16 Oversharing

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No meu diário anterior, falei muito sobre a minha dificuldade de me expor. Essa é uma questão que vira e mexe aparece na minha análise, mas não só. Ela está presente em praticamente todos os dias da minha vida desde que me entendo por gente.

Hoje eu quero falar sobre isso.

Para quem não me conhece - eu sei que são milhares de leitores e a cada segundo chega mais um monte de gente - preciso esclarecer que o fato de me expor nesse diário não significa que está ok para mim me expor.

Na verdade, esses diários online surgiram como um exercício meu para, justamente, me mostrar para outras pessoas. Com a relativa segurança de estar anônimo. E, sim, isso tem me ajudado, tanto que vira e mexe eu venho aqui passar um pouco de vergonha.

Mas por que esse assunto hoje?

Bom, eu estava estudando uma parte da teoria psicanalítica que fala sobre a o desenvolvimento psicossexual das crianças. Isso pode soar estranho para quem não é da psicologia, mas em 1905 Freud publicou um estudo no qual ele compartilha suas observações sobre o funcionamento da sexualidade das crianças. Mas não se trata de uma sexualidade centrada na genitalidade, como ocorre com adultos.

Sem fazer um informativo denso sobre o assunto, acho que basta dizer que a sexualidade infantil está relacionada aos modos como a criança encontra sente prazer com todo o corpo. E também se relaciona à descoberda das diferenças sexuais. E, ainda, às dinâmicas afetivas que ela vive em relação aos seus cuidadores - por exemplo, mãe e pai.

Dito isso, acabei refletindo sobre o meu próprio desenvolvimento psicossexual e meio que tive um insight do porque tenho essa fobia de me colocar para outras pessoas, de me expor e, deus me livre, de ser o centro das atenções.

O fato é que a teoria diz que a fobia é uma forma que a criança encontra (inconscientemente, claro), de lidar com a angústia experimentada nesse processo de desenvolvimeno psicossexual. É difícil explicar isso sem entrar nos pormenores da teoria. Mas trazando para o meu exemplo concreto, acho que vai ficar claro.

Durante o meu desenvolvimento psicossexual, eu muito cedo intuí que meu modus operandi psíquico não estava adequado ao que meu pai experava de mim. Eu me lembro de, desde muito pequeno, ouvir comentários dele sobre eu ser diferente.

Mas muito cedo quanto? Não sei precisar a idade, mas lembre-se de que sou superdotado, então realmente tenho memórias muito antigas e vívidas. São memórias de quando eu tinha quatro anos de idade, anteriores ao nascimento da minha irmã. Depois do que ela nasceu, as "intervenções" do meu pai nesse sentido ficaram completamente evidentes. Tenho exemplos concretos para citar com menos de cinco anos de idade.

O que era essa diferença que eu pressentia haver em mim? Que eu era afeminado. Não gosto de usar essa palavra, mas acredito que seja a que melhor se aplica. Porque eu, de fato, tinha uma "estrutura psíquica", se é que podemos chamar assim, feminina. Mais ou menos como tantos dizem por aí, "sou uma menina no corpo de um menino".

Meu pai sacou isso desde muito cedo. Ele sentia raiva disso. E tantava reprimir qualquer tendência feminina em mim fosse censurando abertamente os comportamentos que ele reprovava, como eu brincar de boneca, ou ameaçando mandar para um internato se tivesse "algum filho viado".

Eu tinha menos de cinco anos de idade. Para mim, essa ameaça era real, mesmo que eu não acreditasse interiamente nela.

Acredito que a minha identificação sexual como feminino se tornou um grande problema. A tal ponto que eu rapidamente desenvolvi estratégias para ocultar minha verdadeira natureza. O que eu fazia? Brincava escondido.

Por toda a minha infância, jamais abri mão de fazer o que eu queria. Porém, jamais fazia qualquer coisa "suspeita" na frente do meu pai. Acredito que nesse contexto esteja a origem dessa minha divisão entre a pessoa que eu sou (e que escondo do mundo), e a que eu realmente mostro (pouco ou quase nada).

É claro que no curso do tempo foram surgindo outras situações que reforçavam a minha fobia de chamar atenção, temendo que as pessoas pudessem descobrir a verdade sobre a minha sexualidade.

No diário antigo, contei sobre bullying na escola, como perdi amigos de infância porque as normas culturais da sociedade impediam que eles fossem amigos de um garoto gay.

Enfim, o que estou pensando hoje é que o meu medo de exposição pode ter relação com a origem da minha questão com a homossexualidade censurada, criticada e reprimida desde muito cedo na vida. Um medo de que as pessoas vejam quem eu sou e, obviamente, que julguem mal a minha verdade mais verdadeira. Um medo de rejeição profunda, como a que eu enfrentei por toda a vida com o meu pai.

A possibilidade de ser rejeitado de forma tão intensa e radical me causa muita angústia.

Ainda assim acredito que preciso chegar mais para lá a minha fronteira de proteção. Preciso criar mais aberturas para que as pessoas possam entrar e olhar o que há aqui. Porque é certo que alguns vão rejeitar, mas também há aqueles que vão encontrar algo de bom e verdadeiro em quem eu sou.

Pensar sobre tudo isso me inspirou o desejo de vir aqui escrever mais um post. Mas também de me expor, seja através das artes plásticas outra vez, seja através dos meus textos. Talvez fosse o momento de voltar a publicar contos. Vamos ver o que pode acontecer depois dessas análises.

O relato de hoje foi um pouco tenso e talvez seja gatilho para algumas pessoas. Porém, queria deixar registrado aqui que tudo isso que eu vivi me ajuda a ser quem eu sou. Apesar do medo de que terceiros me aniquilem com seus julgamentos jupterianos, devo confessar que gosto muito da minha pessoa. Não só gosto, como me admiro e tenho até orgulho de mim. Os terceiros que lutem.

Como é para você a ideia de ser o centro das atenções? Você compartilha em excesso sobre você? Ou prefere se esconder, como eu?

PS: Foto da capa com o poster do Jim Morrison S2 na época do The Doors como representante das pessoas que se superexpõem.

Como ser normal sendo superdotado - DiárioWhere stories live. Discover now