Entrelinhas.

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                        Entrelinhas

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                        Entrelinhas.
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     Nunca fui boa em controlar minhas emoções. Desde a infância já falava pelos cotovelos, dizia tudo que minha mente mandava sem pensar. Falei pra vizinha Bete que sua verruga cabeluda que quase entrava dentro da sua narina era nojenta. Chorei na frente do padeiro porque seus sonhos eram muito gostosos — e não me refiro à sua antiga vontade de ser o futuro Miss Peitoral Peludo do ano (eu sei, blé. Mas precisamos saber diferenciar o artista da obra). Fiquei tão feliz quando meus pais me levaram ao Parque Central pela primeira vez que saí dançando e girando pelos arredores igual um pião — nenhuma criança quis se aproximar. E sempre com essas e outras emoções malucas e descontroladas, sempre soube diferenciar o que estava sentindo, mesmo que estivesse camuflado no meu interior. Raiva, tristeza, nojo, felicidade...
   
     Sabia que sentimentos poderiam se misturar e trazer um novo. Tristeza poderia trazer a raiva. A vergonha poderia trazer a ansiedade. E eu estava visivelmente frustrada, mas o que estava trazendo aquele sentimento? Havia ali alguma barreira que eu precisava desvendar ou derrubar na força bruta. Porque não havia nenhum motivo lógico para que eu tivesse aquela mudança de humor repentina ou a expressão amarga que estava tentando disfarçar com um sorrisinho amarelo, daqueles que damos quando há alguém andando feito uma tartaruga na nossa frente. Nenhum porquê aparente para aquele meu dramalhão interior e desenfreado. Quer dizer, fora o afastamento de Valentim.

     Seu rabo balançava tanto que a qualquer momento ele poderia se transformar em um helicóptero. Respiração ofegante — era possível que eu tivesse jogado a bolinha longe demais —. Largou com a boca a bolinha entre nós dois e começou a girar. Talvez, ali, não fosse só eu que precisasse dar um jeito em controlar emoções.

— Yoda — Valentim falou vagarosamente antes de pegar ar.

     Percebendo que nós não tínhamos a intenção de jogar novamente seu brinquedo, Yoda começou a rosnar. Talvez eu devesse me inspirar. Sempre que algo desse errado ou não saísse como planejado, começar rosnar. Isso seria bem menos desgastante do que ficar me lamentando ou buscando uma solução. Ótimo, cachorrinho espertinho. Obrigada pela ideia, mas será que você poderia voltar outra hora?! Tá tendo uma conversação entre olhares super importante e você tá atrapalhando!

— Yoda… — repetiu pausadamente. O cachorro teimoso não desistiu, ainda rosnando, foi até a barra da calça de Valentim e começou a morder. Se animais são irracionais, como ele tinha percebido que nós dois estávamos competindo pela atenção de seu dono? — Amigo, o que que é isso?!

     Com o coração nas mãos, ainda completamente boba com o que havia acabado de acontecer — e pioraria se eu fosse ainda mais a fundo para tentar entender —, sorri para ele, levantando uma bandeira branca para Yoda. Tá bom, é todo seu.

    Soltando um ar pesado, Valentim sorriu, observando meu rosto por mais alguns segundos, me fazendo ter medo de que estivesse lendo tudo que se passava pela minha mente.

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