Hoje é o terceiro dia que abro esse diário pra vir escrever alguma coisa. Nos dois anteriores não saiu nada. Vamos ver hoje sai um bafão top, ou se vai ser só mais um folheto informativo sobre o mundo (você-sabe-quem, a piada saiu, sorry).
O que está na minha cabeça hoje (desde a minha sessão de análise dessa semana) é sobre aquele dilema entre contar ou não contar ao meu marido sobre as minhas aventuras sexuais. Toda sessão eu falo para a minha analista que preciso contar, quero, vou. Ela fica jogando argumentos para eu não contar.
Você pode estar pensando que é uma decisão minha, não dela. De fato é minha. Mas ela tem algum motivo para me induzir a não contar. O mais curioso é que eu sei que ela está certa. Embora eu não seja perfeitamente capaz de dizer porque.
Acho que escrever sobre isso pode me ajudar a entender.
Na última sessão eu disse que estava me sentindo desleal por não contar nada ao meu marido, uma vez que ele sempre me conta tudo (não contou sobre o beijo no meu amante [você deve lembrar], mas acho que sei o motivo).
Eu vejo dois motivos para ela ser contra.
O primeiro é que sempre me coloco a serviço das outras pessoas. Eu me anulo para que outras pessoas brilhem. Eu tento adivinhar e atender todas as expectativas dos outros. Assim, na minha fantasia, acredito que os outros vão me considerar perfeito e vão me amar.
Acho que essa minha inclinação para contar tudo ao meu marido serve ao propósito de satisfazer à curiosidade dele sobre o que estou fazendo com a abertura da relação. Ou seja, ele tem um desejo de saber e eu, ao contar, estaria satisfazendo. Assim, estaria sendo perfeito e, em consequência, teria mais chance de ser amado.
Aí esbarramos em uma questão relacionada ao meu marido, que envolve uma eterna expectativa de triangulação comigo - eu como quem toma conhecimento, olha, opina, decide.
Então tem o meu marido de um lado me convocando a saber sobre ele, e eu de outro lado sintomaticamente tendendo a me submeter ao "desejo do outro". Acho que o movimento que a minha analista está propondo é que eu saia dessa posição sintomática.
Estou resistindo. Pode parecer besteira, mas atravessar um sintoma pode ser bem exaustivo. Esse atravessamento, pelo menos, está sendo. Tanto que ontem tive um micro burnout.
Passei o dia todo tentando e tentando fazer mil coisas, mas estava exausto. De tempos em tempos eu me enconstava em um canto para dar um cochilo. Estava tão morto que dormi no sofá da sala às 20h , às 21h fui arrastado para a cama e só acordei hoje às 5h - hora da academia.
Passei o dia inteiro com essa noia de perfeição na cabeça. Tão cansado que eu só pensava no quanto estava sendo impossível ser perfeito. Trabalhei pouco e mal. Não cumpri com as minhas obrigações básicas de sobrevivência. Me senti derrotado.
Hoje acordei renovado. Zero dessas questões. Acho que eu precisava mesmo dormir. E acho que a exaustão de ontem era todo o meu ser me dizendo o quanto é difícil sair de uma zona de conforto. Como beira o insuportável abrir mão de um sintoma e se lançar em um terro desconhecido.
Abrir a relação é se lançar ao desconhecido. Coloca muitas coisas em jogo. Há riscos. Tantos que não dá nem para listar. Mas a questão não é nem se devemos ou não abrir a relação. Atualmente não estou nem mesmo conseguindo mais conceber um relacionamento fechado. O problema que eu efrento atualmente é o desgaste mental e emocional de romper padrões culturais que não servem mais para mim.
Sei que esse assunto é polêmico, mas não temos outro caminho além de levar as nossas verdades até as últimas consequências. Espero estar fazendo isso.
Respondendo à pergunta contida no título (qual é o preço da perfeição?), a minha resposta: o preço que eu pago para parecer perfeito é um total apagamento das minhas singularidades. Ser perfeito é estar perfeitamente ajustado às expectativas sociais. Ter um padrão de corpo, de beleza, de renda, de vida social, de casamento, de trabalho e por aí afora. A sociedade está cheia de padrões para a gente se ajustar.
Mas o que me torna único não é a mesma coisa que me torna perfeito. Para ser perfeito, eu preciso me anular. Mais ou menos com a Barbie, que precisa ignorar a complexidade do que acontece dentro dela para viver em uma barbielândia eternamente perfeita.
Não tem como ser perfeito. A perfeição é um ideal - portanto uma ideia, e ideia não é real. Mirar na perfeição é mirar em uma >> miragem. Não temos como chegar lá.
A minha sorte é que eu tenho caractaterísticas que me tornam único. Tudo o que já passei na vida, a pessoa que eu sou, o fato de eu ser gay, que influenciou e influencia positivamente a minha vida de muitas formas, entre outras características pessoais.
Tá parecendo um diário de auto-autoajuda. E não é isso o que os diários são?
O bom é que estou me afastando desse ideal de perfeição. Acho que sempre vou ter um impulso de perfeccionismo. Mais acima falei que tento ser perfeito para ser amado, mas não é só isso. Eu tenho esse impulso para a perfeição como um fim em si mesma. Trabalho bem feito. Frases bem construídas. Justiça. E por ai afora.
Falei um monte de coisa, mas talvez não tenha dito nada. Mas tudo bem. Falei o que precisava.
Obrigado por ler.
Bj
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Como ser normal sendo superdotado - Diário
Non-FictionParecia que eu já tinha conseguido vencer na vida. Afinal, eu meio que tinha descoberto como ser normal sendo gay. Mas é como dizem, quando você encontra uma resposta, vem a vida e muda todas as perguntas. E foi isso o que aconteceu quando descobri...