Hoje eu quero falar sobre um problema com o qual estou tendo que lidar desde que descobri a superdotação. São os cavalos soltos. Eu explico:
Quando era criança, por volta dos sete ou oito anos, me dei conta de que estava com dificuldade para pegar no sono à noite. Eu percebi que essa dificuldade era porque eu ficava absorvido nos meus próprios pensamentos.
Talvez eu tenha percebido os pensamentos antes de dormir porque era uma hora silenciosa, sem as distrações do dia. Mas o fato é que me via pensando sem parar nas coisas que tinham acontecido ao longo do dia, e às vezes também imaginando o que poderia acontecer no dia seguinte.
Eu não gostava de ficar pensando tanto. Mas era impossível controlar a minha mente. Então comecei a inventar estratégias para pegar no sono. A primeira coisa que fiz foi ficar olhando para a lâmpada acesa no teto até os meus olhos arderem. Quando ardiam, eu precisava desesperadamente fechar, e então acabava dormindo. Fiz isso poucas vezes, porque tive medo de que danificasse os meus olhos. E também porque nem sempre funcionava.
A segunda coisa que inventei foi pegar meus livros de escola para ficar lendo. Comecei pelas histórias do livro de português. Quando terminei (já que eram poucas), passei para os textos de outras matérias. Até que passei a pegar livros na biblioteca. E assim teve início o meu hábito de ler antes de dormir - única coisa que realmente me ajuda a desligar o pensamento e cair no sono até hoje.
Acho importante falar sobre essa experiência da infância porque o meu problema não mudou nada até os dias de hoje. Se eu simplesmente deitar na cama e esperar o sono chegar, minha mente vai ser arrastada pelos pensamentos - esses cavalos galopantes que correm soltos pelo infinito da mente.
O problema sempre foi o mesmo. Porém, o tanto que ele me atrapalha já teve muitas variações ao longo da vida. No pós-adolescência, por exemplo, eu perdi totalmente o controle sobre a minha capacidade de dormir. Vivi um longo período de depressão e uma insônia exaustiva. Eu raramente dormia antes das três da madrugada e vivia feito um zumbi.
Nesse período me consultei com um psiquiatra, que me receitou um antidepressivo e, claro, um remédio para dormir. O que me ajudou temporariamente. Mas sempre tive resistência a tomar medicação por longos períodos e, poucos meses depois, quis interromper.
Quando conheci meu marido, há treze anos, meu sono subitamente melhorou. Acho que ele trouxe uma estabilidade emocional, uma sensação de segurança que me permitiram, finalmente, descansar a mente. Passei todos esses últimos anos tendo boas noites de sono.
É claro que a hiperatividade mental sempre esteve aí, mas acabou se tornando fácil para mim gerenciá-la.
Além da estabilidade emocional trazida pelo relacionamento com um cara fastástico como ele, eu também percebi que qualquer envolvimento intelectual um pouco mais intenso abria a cela dos cavalos e eles voltavam a galopar fora de controle. Foi assim que teve início o meu "emburrecimento".
Isso que chamo de "emburrecimento" foi um movimento que eu mesmo criei para priorizar a paz mental, em detrimento dos cavalos soltos. O que significa? Que comecei a ler livros super superficiais, zero teoria de qualquer coisa - apenas lazerzinho fácil. Evitei todo tipo de estímulo mais intenso. Até mesmo documentários ou filmes mais complexos eram descartados.
Até o dia em que comecei a ler "Um defeito de cor". Falei muito desse livro no meu diário anterior. Ele foi uma virada importante na minha vida não só porque a história é rica e complexa, mas porque me despertou para o fato de que eu gosto de coisas interessantes.
Eu estava farto de apenas consumir distração. Eu sentia fome de pensar. A Kehinde (protagonista do livro) pegou a minha mão e me levou a pensar em muitas coisas novas e antigas. Até que falei disso na minha análise. E logo depois disso veio vindo a identificação das Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD).
Eu, que passei a vida inteira tentando dominar os cavalos, de repente me senti inclinado a deixá-los correrem soltos por um tempo, para ver no que é que dava. Foi o que fiz depois que a ficha da minha condição finalmente caiu.
E então voltei a ter imensa dificuldade para dormir. Estou tentando descobrir como equilibrar tudo isso. Antes eu achava que precisava apenas conter os cavalos. Agora quero que eles sejam livres, mas que não me tirem o sono. Qual será a saída? Meditação? Uma higiene do sono mais rigorosa? Aceito dicas e sugestões!
Obrigado por ler S2. Até a próxima!
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Como ser normal sendo superdotado - Diário
No FicciónParecia que eu já tinha conseguido vencer na vida. Afinal, eu meio que tinha descoberto como ser normal sendo gay. Mas é como dizem, quando você encontra uma resposta, vem a vida e muda todas as perguntas. E foi isso o que aconteceu quando descobri...