Eu não sei se é uma fantasia para fugir da realidade, ou um sonho verdadeiro. Mas há décadas alimento a ideia de me tornar cem por cento escritor. Já falei sobre isso no meu diário antigo. Escrevi meu primeiro "livro" aos 12, plagiando o livro "A marca de uma lágrima", do Pedro Bandeira [que era de certa forma um plágio do "Cyrano de Bergerac", de Edmond Rostand].
Depois disso escrevi alguns livros, poesias, contos. É um desejo que vem e vai. Mas na minha fantasia, quando projeto um eu ideal do futuro, sou escritor, viajo pelo mundo debatendo minhas obras com pessoas que se interessam pelo que tenho a dizer.
É curioso que um desejo tão intenso e duradouro não se realize.
Atualmente, porém, depois de descobrir sobre a superdotação e ao estudar sobre o assunto, consigo ter uma percepção mais clara de alguns motivos para esse impedimento. Vou destacar três aspectos principais, mas pode ser que outros surjam no processo. Senta que lá vem nóia!
1) Perfeccionismo
Esse é um conhecido antigo, mas só recentemente descobri ser um traço da superdotação. Basicamente, tenho uma exigência muito alta sobre mim. Estou sempre em busca da excelência. Quando me disponho a escrever literatura, entram mais diversas camadas de exigências aí. Especialmente porque o texto literário, na minha concepção, é intencional, pode e deve ser trabalhado com tempo, como dilapidar um diamante. Isso em si já torna a tarefa impossível de ser realizada. Porque esse diamante precisa ficar tão, tão perfeito que, no final, nada é perfeito o bastante. Porque comparo a obra real com a ideal - e a ideal é inatingível.
Muito platônico isso, né? Não sei se você lembra, mas Platão defendia que a verdadeira essência perfeita das coisas existia apenas no mundo das ideias, e tudo o que existe no mundo real é apenas um simulacro imperfeito do ideal.
Então é como se eu buscasse produzir no real essa essência perfeita e eterna que só pode existir no mundo das ideias. Ou seja, uma tarefa impossível per se [eu já tava com saudade de atacar no latim :]
Movido pela máxima "quem não planeja o sucesso, planeja o fracasso", teve uma época recente, inclusive, em que passei a desenvolver um planejamento da obra antes de realmente escrever. Nesse planejamento eu criava tudo relativo ao livro. Enredos, peronsagens, quantidade de capítulos, resumo de cada capítulo com todas as metas que eu precisava bater para manter todos os arcos da história bem construídos, fluidos e coesos. Teoria de roteiro na veia.
Mas o resultado disso era que eu passava dias e até meses colocando tudo de mim no planejamento. E quando eu finalmente achava que já estava na hora de escrever, o tesão já tinha acabado.
Acho que escrever um projeto de livro é menos arriscado. São ideias soltas, possibilidades futuras, é a diversão de imaginar, criar, fazer relações. Mas isso não é a obra em si. Escrever o primeiro rascunho já é muito perto do resultado final. É quando eu finalmente tenho que me colocar, dar a cara a tapa, colocar tudo o que está dentro de mim na superfície, para que outras pessoas possam ver. É aí que a nóia do perfeccionismo realmente começa a bater.
Porque é quando aparecem, sim, as minhas ideias maravilhosas e sagazes. Mas também as minhas limitações e imperfeições. E eu tenho tanta necessidade de ser perfeito, que não suporto me ver imperfeições minhas espelhadas no que escrevo. Escrever é me olhar no espelho e saber que todos poderão ver as mesmas imperfeições que não suporto em mim.
Neurose nível hard, né?
Sim, mas tenho que dar um jeito de lidar com isso. Estar aqui me expondo nesse diário faz parte da minha luta contra o medo de exposição. Tem coisa mais exposta do que um diário publicado na internet?
![](https://img.wattpad.com/cover/374242662-288-k515428.jpg)
YOU ARE READING
Como ser normal sendo superdotado - Diário
Non-FictionParecia que eu já tinha conseguido vencer na vida. Afinal, eu meio que tinha descoberto como ser normal sendo gay. Mas é como dizem, quando você encontra uma resposta, vem a vida e muda todas as perguntas. E foi isso o que aconteceu quando descobri...