdotação, certo?]
Na última postagem eu disse que escreveria sobre a "intensidade emocional" no superdotado. Mas não sei se quero escrever sobre isso hoje. Hoje sinto que tem algumas pontas soltas dentro de mim. Preciso pegar uma delas e tentar tecer um fio que diminua a minha angústia.
Acho que hoje vai ser um daqueles posts sem pé nem cabeça, quando tento encontrar sentido em um mar de confusão. E como já está claro que vai ser assim, melhor não perder tempo e puxar logo o fio desse aperto no peito que estou sentido desde que eu e o meu marido abrimos o relacionamento.
Eu não pretendia falar disso aqui - quem me acompanhou nos diários anteriores sabe que meus problemas de relacionamento foram exaustivos ao longo dos últimos meses. O que não é para menos. Depois de um casamento de treze anos, eu e meu marido começamos a perceber que queríamos coisas diferentes no sexo. E após muitas conversas difíceis e também de muita terapia, fomos nos encaminhando para abrir a relação.
Atualmente, estamos na fase em que a relação está aberta, mas a situação ainda não está resolvida. Meu marido não parece muito inclinado a consumar a liberdade sexual conquistada. Fica apenas fantasiando, mas sinto que não concretizou nada. E eu, tendo adotado uma postura mais prática em relação a isso, saí com um cara e não contei a ele sobre isso.
Bom, todas as pessoas próximas com as quais falei sobre abrir a relação me perguntaram sobre o que eu e ele conbinamos a respeito de contar ou não nossas experiências. Posso adiantar que o combinado foi que podemos contar se quisermos ou precisarmos, mas não seria necessário, caso não queiramos. Chegamos a isso depois de algumas considerações.
A principal delas é nosso entendimento de que não é possível a um ser humano pretender ter controle sobre os desejos de outro ser humano. O desejo não é domesticável. Na verdade, o desejo é o que existe de mais móvel e pessoal. Pretender angaiolar os desejos de alguém dentro de um matrimônio monogâmico exclusivo é perfeitamente ilusório. É como acreditamos. Eu acredito nisso. Portanto, ter a obrigação de contar ou não qualquer coisa poderia limitar ou inibir a liberdade um do outro.
Nesse sentido, eu acredito que a liberdade sexual deve ser como o nome diz: livre.
Mas isso, que faz tanto sentido téorico para mim, é bem mais complicado na prática. Basta considerar que fui criado em uma cultura altamente moralista e religiosa. Isso significa que fui criado para o relacionamento exclusivo. E que essa união deve ser mantida por um amor inabalável e um desejo sexual constante.
É como se o mundo antigo acreditasse ser possível congelar duas pessoas em um bloco sólido e inalterável e estabilidade e perfeição.
Nada pode ser mais contrário à natureza humana. Não temos tanto controle sobre nós mesmos quanto acreditavam nossos antepassados. A realidade é que somos muito mais complexos e muito mais variáveis em todos os sentidos. Basta olhar em volta: pessoas muito educadas são pessoas muito reprimidas - e morrem por dentro em explodem para fora - muitas vezes na forma de agressividade, doenças, traições conjugais...
Mas se é impossível ser feliz no modelo antigo de ralcionamento [ok, existem um ou dois casais realmente felizes e sexualmente satisfeitos, mas convenhamos que não são a maioria] - se é impossível para a muitos serem felizes na monogamia exclusiva, também não é fácil mudar para o relacionamento aberto.
Estamos abrindo a relação e sinto como se estivéssemos pisando em um terreno incerto. E talvez seja exatamente porque nada está garantido. Apenas a ilusão é garantida no relacionamento tradicional. A realidade é que, até na monogamia exclusiva, nada está garantido.
Acho que me dar conta dessa incerteza inerente à existência é o que me deixa com essa sensação de frio no estômago.
Para você, toda a verdade: logo que abrimos o relacionamento, conheci um cara que mora perto da minha casa. Ele tem ótimas qualidades, mas destaco as duas que mais me chamam a atenção: ele é inteligente e fisicamente atraente. Saímos duas vezes. A conversa é ótima e todo o resto também. Não estamos apaixonados, apenas vivendo o momento com uma conexão honesta e vibrante.
Acontece que não falei disso com o meu marido - estávamos de acordo, como contei acima, sobre contar ou não nossas aveturas sexuais. Mas eu me sinto como se estivesse mentindo. Sinto que deveria falar, mas tenho medo. Não sei se ele está realmente pronto para ouvir esse tipo de coisa. Tenho medo de que ele reaja mal.
Estou falando sobre como acho que ele pode reagir mal à notícia, mas a verdade é que tem outra razão pela qual sinto que não devo falar. Essa diz respeito a um sintoma do casal. Desde que nos conhecemos, ficamos muito grudados um no outro. Pssamos a fazer o máximo de coisas juntos, sempre fomos bastante transparentes um com o outro, quase como se estivéssemos em uma simbiose.
Essa "simbiose" já foi tema de algumas das minhas sessões de análise. Porque no processo de "simbiotizar", nós fomos abrindo mão de boa parte da nossa individualidade. Até o ponto em que me encontrava há alguns meses atrás, quando entendi que precisava explorar mais a minha individualidade e sair desse amalgamento que eu estava tendo com ele.
Resumindo, pode ser que eu queira muito contar porque sinto um impulso de voltar para a simbiose. Como se uma parte de mim precisasse nervosamente da segurança da simbiose.
Porém, outra parte de mim diz que a simbiose não é boa. Ela apaga a minha individualidade e também apaga o meu desejo. Sim, falei muito disso nos outros diários. Com a análise fui compreendendo como essa minha posição subjetiva de agradar meu marido para tentar garantir o seu amor fazia com que eu mesmo apagasse os meus desejos, colocando os desejos dele em primeiro lugar.
Nessa perspectiva, contar seria retornar à nossa relação disfuncional, na qual alieno minha individualidade para ele julgar e decidir por mim. Não contar seria uma forma de reafirmar a minha decisão de preservar a minha individualidade, fazer escolhas mais livremente e buscar satisfação para os meus desejos sem apelar para a aprovação dele - especialmente se considerarmos que estabelecemos um acordo de liberdade para contar ou não.
Enfim, acho que o correto é não contar mesmo.
Acho que eu precisava fazer essa pequena autoanálise hoje, antes de prosseguir com o meu dia.
Esse não foi bem um post sobre superdotação, mas puramente uma autoanálise.
Ah, apenas para não passar em branco, acho que o post de hoje é um bom exemplo de como funciona o cérebro hiperativo de uma pessoa com AH/SD. Agora imagine que penso nessa intensidade o dia todo [e às vezes à noite toda, inclusive sonhando]. É exaustivo.
Você teria coragem de ter um relacionamento aberto? Todo mundo que conheço diz que não, embora muitos deem um risinho no canto da boca ante a possibilidade de ter uma vida sexualmente livre.
Obrigado por ler até aqui. Tenha uma ótima semana!
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Como ser normal sendo superdotado - Diário
Non-FictionParecia que eu já tinha conseguido vencer na vida. Afinal, eu meio que tinha descoberto como ser normal sendo gay. Mas é como dizem, quando você encontra uma resposta, vem a vida e muda todas as perguntas. E foi isso o que aconteceu quando descobri...